Autor: Rogério Miguez
Visando remir faltas cometidas, encontra-se aceita e difundida, em alguns segmentos religiosos, a prática da confissão direta a Deus ou a um membro eleito da comunidade religiosa à qual se vincula aquele que se imagina pecador. Declarar o ato ou pensamento destoantes das leis de Deus a um confessor, relatar as falhas morais, normalmente muitas e esperadas em orbes de provas e expiações, acredita-se, poderia absolver o confesso, reabilitando-o moralmente perante a justiça divina. Ademais, ao cumprir recomendadas rotinas ritualísticas após a confissão, práticas estas destituídas de qualquer poder em alterar o andamento da vida, consideram-se então plenamente justificados.
Costume sedimentado desde priscas eras, ainda hoje possui uma enorme penetração nas massas, incentivando um entendimento inadequado sobre o funcionamento das leis eternas. O ato pode mesmo trazer, momentaneamente, alguma tranquilidade e paz de espírito ao penitente. Com o passar do tempo, entretanto, o arrependido estará de novo diante da realidade por hora evitada, pois se limitou a relatar e descortinar a falta sem preocupação com a verdadeira reparação de suas consequências.
A lista de possíveis condutas justificando uma confissão é imensa, tão grande quanto são as nossas imperfeições e fraquezas. Vejamos apenas algumas delas, sob a ótica dos crentes neste sacramento: preguiça; traição conjugal; roubo; pornografia; mentira; uso de drogas; maledicência; prática da homoafetividade; estelionato; cobiça; atrações sexuais proibidas em pensamento; soberba; gula; crimes de toda a ordem. Todos os deslizes, com algumas raras exceções, em princípio, poderiam ser absolvidos, considerando também no processo o arrependimento do pecador.
A visão espírita é perfeita sobre o pecado, sendo totalmente abrangente: qualquer desvio às leis de Deus, seja por atos, palavras ou pensamentos. Dentro desta justa visão, precisaríamos passar muito tempo em confissão, pois todos ainda estamos bem distantes da perfeição, sujeitos, portanto, a falhar ou a ser agentes de escândalos.
Em uma abordagem bastante simplista, nos causa dúvida, talvez mesmo surpresa e espanto, aceitar a possibilidade de nos desencaminharmos livremente, e apenas pelo ato de revelar estes desvios, tornando-os conhecidos, mesmo com sinceridade, nos encontrarmos absolvidos das consequências destas atitudes ou pensamentos.
Igualmente, há também quem entenda a aceitação de Jesus Cristo em sua vida como mais uma forma de assegurar um lugar no paraíso. Esta possibilidade, do mesmo modo, se apresenta sem sustentação diante de situações nas quais a desencarnação ocorre em crianças e jovens, e mesmo com adultos ao não optarem por esta aceitação. Tendo em vista que não tiveram a oportunidade de decidir por reconhecer o Cristo como seu salvador, em princípio inviabilizaram a salvação de suas almas. É uma questão delicada, difícil de ser explicada e assimilada em um mundo cada vez mais exigente em esclarecimentos claros e lógicos.
A confissão dos pecados ou a aceitação de Jesus em nossa existência, vistas como elementos de salvação, se tornam mais frágeis quando solicitadas no momento da morte. O indivíduo foi um criminoso, transgressor contumaz das leis civis e divinas, atentou contra a moral e a ética; agonizando, surge o religioso e propõe: “Confesse! Aceite Jesus e os seus pecados estarão perdoados!” Como entender tal proposta? Eu erro durante uma vida, reiteradamente, e ao final da mesma, amedrontado pelo desconhecimento da realidade do lado de lá, digo “sim, eu aceito o Cristo”, confesso os meus pecados e estou salvo! E os que lutaram consigo mesmos diariamente, realizaram e venceram o bom combate, viveram com ética, moralidade, disciplina, privaram-se conscientes e livremente dos prazeres mundanos, pois acreditavam ser esta a conduta adequada e esperada de um cristão, fugindo dos pecados; como ficariam? Seria justa tal lei prescrever a nulidade das faltas pelo relato diante de um religioso ou a pura e simples aceitação do Cristo?
Não basta frequentar esta ou aquela agremiação religiosa, observando com fidelidade os seus ritos e práticas. Para ser salvo e perdoado é preciso agir conforme os conceitos da caridade, mudar de conduta, viver intensa e plenamente a mensagem de Jesus. Zaqueu, rico chefe de publicanos – coletores de impostos –, ao aceitar o Messias como seu salvador, compreende acertadamente a necessidade de mudança no seu proceder, conforme se lê no Novo Testamento: “Ficando de pé, disse Zaqueu ao Senhor: Senhor, eis que dou metade dos meus bens aos pobres e, se extorqui algo de alguém, restituo em quádruplo. Disse-lhe Jesus: Hoje, houve salvação nesta casa, porque este também é filho de Abraão.” (Lucas 19: 8-9).
Há necessidade de uma transformação pessoal, sob pena de ficarmos na superfície do arrependimento, sem base de sustentação moral. É comum o novo integrante de um movimento religioso qualquer submeter-se aos ditames de seu credo, mas não se reconstruir intimamente. Atua-se dentro da casa religiosa de um modo e fora de outro, pois a simples confissão ou a aceitação do Cristo o faz sentir-se seguro; ainda não entendeu ser preciso algo mais. Dentro da Doutrina Espírita este chamamento interior, intransferível, é conhecido como reforma íntima, e representa um desafio a todos os seguidores do Espiritismo.
A propósito, existe uma prática adotada em centros espíritas, o atendimento fraterno, que pode ser vista pelos neófitos como uma relação de penitente e confessor. Contudo, jamais terá este caráter. O objetivo do atendimento se restringe a ouvir o atendido, buscando orientá-lo sob a ótica dos princípios doutrinários a como reestruturar a sua conduta de vida atual, que é responsável, no momento, pelo seu desequilíbrio, infortúnio e apreensões.
Alguns creem sinceramente na fé como elemento de absoluta salvação, e que terão apagados seus deslizes pela observância pura e simples desta nobre virtude. Entretanto, Irmão X, no livro Contos desta e doutra vida1, relata com riqueza de detalhes o caso de Macário Fagundes, religioso, rígido observador do texto frio da Bíblia e não do Espírito que vivifica. Macário, às portas do Céu, tenta adentrar o reino divino, mas é impedido por um mensageiro espiritual. Acreditava estar salvo pela fé, tinha conhecimento extraordinário do livro sagrado, mas desconsiderou a palavra do Divino Mestre, quando recomendou: “Amai-vos uns aos outros como vos amei” (João 13:34). Poderíamos acrescentar que Macário Fagundes desconsiderou, igualmente, ser a fé sem obras morta em si mesma (Tiago, 2:26).
Outra questão de suma importância é saber se há representantes na Terra autorizados a absolver pecados. A Doutrina orienta que nem mesmo Jesus teve e tem esta autoridade. Os registros nos Evangelhos sobre o perdão concedido por Jesus, se referiam ao término do resgate do pecador, ou seja, o indivíduo já tinha ressarcido a economia moral da Terra naquela existência, os débitos contraídos referentes àquele particular resgate. A propósito, nem Deus perdoa. Vulgarmente entendemos o perdão como o esquecimento da falta, sem necessidade de arcar com as consequências da falta, ou seja, a reparação. A justiça divina não pode apagar os nossos deslizes, pois mais nobre para o devedor é quitar a dívida e se sentir livre, autoperdoar-se, extinguindo o próprio sentimento de culpa, o remorso e o arrependimento. Ademais, só perdoa quem se sente ofendido, e Deus, magnânimo, jamais se ofenderia com as suas criaturas, pois a perfeição não pode recriminar o ser ainda inacabado, não perfeito, por Ele mesmo criado.
O único caminho válido para reparar as faltas foi registrado desta forma: “Acima de tudo, cultivai, com todo ardor, o amor mútuo, porque o amor cobre multidão de pecados” (1 Pedro 4:8). Todavia, não creiamos que basta distribuir uma esmola aqui outra acolá, ato puramente material do exercício do amor, importantes à sociedade necessitada, sem dúvida, entretanto, insuficientes para quitar longos débitos contraídos durante a existência ou existências anteriores. O resgate pelo amor deve ser feito proporcionalmente ao montante e duração da dívida, caso contrário, a quitação se dará pela dor.
O verdadeiro caminho, a regra de ouro, o norte moral, a diretriz segura prevista na lei de Deus é a prática irrestrita, exaustiva e continuada do amor, ou por outra, da caridade em tudo.
Não há nesta breve abordagem qualquer crítica a outras correntes religiosas, apenas analisamos fatos, com o poder de mudar a nossa vida, determinantes de como nos apresentaremos no plano espiritual, perante Deus e a nossa própria consciência.
1 XAVIER, Francisco C.Contos desta e doutra vida. Pelo Espírito Irmão X. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB Editora, 1965. cap. 8.