Revista Espírita, agosto de 1863
O fato seguinte nos foi transmitido pelo Sr. A. Superchi, de Parma, membro honorário da Sociedade Espírita de Paris.
“Em nossa sessão de 23 de abril último, fiz o médium pôr a mão sobre o papel, sem evocar nenhum Espírito. Logo que a mão começou a se mover, ele sentiu uma força estranha que o obrigou a manter o indicador levantado e duro, numa posição absolutamente anormal. O dedo estava singularmente frio. Não me podendo dar a razão para tal originalidade, pedi a explicação ao Espírito. Respondeu: ‘Esquecido que sois! Não vos lembrais daquele que, em vida, assim escrevia? Endureci este dedo para dar uma prova de nossa autenticidade e de nosso poder.’ Era o Espírito de um irmão do médium, falecido havia há mais de vinte anos, em Florença. Ele tinha ferido o dedo ao quebrar uma garrafa, quando derramava o seu conteúdo, de tal modo que o dedo ficou anquilosado. Anexo, um desenho representando a posição da mão do médium.
“Um outro médium, despeitado por uma mistificação, aliás merecida, esforçava-se por provar que os fenômenos provinham do nosso próprio Espírito, concentrado não sei como. Um dia, conversando, tomou maquinalmente um lápis para desenhar algumas linhas, brincando, mas a mão ficou imóvel, malgrado todos os esforços para servir-se dela. Por fim, pôs-se em movimento e escreveu: ‘Quando eu não quiser, jamais poderás escrever coisa alguma.’ Surpreendido, mas ao mesmo tempo ferido no amor-próprio, retomou o lápis, dizendo que não queria escrever e que veria se esse suposto Espírito teria poder de obrigá-lo. Malgrado sua resolução, a mão moveu-se rapidamente e escreveu: ‘Quando eu quiser, não poderás deixar de escrever.’”
Nos dois casos acima, a ação do Espírito sobre os órgãos é, como se vê, inteiramente independente da vontade. Desde logo concebe-se que ela pode ocorrer espontaneamente, abstração feita de qualquer noção do Espiritismo. Com efeito, é o que provam muitas observações. Aqui ela ocorre num dedo, ali será sobre outro órgão, e poderá traduzir-se por outros efeitos. Temporária nesta circunstância, a ação poderia ter uma certa duração e apresentar uma aparência patológica, na realidade inexistente, e contra a qual seria improfícua a terapêutica ordinária.
Considerado do ponto de vista das manifestações espíritas, esse fenômeno oferece uma notável prova de identidade. O Espírito, na condição de Espírito, incontestavelmente não tem o dedo anquilosado; mas a um vidente ele se teria apresentado com tal enfermidade, para ser reconhecido; ao que não era vidente, comunica temporariamente a sua enfermidade. Ainda aqui está a prova de que o Espírito se identifica com o médium e se serve do corpo dele como se fora o seu próprio. Seja esta ação produzida por um Espírito malévolo, que adquira uma certa duração, que afete formas mais características e excêntricas, e ter-se-á a explicação da maioria dos casos de subjugação corporal, que tomam como loucura.
O fato seguinte, de natureza análoga, foi relatado por um membro da Sociedade de Paris, que o testemunhou numa cidade provinciana. Diz ele:
“Vi uma médium muito original. É uma senhora ainda moça, que pede ao seu Espírito familiar lhe paralise, por exemplo, a língua, e logo não pode falar senão à maneira de um mudo que se esforça para se fazer compreendido. A seu pedido, ele faz a mão aderir à outra, de modo que é impossível separá-las. Ele a prega numa cadeira, até que ela lhe peça para devolver-lhe a liberdade. Pedi ao Espírito que a adormecesse instantaneamente, e ele o fez: A médium adormeceu imediatamente, na primeira vez, sem auxílio de ninguém. Foi nesse estado que julguei reconhecer a natureza desse Espírito, que me pareceu obsessor, pois quando a senhora sofria, ou, ao menos, ficava muito agitada durante o sono, se eu lhe quisesse fazer uns passes magnéticos para acalmá-la, o Espírito a levava a me repelir duramente. Aconselhei à senhora a não repetir as experiências com muita frequência.”
Quanto a nós, aconselhamos abster-se totalmente, porque ele poderia pregar-lhe uma peça. É evidente que um bom Espírito não se presta a semelhantes coisas. Delas fazer um jogo é pôr-se voluntariamente sob funesta dependência, moral e fisicamente, e só Deus sabe onde isto iria parar. Poderia resultar-lhe qualquer subjugação terrível, da qual lhe seria muito difícil, senão impossível, ver-se livre. Já é bastante que tais acidentes ocorram espontaneamente, sem dar lugar a um prazer e apenas para satisfazer a uma vã curiosidade.
Tais experiências não têm qualquer utilidade para o melhoramento moral, e podem acarretar os mais graves inconvenientes. Depois, culpariam o Espiritismo, quando só deveriam acusar a imprevidência ou o orgulho dos que se julgam capazes de manejar os maus Espíritos à sua vontade. Jamais os desafiamos impunemente.
Não afirmamos que o Espírito em questão seja fundamentalmente mau. Mas o que é certo é que não pode ser adiantado, nem mesmo fundamentalmente bom, e que é sempre perigoso submeter-se a tal domínio, cujo menor inconveniente seria a neutralização do livre-arbítrio. Dando acesso aos Espíritos dessa espécie, fica-se penetrado de seus fluidos, necessariamente refratários às influências dos bons Espíritos, que se afastam, se não nos esforçamos para atraí-los, buscando no Espiritismo os meios de nos melhorarmos.
Uma vez penetrado por um fluido maléfico, o perispírito é como uma vestimenta impregnada de odor acre, que os mais deliciosos perfumes não podem fazer desaparecer.