Autora: Isabel d’Andrade Marques
De onde vem a mudança que se opera no caráter numa certa idade e, especialmente, ao sair da adolescência? É o Espírito que se modifica?
Allan Kardecin “O Livro dos Espíritos”, pergunta 385
– É o Espírito que retoma a sua natureza e se mostra tal como era. (…)
Parece que ainda foi ontem que embalava o meu filho nos braços, que o amparei quando deu os primeiros passinhos trémulos, que procurava a minha mão quando tinha receio, que ouvia fascinado as histórias de dinossauros que lhe contava antes de dormir.
Parece que ainda foi ontem que a minha pequena princesa nasceu, que a sua cama estava repleta de peluches, que a roupa do seu armário exibia uma única cor repleta de vários tons de rosa salpicado de purpurinas.
Ontem quando me fui deitar posso jurar que foram as crianças que deixei a dormir serenamente depositando-lhes um beijo na testa e aconchegando-lhes a roupa para que não sentissem frio.
Hoje quando entrei nos seus quartos e os chamei para se levantarem não foi o beijo ensonado do meu filho que me recebeu enquanto passava os seus bracinhos pelo meu pescoço para me abraçar nem foi o sorriso ternurento da minha filha que me pediu se podia ir para a escola vestida de bailarina…
Sem que eu desse por isso alguém trocou o meu adorável menino durante a noite e deixou em seu lugar um rapaz que com a sua voz grossa reclamava por ter sido acordado e que por favor fechasse a janela porque o sol que por lá entrava lhe feria os olhos e lhe espantava o sono.
No quarto da minha filha estava uma jovem submersa em roupas que reclamava que não tinha nada para vestir enquanto o quarto ia ficando virado de pernas para o ar.
O que é que aconteceu?
O pensamento de uma possível troca era preocupante e porque não dizê-lo, talvez até um pouco reconfortante, mas não foi isso que aconteceu.
Apesar dos ponteiros do relógio se moverem lentamente o nosso amigo tempo não para de passar e foi ele mesmo que promoveu a mudança das nossas encantadoras crianças nos espigados e temidos adolescentes de que falamos. A Doutrina Espírita esclarece-nos que aquele bebé, que Deus colocou nos nossos braços para que o educássemos e
conduzíssemos até Ele, é um espírito milenar que, mais uma vez, entrou num corpo material. Por este motivo e não apesar da sua aparência angelical, ele – tal como nós – traz gravado no seu perispírito não só as virtudes que já conquistou nas suas inúmeras reencarnações, mas também as dificuldades de que ainda não se conseguiu desprender.
Pela misericórdia divina foi-lhe permitido entrar, mais uma vez, neste planeta-escola, o que lhe vai permitir transformar os velhos vícios em novas virtudes, se souber aproveitar a oportunidade.
A sua ligação ao novo corpo é efetuada ao longo dos primeiros 21 anos da existência, tal como nos esclarece o Benfeitor Miramez [1]: “O reajustamento definitivo só virá aos 21 anos (…) Esses 21 anos podem ser divididos em três etapas: aos 7 anos, função normal da vida mais livre, sem precisar de intercâmbios de forças com os pais; aos 14 anos, começam a aflorar os sentimentos e a luta para discipliná-los e aos 21, a razão começa a libertar-se do amparo exterior, por força da própria lei.”
E é precisamente na segunda etapa (que pusemos em negrito), que o espírito começa a revelar quem é. É por isso que é tão importante a educação que lhe foi dada pelos pais durante os primeiros anos de vida, quando ele ainda se encontrava permeável e receptivo a corrigir as más tendências que trazia consigo. É a sua verdadeira natureza que desperta com outra “roupa” embora o espírito seja o mesmo.
No jovem, ainda é possível corrigir, compensar falhas e deficiências da infância, mas quando é atingida a maioridade a tarefa de remodelação normalmente é muito mais difícil.
Se a educação não tiver sido feita no lar, então, só o processo violento das provas rudes do mundo poderá renovar-lhe o pensamento e a compreensão…
Referências
[1] – João Nunes Maia/Miramez (Espírito). “Favos de Luz”, perg.133
Revista Verdade e Luz, Portugal – O jovem na Casa Espírita