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A ovelha branca

Autor: Rogério Miguez

Alcançamos a condição de humanidade há muitos anos atrás, diz a nossa Antropologia. O registro mais antigo do Homo sapiens é um crânio de 200 mil anos encontrado na Etiópia. Estamos em constante evolução, no passado vivíamos em grupos, visando melhor nos defender das ameaças da natureza e juntos obter o alimento para o sustento do corpo.

Com o passar do tempo, função de experiências particulares, fomos nos concentrando em torno de apenas alguns elementos, realizando reencarnações cada vez mais próximas aos que dividiram vivências antigas conosco. Com a continuidade deste processo, naturalmente, as pequenas famílias foram sendo estruturadas em substituição aos imensos grupamentos nômades, dos quais fizemos parte em muitas existências.

Família: grupo reduzido de Espíritos, seja por afinidades ou experiências de passado, formando a estrutura básica criada por Deus para nos conduzir a perfeição. De modo geral, são reunidos regularmente poucos Espíritos, trocando posições dentro do seio familiar, para juntos realizarem novas vivências comuns visando o aprimoramento mútuo.

Estabelecem os estatutos divinos sejam as famílias basicamente formadas por Espíritos “velhos conhecidos”, ou seja, já se relacionaram em vidas passadas, caso contrário, seria impossível trabalhar as questões pessoais a nos cercar se estivéssemos em cada nova vida em um novo grupo de Espíritos totalmente desconhecidos. Como iríamos resolver as diferenças e aproximar mais ainda as afinidades positivas desenvolvidas no passado?

O Deus único, sempre visando a nossa evolução, determina estejam permutando as posições em família aqueles mesmos Espíritos que por força de suas antigas relações necessitam aprimorar-se mutuamente, em princípio, uns ajudando os outros. Desta forma, ora o Espírito reencarna como pai (mãe), ora como irmão (a), neto (a), bisneto (a), e assim por diante.

Eventualmente, permite a Divindade que Espíritos retrógrados, sabidamente rebeldes às Suas leis, reencarnem em grupamentos de Espíritos mais evoluídos. Desta forma, através dos exemplos fornecidos pelos mais adiantados, os primeiros possam se contagiar e quem sabe mudar seu modo de pensar e agir. Estes Espíritos indóceis e insubmissos à prática moral são comumente conhecidos como a Ovelha Negra da família. Allan Kardec registrou esta possibilidade em O livro dos espíritos1:

  1. Por que é que de pais bons e virtuosos nascem filhos de natureza perversa? Por outra: por que é que as boas qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom Espírito para lhes animar o filho?

“Não é raro que um mau Espírito peça lhe sejam dados bons pais, na esperança de que seus conselhos o encaminhem por melhor senda e muitas vezes Deus lhe concede o que deseja.”

Estes Espíritos de comportamento bravio e aparentemente “indomáveis” se mostram avessos a qualquer iniciativa de ordem, disciplina, ética, moral, brandura, misericórdia, perdão, entre tantos outros bons exemplos comunicados pelos pais a seus filhos, mas, pela continuidade neste padrão de vida apresentado pelos genitores, espera-se, pouco a pouco, se “contaminem” com estas atitudes positivas, e gradativamente substituam condutas antigas por novas concepções de vida, progredindo, visto estarem estacionários repetindo provas e passando por novas expiações, fruto de suas condutas desalinhadas com o reto caminho traçado por Deus.

Este mecanismo de congraçar Espíritos bons, nobres, embora ainda não perfeitos, com um Espírito atrasado em suas lições de vida, demonstra inequivocamente a misericórdia da Eterna Bondade, providência registrada há 2000 anos por Jesus quando afirmou: “Nenhuma ovelha do Pai se perderá”, visão lúcida e amorosa da criação, ainda mais se considerando uma Ovelha Negra.

Por outro lado, os mais adiantados não perdem de vista os retardatários, pois os amam, e não conseguirão avançar mais e mais em sabedoria e amor, sabendo estarem lá atrás, em lamentos e ranger de dentes, àqueles mesmos queridos amigos e amigas de outras existências perdidos nos emaranhados de caminhos e atalhos, sem saber de fato qual optar por seguir, se mantendo prisioneiros de suas próprias indecisões, recapitulando lições após lições, sem lograrem êxito nos desafios sempre propostos pela vida.

Os de maior progresso, Espíritos que já conseguem vislumbrar os aspectos positivos dos desafios, obtiveram êxito em difíceis situações, enxergam com maior lucidez espiritual os percalços da vida, portanto, aptos estão a ensinar os tíbios e vacilantes, a cair nas estradas tortuosas da existência, escolhas feitas por moto próprio, sem jamais existir qualquer destinação para o erro ou o desacerto.

Estes abnegados Espíritos, não medem esforços em ajudar os que ainda se encontram nas fileiras atrasadas da evolução, são elementos previstos na lei de Deus, e, contrariamente àqueles retrógados, poderiam ser conhecidos por: Ovelhas Brancas.

Nada mais natural nos mecanismos divinos promovendo a evolução dos Espíritos do que prever a ajuda de bons Espíritos a outro renitente na prática do mal, e de prever também a possibilidade de um bom Espírito tentar ajudar grupo de Espíritos atrasados que lhe são afins.

Pode-se citar um caso clássico conhecido de uma Ovelha Branca: No livro Renúncia2, de Emmanuel, em uma narrativa de caso verdadeiro, o autor menciona como o nome da obra indica: a abnegação, altruísmo, dedicação, sacrifício, em suma amor, vivenciados pelo Espírito Alcíone, habitante de Sírios, voltando a Terra, após obter autorização para retornar de regiões adiantadas, para ajudar Espíritos simpáticos, mantidos na retaguarda, mas que jamais lhe saíram do pensamento e das preocupações.

Cabe ressaltar nesta volta, Astenio, Espírito de maior envergadura moral foi enfático em lembrar sobre: o esquecimento temporário enquanto novamente reencarnada na Terra; os apelos do corpo material se fariam de novo presentes; novas tentações seriam vivenciadas por ela, nesta empreitada a Terra, entre tantas outras dificuldades, entretanto, Alcíone se mostrou resoluta e determinada, queria de qualquer modo retornar aos seus amados da retaguarda.

Estes são os opostos, Ovelha Negra e Ovelha Branca, ambos atendendo o imperativo da evolução, esta última uma das poucas fatalidades nas leis eternas.

Referências:

1 Kardec, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Comemorativa do Sesquicentenário. Rio de Janeiro: FEB, 2007.

2 XAVIER, Francisco Cândido. Renúncia. Pelo Espírito Emmanuel. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1965.

Juventude Espírita 15/02/2019

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