Autor: Thiago Rosa
“E o seu coração, e o seu coração onde está…?”
Cuecas empilhadas, camisetas de eventos anteriores dobradas ao lado das bermudas e uma blusa em caso de frio. Shampoo, sabonete, fio dental, pasta e escova de dente. Cobertor, travesseiro e colchão inflável. Lençol, meias, chinelo, toalha e papel-higiênico (vai que falte!). Cartazes da FM!, netbook e câmera fotográfica. Pronto!
Todo ano, véspera de páscoa, a rotina sempre foi esta nos meus últimos sete anos. Uma lista das coisas que são úteis para levar no encontro, sendo conferida item por item espalhados pela cama. E no final, você sabe que sempre quando você abre a mala lá, na escola local do encontro, você percebe que alguma coisa ficou de fora.
Este ano a rotina não foi diferente. Quer dizer, talvez um pouco. Lembro que na primeira vez, meio jovem e com algumas reservas adolescentes, eu ia rodeado de amigos bem próximos, no ônibus de viagem que era alugado pra levar toda a tropa. Sempre se ouvia um Thiago aqui, um Thi ali ou um Thiguinho lá ao fundo e, claro, alguns Thiagos soados aleatoriamente.
Anos depois as coisas foram meio diferentes. Nada de ônibus, nada de This, nada de amigos próximos. Mala no carro bagunçado, GPS e a solidão da estrada. Cubatão era logo ali a 40 minutos, palco de um dos quatro encontros de jovens do estado paulista que ocorrem nesta época. A 34ª Confraternização das Mocidades Espíritas do Leste do Estado de São Paulo (COMELESP), começava ali.
Em um lugar onde ser jovem espírita é a coisa mais importante, não há como se isolar ou se sentir sozinho. Ambiente confortável, a mágica do encontro se faz presente. Todos os seus problemas são deixados para trás. Você pode ter tido dias chatos, chefes difíceis, pais complicados, namoros em crise, ter o seu íntimo abalado, mas quando você coloca o pé dentro da escola, com aquela energia emitida por um coro de quase 300 jovens, é como se você entrasse em um estado de frenesi, de êxtase. Seus problemas dali em diante ficam para trás e você se sente renovado. Pode ser por apenas alguns dias, algumas horas, alguns momentos, mas a dedicação por um encontro de jovem espírita é diferente de tudo o que se pode imaginar.
Neste encontro, o tema “Mediunidade” foi amplamente explorado, trazendo à tona dúvidas, tabus, mitos e verdades sobre este assunto tão próprio da doutrina espírita.
Alguns receios e medos foram o suficiente para mostrar o quanto os jovens precisam estudar mais ainda sobre este meio de comunicação entre o mundo corpóreo e espiritual.
Como todo encontro de jovem espírita, alegria, descontração e entretenimento são características que não podem faltar. Movidos pelas músicas tão bem cantadas, pelos jogos, saraus e oficinas, os participantes puderam trocar experiências que vão ser importantes e lembradas diante de todo seu crescimento futuro como ser único.
Organização, comida, banho, infraestrutura e dedicação também são componentes essenciais que fazem o encontro se tornar tão especial. Componentes estes que não faltaram na cidade sede do encontro.
Para mim, a energia de um encontro sempre me transforma. Parece que volto no tempo. E fico admirando tudo e todos. Vejo vibrarem de forma gostosa com as melodias, darem altas risadas com os fatos mais simples, e o laço de amizade se transformar. Pessoas estranhas que você nunca viu na vida, parece que se tornam seus amigos de infância, compartilhando desde o banho íntimo até o sono aconchegante.
Mas, depois de alguns poucos anos frequentando ativamente o movimento jovem, me sinto um E.T. na atualidade. Os amigos mais próximos já se foram, já são pais, se casaram ou largaram o movimento. Os novos são ótimos, daqueles que dão vontade de você sempre estar perto, mas no fundo, lá no fundo, você sabe que as coisas não são mais as mesmas.
É hora de me aposentar? – me pego perguntando. Nem sei se jovem espírita se aposenta, mas vejo que a contribuição já foi dada. Agora, é hora de buscar outros desafios, outras rotinas, outras oportunidades de ajudar e agregar“.
“E o seu coração, e o seu coração, onde está?”, vejo o jovem trabalhador Luiz Fabiano Aguiar perguntar ao bater no peito de um dos participantes meio atordoado nos corredores do dormitório à noite. Um abraço caloroso, e ele sela a conversa levando o rapaz para tomar um ar. “Eu não me sinto velho e quero trabalhar no movimento, se puder, pra sempre”, me conta Rafael Ribeiro Esteves enquanto limpava a cozinha comigo.
É em momentos como este que percebo o quanto o movimento jovem espírita é vivo e bonito. A continuidade é automática e isso só é possível porque faz bem, porque consegue transformar as pessoas da melhor maneira possível. As noites perdidas, o cansaço e todo o estresse na preparação e elaboração de um encontro são compensados.
Saindo de Cubatão, tão sozinho como fui, volto com a mala cheio de experiências. Trabalhar na cozinha nos últimos anos foi muito gratificante. Observar todos os jovens por outro ângulo, e não mais como o de participante ou de orientador do estudo, traz um aprendizado diferente.
Não acho que vivi muito deste movimento para contar ótimas histórias, mas vivi o suficiente para me sentir renovado e saindo muito melhor que quando comecei. “O que me motiva, não é só o movimento em si, mas as pessoas (jovens) que estão aqui”, me conta Felipe Gallesco, atual coordenador da FM!. Isso é o que também me faz querer estar próximo deste universo jovem até hoje. Pelo menos estar próximo já é uma grande vantagem.