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A extraordinária descoberta de Franz Anton Mesmer

Autor: Paulo Henrique de Figueiredo

Mesmer foi quem criou a terapia por meio dos passes, imposições de mãos, agua magnetizada e outros meios inovadores. No entanto, sua revolucionária descoberta iria enfrentar a hostilidade e rejeição dos médicos de seu tempo. Que, por sinal, não tinham nada de ciência em seus arcaicos meios de cura. Vejamos.

Por volta de 1774, Mesmer tratava em sua casa uma senhorita de 29 anos, Esterlina. Ela por muitos anos tinha convulsões. O sangue lhe subia à cabeça provocando dores nos dentes e nas orelhas, delírios, vômitos e desmaios. Foi nesse caso que Mesmer aplicou, pela primeira vez, seu tratamento por meio de passes. Fazendo uso do método moderno de medicina, ele anotava criteriosamente a evolução quanto à intensidade e periodicidade dos sintomas. Percebeu que por sua ação, podia provocar uma crise salutar, seguida de um intervalo cada vez mais espaçado, acompanhado por um decréscimo da doença. Uma particularidade de fundamental importância ocorria com a paciente, quando se encontrava num estado de sono profundo. Mesmer podia provocar uma crise pela imposição de sua mão. Depois de compreender o mecanismo do fenômeno, passou a repetir o tratamento com sucesso em diversos internos no Hospital dos Espanhóis e em muitos de seus pacientes. Tratou de casos de hemorragias, oftalmias, hemiplegia, dentre outros. Chamou à sua casa o doutor Jan Ingenhousz (1730-1799) (fisiologista, biólogo e químico holandês), médico da imperatriz, para lhe demonstrar algumas experiências com Esterlina.

Mesmer provocava movimentos convulsivos pelo toque ou apenas apontando-lhe o dedo à distância, escondido da visão da paciente. Numa sala ao lado, separou seis taças de cristal. Ingenhousz escolheu uma e Mesmer a tocou. O médico holandês levou as taças até a moça e, sem que ela visse, aproximou-as uma a uma de seu corpo, até aproximar a que Mesmer havia tocado e ver provocadas contorções em seu corpo. Repetidas vezes alcançava o mesmo efeito. Numa outra experiência, mantendo-se oculto, Mesmer dirigia seu dedo para a doente a uma distância de oito passos, provocando as mesmas sensações, repetindo a ação sob o comando de Ingenhousz.

À medida que progredia, tendo sucesso em centenas de casos, promovendo seus registros, aprimorando sua técnica, elaborando uma base teórica baseada na física, fisiologia e medicina, a inveja e a desconfiança se ampliavam na classe médica, enquanto as curas provocavam o interesse e a procura de mais doentes. Viajou para a Suábia, Baviera e Suíça. Atuou nos hospitais em Berna e Zurique, obtendo curas que não deixavam dúvidas. Curou de uma paralisia nos membros o senhor Osterwald, diretor da Academia de Ciências de Munique. Em Viena, Zwelferine, 19 anos, cega por amaurose desde os dois anos, retomou a visão. A descoberta de Mesmer com uma nova verdade, não só para a compreensão das leis naturais, mas também para uma vida saudável para a humanidade, não foi bem recebida nas universidades da época. Às vésperas da Revolução Francesa, acatava-se passivamente a palavra dos “homens célebres”, considerados de sabedoria completa e impassíveis diante do novo. Mesmer conta sua trajetória:

A resistência obstinada que se opôs a esse método no início de seu desenvolvimento não me dissuadiu de continuar minhas observações; quanto mais eu as confirmava através de minhas anteriores conjeturas, mais eu me esforçava para conseguir o aperfeiçoamento de alguns conhecimentos físicos, retificando-os, a fim de elaborar o sistema sobre o mecanismo interno da Natureza, do qual deveria surgir um novo conhecimento sobre a conservação da saúde (MESMER, 1814, p.3).

Entre os médicos austríacos, todavia, o sucesso de seu tratamento, tanto entre a elite vienense, quanto entre o povo simples que ele acolhia, gerou inveja e ingratidão. Então ele partiu para a França, em 1778, onde inicialmente foi muito bem acolhido pelos especialistas. Com o tempo, porém:

os principais médicos da capital, iludidos pela ideia totalmente falsa de que o meu chamado segredo fosse um remédio específico que se pesa e que se vende, tentaram furtá-lo de mim com astúcia e arte. Como não tiveram sucesso, voltaram-se ostensivamente contra mim, e eu, na condição de médico estrangeiro, fui tachado com o nome desprezível de charlatão (Id., p.4).

Até mesmo relacionar-se socialmente com Mesmer foi proibido aos médicos, sob a ameaça de expulsão da sociedade! E ele assim reagiu:

Mas todas essas perseguições só fortaleceram minha vontade de redobrar minha paixão pela verdade: em vez de aproveitar o ensejo para debates inúteis, caminhei com firmeza, sem me preocupar com as provocações da inveja, na busca da aplicação de minha nova doutrina, e cada contestação era respondida com um fato incontestável (Id., Ibid.).

A teoria de Mesmer e os seus resultados práticos, confirmados por inúmeros casos de sucesso registrados pela evolução dos sintomas e a declaração de cura, se destinavam a renovar a medicina que continuava arcaica apesar das descobertas que davam surgimento à ciência moderna. Os médicos ainda adotavam a orientação medieval de Galeno, aplicando sanguessugas para retirar o sangue do paciente, considerado impuro. Provocavam-se queimaduras na pele com ácidos para furar as bolhas e retirar o líquido amarelo considerado em excesso no corpo. Fazia-se uso de remédios absurdos e em doses equivocadas, como o ópio, misturas aleatórias de substâncias, e até o estranho ‘pó de múmia egípcia’. Tudo isso fazia parte da medicina oficial.

As pessoas eram sangradas para os mais diversos problemas, como contusões, epilepsia, demência, surdez, gota, cefaleia, lumbago e até mesmo falta de fôlego ou dor de garganta. Os médicos lancetavam os braços dos pacientes ou aplicavam sanguessugas pelo corpo do paciente (veja ilustração ao lado). Galeno havia aconselhado a remoção de até 750 mililitros, mas nos séculos 18 e 19 o volume aumentou para até um litro – o equivalente a um quinto de todo o sangue normalmente presente no corpo humano. Os médicos acreditavam que esse derramamento da substância vital corrigia uma suposta superabundância de sangue no corpo, conhecida como plethora. Outros alegavam a existência de substâncias mórbidas (denominadas materia peccans) que precisavam ser retiradas do sangue para que o doente se recuperasse.

Em outras ocasiões, quando, por exemplo, o doente apresentava uma inflamação, ferida ou doença de pele num braço, o médico aplicava uma sangria no braço oposto, imaginando desviar e dissipar a concentração da materia peccans do membro enfermo. Para retirar as substâncias mórbidas de outras partes do corpo, a equivocada teoria médica propunha o uso de substâncias que provocavam artificialmente o vômito (vomitivos), laxantes, sudoríficos e diuréticos, vesicatórios – meios que favorecem a supuração, cautérios, aplicações de ácidos sobre feridas, cauterizações por meio de mocha ou ferro ardente, que queimavam até os ossos, banhos em que a água era misturada com substâncias as mais diversas em quantidades exorbitantes e muitos outros métodos, que causavam dores e sofrimentos terríveis para os doentes. Muitas vezes os médicos misturavam diversas substâncias; algumas misturas levavam até sessenta itens diferentes, pois se acreditava que, dentre tantos ingredientes, alguns deles iriam promover a cura.

“A fim de proteger minha doutrina das tramoias daqueles médicos e de seu espírito obstinado”, disse Mesmer, depois de ser recusado pelos médicos da universidade e da academia real de medicina, decidi “transmitir a indivíduos humanitários de diversas classes, porém fora do âmbito das faculdades, os conhecimentos necessários e introduzir esses mesmos ensinamentos”: Eu próprio organizei, através de pessoas devidamente autorizadas, em vinte institutos filantrópicos estabelecidos em toda a região do reino (a Sociedade da Harmonia, cuja finalidade era, através da observação de minhas normas, manter pura, em uma sociedade fechada, a doutrina que recebi). Os pacientes, levados a essas instituições pela confiança, receberam tratamento gratuito até seu restabelecimento (Id., Ibid.).

As descobertas de Mesmer foram de tal complexidade que exigiam do interessado em conhecê-las uma sólida cultura, rara em seu tempo, formada por diferentes saberes como filosofia, as ainda incipientes descobertas da fisiologia, da biologia e da química; os então recentíssimos avanços da medicina, como as teorias clínicas de Boerhaave; ciências diversas como a física de Newton e a astronomia. Tocava, enfim, em todos os ramos do saber. Assim se explica a sua extrema cautela em apresentá-las à opinião pública. Ele exigia do pretendente um interesse sincero na cura do ser humano. Seu alvo primordial era a transformação da arte de curar desde seus princípios básicos. Só assim, e com a ajuda dos seus manuscritos, é que sua ciência foi salva do esquecimento que os obstinados médicos alopatas lutavam para mantê-lo.

Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/

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