Autora: Teresinha Olivier
Carolina conversava com alguém que só ela via e ouvia.
Ela tinha 3 anos de idade quando isso começou.
Até aí, nada demais, já que é comum as crianças terem amigos invisíveis em alguma fase de sua infância.
Seus pais, a princípio, não se preocuparam, levaram em conta a fantasia infantil e que faz parte do imaginário da criança, e comentavam entre si:
– Isso passa com o tempo.
Porém, ao contrário do que se esperava, a situação foi se tornando mais complicada. A menina, à medida que o tempo passava, conversava mais com aquela que passou a chamar de tia Isabel.
Quando Laura, a mãe de Carolina, contou ao marido sobre o nome da personagem criada pela filha, ele ficou espantado:
– Tia Isabel? Que eu saiba as crianças imaginam outras crianças! Que amiguinha pode ser essa “tia Isabel”?
– Eu não sei, Geraldo, só sei que ela conversa bastante com essa “tia”.
– Mas ela já está com cinco anos e isso não passa! Será que é normal?
– Vamos aguardar mais um pouco, meu bem, antes de procurarmos ajuda. Tenho pesquisado a respeito e existem muitas crianças que conversam com amigos invisíveis durante bastante tempo e os psicólogos explicam que é normal, que não devemos incentivar, mas também não devemos desmenti-las, porque para elas o amigo é real. Conforme elas vão crescendo, vão se interessando por outras coisas e acabam se esquecendo de tudo isso.
– Espero mesmo que isso acabe porque já está me deixando nervoso.
– Calma, querido. Tenho certeza que tudo isso é uma fase passageira.
Um dia, Carolina disse:
– Mamãe, a tia Isabel estava muito triste hoje.
– Por que filha? – Perguntou, sentando-se ao lado da menina, abraçando-a carinhosamente.
– Não sei mamãe, ela não me disse. Mas ela chorou.
Laura não sabia o que fazer ou o que falar, mas precisava tomar alguma atitude, porque Carolina estava triste. Beijou-a várias vezes e disse:
– Pode ser que ela esteja triste porque está com saudades de alguém, não é, filha?
– É. Pode ser mamãe.
– Escute Carolina, você quer ir comigo comprar o presente de aniversário do papai?
Carolina abriu um sorriso.
– Quero sim, mamãe.
– Então vamos trocar de roupa.
Era o que ela podia fazer. Desviar a atenção da filha para outras coisas. Mas nem sempre dava certo.
Numa noite, foi ao quarto dar boa noite à menina, que já estava deitada.
– Boa noite, filhinha. Durma bem.
– Mamãe, a tia Isabel me falou uma coisa.
Ela sentiu um mal-estar no estômago, como acontecia ultimamente, toda vez que Carolina tocava nesse assunto. Mas, procurou manter a calma. Sentou-se na cama, passando as mãos pelos cabelos da filha.
– O que ela disse, querida?
– Ela estava chorando de novo e disse que não fez aquilo.
– Aquilo o quê?
– Não sei mamãe – respondeu tristonha.
Laura abraçou a filha com força, como que procurando passar para ela todo o seu amor, protegendo-a de qualquer perigo.
– Não se preocupe filhinha, vamos encontrar uma forma de ajudar a tia Isabel, está bem?
– Eu não quero que ela fique triste. Ela é muito boazinha e eu gosto dela.
– Tudo bem, filha. Nós vamos dar um jeito. Agora procure dormir, está bem?
– Está bem, mamãe. – Virou para o lado e fechou os olhos. Laura ficou ao seu lado, cantando baixinho, e só saiu quando percebeu que ela dormia profundamente.
Laura e Geraldo conversaram à noite sobre esses episódios, procurando uma solução, mas não sabiam o que fazer. Resolveram procurar ajuda profissional.
Um dia, numa reunião familiar, onde estava seu irmão mais velho, Geraldo começou a contar sobre o estranho comportamento da filha.
– Ela fica conversando com essa tal de tia Isabel e…
– Tia Isabel? – Interrompeu seu irmão.
– Sim. Tia Isabel. É esse o nome que ela inventou.
– E o que Carolina fala dessa tia Isabel?
– Diz que às vezes ela está triste, que chora, que diz que não fez aquilo… coisas assim, que não dá para entender.
Geraldo notou que seu irmão ficou um tanto desconcertado, mas não comentou nada. Dias depois, foi até o seu escritório, pediu uma conversa em particular.
– Rogério, eu percebi que você ficou meio perturbado quando eu citei a “tia Isabel” que minha filha inventou. Você não conseguiu disfarçar, pelos menos para mim. Você tem alguma coisa para me dizer?
Rogério ficou em silêncio por alguns momentos. Pigarreou e começou a falar:
– A diferença de idade entre nós é muito grande, por isso você não sabe de coisas da família que eu sei. Você era ainda um bebê e eu já tinha dezesseis anos quando aconteceu algo de muito grave na nossa família. A tia Isabel era a irmã mais nova da nossa mãe. Era muito bonita e o braço direito do nosso avô na empresa que ele batalhou muito para fazer crescer.
– Foi essa empresa que ele perdeu de uma hora para outra, não foi?
– Sim. Mas os detalhes dessa falência foram escondidos de você e de outros membros da família.
– Mas, por quê?
– Não sei, talvez por vergonha. Nosso avô tinha valores muito rígidos de moral e passou isso para nossa mãe. Mas a história é a seguinte: a tia Isabel se apaixonou pelo sócio do nosso avô. Ele era casado, o que foi uma grande vergonha para a família. A sociedade se desfez, mas a vergonha ficou. Tia Isabel nunca mais foi aceita da mesma forma pela família. Tanto que um dia, não aguentando o desprezo do nosso avô, que ela idolatrava, foi embora e nunca mais foi vista.
Geraldo olhava para seu irmão não acreditando que ele pudesse achar que a tia Isabel com quem Carolina conversava era a mesma tia Isabel, membro da família.
– Rogério, você não acha que…
– Calma. A história não terminou. Houve desdobramentos.
Rogério continuou:
– Havia um funcionário na empresa que amava a tia Isabel, porém ela nunca sequer permitiu que ele se aproximasse dela, não o suportava. Depois que ela foi embora, nosso avô o colocou no lugar da nossa tia, que era um cargo de grande responsabilidade e confiança. O nome dele era Antônio Ramos. Nunca me esqueci, porque ele não saía de perto do nosso avô, controlando tudo.
– Ele trabalhou por mais dois anos na empresa, tornando-se o homem de confiança. Depois de um tempo, houve um enorme desvio de dinheiro da firma e o Antônio Ramos provou com documentos que o antigo sócio, que tinha todas as informações sobre a empresa, havia engendrado um plano muito bem elaborado a fim de se apossar do dinheiro.
– E o pior, segundo ele, a tia Isabel havia participado do plano, já que tinha completo conhecimento da situação financeira da firma e acesso às contas bancárias. E completou, dizendo que os dois continuavam juntos e aproveitando de todo o dinheiro usurpado.
– Nosso avô quis usar esses documentos na justiça para incriminar aqueles que o haviam traído duplamente, e o Antônio Ramos se prontificou a tomar todas as providências, pois o nosso avô já estava muito doente e alquebrado com o desgosto que a querida filha lhe havia provocado.
– Depois de um tempo, o Antônio Ramos trouxe a notícia que tudo tinha sido infrutífero, que o seu antigo sócio e a tia Isabel tinham planejado tudo muito bem e conseguiram fraudar de forma inteligente, não sendo possível provar sua ação desonesta e muito menos salvar a empresa. Isso prejudicou ainda mais a saúde do nosso avô.
– A firma foi fechada, nosso avô entrou num estado de extrema tristeza e proibiu que se pronunciasse o nome da tia Isabel, que para ele estava morta e enterrada para sempre. Ele morreu em menos de um ano.
– O Antônio Ramos também desapareceu da nossa vida. Nossos pais morreram cedo e todo aquele drama foi caindo no esquecimento. Eu mesmo nunca mais pensei nela e só agora, toda essa história me veio à memória, assim como a figura triste da tia Isabel indo embora de casa.
Geraldo não sabia o que pensar. Ficou calado por alguns instantes, procurando coordenar as ideias.
– Rogério, por que você está relacionando todo esse drama com a fantasia da minha filha?
– Não sei meu irmão, mas quando você mencionou esses fatos, alguma coisa dentro de mim me levou a pensar na tia Isabel.
– Mas você não acha essa ideia absurda?
– Nem tanto, Geraldo. Você nunca ouviu falar de espíritos e de como eles podem ficar ligados à sua vida, à família, às situações não resolvidas?
– Pelo amor de Deus, Rogério. O que você está falando? Espíritos?
– Bem, Geraldo, o caso é que essa história toda é muito estranha e o que aconteceu com a nossa tia está bastante de acordo com o que a Carolina está contando sobre as suas visões. Eu acho que precisamos pensar pelo menos na possibilidade de ser o espírito dela querendo esclarecer alguma coisa do passado, presumindo-se que ela já tenha morrido, é claro.
– Eu não acredito que estou ouvindo isso do meu irmão mais velho, que eu sempre tive como uma pessoa inteligente e de muito discernimento!
– O que acontece, Geraldo, é que nos últimos anos, tenho estudado muito o Espiritismo e…
– Espiritismo?!
– Calma Geraldo. Nunca comentei nada justamente por causa dessa reação. Você sempre foi avesso a esses assuntos. Cuidado com o preconceito contra aquilo que você não conhece.
Conversaram por um bom tempo. Rogério procurou explicar ao seu irmão sobre a situação dos espíritos depois da morte do corpo, principalmente nos casos em que ficam perturbados devido a situações mal resolvidas.
– O que me parece é que a tia Isabel está sofrendo no mundo espiritual e não vai conseguir encontrar alguma paz enquanto algumas coisas não ficarem esclarecidas. Mas, precisamos ter alguma comprovação de que seja ela mesma. Eu tenho uma caixa com muitas fotos antigas da família que a nossa mãe deixou comigo. Vou ver se tem alguma da tia Isabel. Se eu encontrar, levo a sua casa à noite para você mostrar para a Carolina, está bem?
Geraldo concordou, mas continuava a achar tudo aquilo muito esquisito. Principalmente essa ideia maluca do seu irmão de achar que Carolina estava vendo e conversando com uma tia que nem ele mesmo conheceu.
À noite, Rogério chamou-o em particular e disse:
– Geraldo, para termos certeza mesmo, mostre a foto para sua filha, mas não diga de quem se trata, somente pergunte se ela conhece essa pessoa.
Nesse momento, Carolina e sua mãe entram na sala onde os dois irmãos conversavam. Enquanto Rogério cumprimentava sua cunhada, Carolina viu a foto em cima da mesa e, curiosa, pegou-a sem que ninguém percebesse. Ficou olhando e, sorrindo exclamou:
– Olha, mamãe, é a tia Isabel!
Os três, extáticos, ficaram olhando para Carolina sem saber o que dizer. Foi Rogério quem quebrou o silêncio:
– Pois é, meu irmão, parece que não podemos duvidar mais, não é mesmo?
Conversaram até tarde e chegaram à conclusão que teriam que investigar os acontecimentos passados. Rogério sugeriu:
– Vou pesquisar o paradeiro do antigo sócio do nosso avô. Assim que tiver alguma informação, eu ligo para vocês.
Poucos dias depois, Rogério ligou:
– Geraldo descobri o endereço dele. Posso passar aí para te pegar?
– É claro Rogério. Não vejo a hora de esclarecer tudo!
Não foi difícil encontrar o local. O que os dois irmãos estranharam é que a casa era bastante humilde e ficava num bairro pobre da cidade.
Tocaram a campainha e uma senhora de idade avançada os atendeu. Disseram o nome da pessoa que procuravam e ela perguntou o motivo da visita. Rogério adiantou-se, procurando ter muito tato. Era uma situação delicada.
– Ele foi sócio do nosso avô há muitos anos e gostaríamos de conversar sobre assuntos da família. Talvez ele possa nos esclarecer algumas coisas.
– Entrem, por favor – disse a mulher com delicadeza.
Entraram e acomodaram-se num velho sofá.
– Meu irmão morreu há cinco anos. Viveu comigo os últimos anos de sua vida porque estava sozinho e doente – disse a mulher.
– A senhora sabe alguma coisa sobre a Isabel? Parece que eles tiveram um relacionamento – perguntou Rogério.
– Sim, é verdade, porém, quando ele desfez a sociedade com seu avô, ela não quis mais saber dele. Apesar de se amarem muito, ela sumiu da vida dele porque, segundo ela, seu pai já havia sido muito magoado por causa desse amor. Meu irmão era casado, mas muito infeliz com a esposa. Quando ele ficou gravemente doente, ela o abandonou. Ele ficou sozinho e sem nenhum recurso financeiro. Por isso eu o trouxe para minha casa.
– Mas, quando ele saiu da sociedade, não saiu com recursos financeiros? – Arriscou Rogério.
– Não, ele saiu sem nada. Ele me contou que o seu avô o expulsou por causa do relacionamento dos dois e ele não quis reivindicar nada, por vergonha. Ele gostava muito do seu avô. Eram muito amigos. Aliás, a minha cunhada o maltratava e o injuriava por ter saído da sociedade sem exigir seus direitos.
– E quanto à Isabel? A senhora sabe de alguma coisa?
– O que fiquei sabendo alguns anos atrás é que ela morreu sozinha, num pequeno apartamento alugado.
Os dois saíram da casa em silêncio. Só à noite, na casa de Geraldo é que conversaram.
– Eu não entendo Rogério. Se ele pegou o dinheiro da empresa…
– Sabe o que vamos fazer agora? Vamos procurar o senhor Antônio Ramos. Algo me diz que ele sabe de alguma coisa.
– Mas você sabe onde procurá-lo, Rogério?
– Ora irmão, hoje em dia é fácil.
Três dias depois estavam rumando para o endereço que Rogério havia conseguido.
Ficaram surpreendidos com o luxo da mansão. O empregado que os atendeu disse que o patrão estava na empresa e deu-lhes o endereço, depois de Rogério lhe dizer que eram parentes dele que moravam no interior.
A empresa era realmente grande. Muitos empregados. Pediram para falar com o patrão e, depois de esperarem quase meia hora, foram encaminhados a um escritório muito luxuoso. Quem os atendeu foi um jovem de uns vinte e oito anos.
– Pois não, em que posso ajudá-los?
– O senhor é o Antônio Ramos? – Rogério perguntou espantado.
– Sim, sou Antônio Ramos Filho.
Os dois não sabiam o que falar. Será que haviam se enganado?
Rogério começou a falar com cuidado:
– Estamos procurando o senhor Antônio Ramos que foi um funcionário de confiança do nosso avô, na empresa…
– Ah! Sim. Meu pai sempre me dizia que trabalhou nessa empresa e que gostava muito do seu avô. Aliás, ele foi muito generoso com o meu pai. Quando fechou a empresa, devido ao seu estado de saúde precário, a firma estava muito bem e ele beneficiou o meu pai com uma quantia bastante generosa, com a qual ele conseguiu montar esta empresa.
– E onde está seu pai?
– Ele morreu há dois anos. Infelizmente, não pode usufruir de tudo isto porque viveu gravemente doente durante os últimos vinte anos de sua vida.
No carro, de volta para casa, os dois irmãos conversavam:
– Pelo que podemos entender Geraldo, foi o Antônio Ramos que manipulou tudo para ficar com o dinheiro do nosso avô e conseguiu colocar a culpa no sócio e na tia Isabel.
– É. Tudo indica que foi isso mesmo que aconteceu. E o que podemos fazer Rogério?
– Com relação ao dinheiro, nada. O culpado está morto e o filho não tem nada a ver com tudo isso. E também não temos como provar nada. Mas com relação à tia Isabel…
– O que podemos fazer por ela, Rogério?
– Podemos orar por ela e por nosso avô para que ele entenda o que realmente aconteceu. Ele deve estar com a mente fixa na culpa dela por todos estes anos, mas através das nossas orações, acho que ele poderá aclarar suas ideias. E também vou pedir ajuda para eles no centro espírita que frequento.
– E você acha que isso ajuda?
– Acho sim, meu irmão, acho sim.
Um tempo depois, numa noite, depois de colocar Carolina na cama, Geraldo e a esposa conversavam sobre os acontecimentos, quando a filha entrou na sala, sonolenta, esfregando os olhos, e disse, para grande surpresa dos pais:
– Papai, mamãe, a tia Isabel está feliz. Ela disse muito obrigada!
E voltou para a cama.
Geraldo e Laura ficaram sentados no sofá da sala, em silêncio. Mas seus corações irradiavam sentimentos de muita ternura pela tia Isabel.