Autor: André Luiz Alves Jr.
O sentimento de revolta em decorrência da taxa crescente da criminalidade, a impunidade e a sensação de vulnerabilidade alimentam o desejo de vingança. Cansados de esperar uma resposta do Estado, a população, erroneamente, tem procurado fazer justiça com as próprias mãos. Observamos nos últimos meses cenas desoladoras de linchamento. Parece que retrocedemos à época da lei de talião, deixando transparecer a animalidade da natureza humana.
Provavelmente, uma parcela significativa da população já cogitou a ideia de instalação da pena capital no Brasil. Sempre que os noticiários divulgam aqueles crimes hediondos que chocam a opinião pública, com um requinte de sensacionalismo, o assunto “pena de morte” é relembrado. A opinião se agrava quando deixamos o posto de espectador e assumimos o papel de vítima.
Alguns dados
Atualmente, cerca de 90 países adotam a pena extrema, o que não significa que a aplicam na prática. Há uma tendência de erradicação da pena capital no mundo todo. Algumas nações estão revendo suas legislações, enquanto outras já aboliram a pena de morte de seu sistema judiciário. Por outro lado, o número de execuções tem crescido entre as que insistem em mantê-la.
Um dos países que ainda investem na pena capital são os Estados Unidos. A condenação máxima é utilizada em 32 dos 50 estados que constituem essa nação. Os americanos favoráveis à pena de morte ainda são a maioria, mas o índice de aprovação caiu nos últimos 20 anos. De acordo com o instituto Gallup, no ano de 1994, 80% dos cidadãos norte-americanos se declaravam a favor da pena de morte em casos de homicídio e apenas 16% se opunham à sua aplicação. No ano passado, os percentuais eram de 60% e 35%, respectivamente.
No Brasil ocorre o contrário: uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional das Indústrias em 2011 demonstrou que 31% dos brasileiros defendem integralmente a pena de morte e outros 15% em apenas alguns casos. Entretanto, 51% dos brasileiros são favoráveis à prisão perpétua.
Em 2013 foram executadas 778 pessoas em 22 nações. Ainda no mesmo ano, foram estabelecidas, ao menos, 1.925 novas sentenças de morte em 57 países e cerca de 23.392 pessoas encontravam-se no corredor da morte.
A maioria das execuções ocorreu na China, Irã, Iraque, Arábia Saudita, EUA e Somália, nessa ordem. Estima-se que o número pode ser bem maior, pois os países que vivem sob o regime ditatorial não costumam divulgar seus dados. (1)
A pena de morte reduz a criminalidade?
Alguns estudos apontam que a pena de morte é ineficaz no combate à criminalidade. O índice de crimes nos estados americanos que adotam a pena de morte é 1% maior, se comparado com os estados abolicionistas. No Canadá ela deixou de existir em 1975 e de lá pra cá os delitos decaíram 44%. Os criminosos não deixam de cometer o dolo pensando na possível pena que lhe poderá ser infringida.
Outro importante aspecto a analisar é a possibilidade do erro de sentença. Nenhuma nação que adota a pena de morte está isenta de cometer uma injustiça. Existem vários casos de comprovação de inocência do condenado após a sua execução.
Uma pesquisa divulgada em abril de 2014 demonstra que 4% dos condenados à morte nos Estados Unidos eram pessoas inocentes. Esse estudo avaliou os casos de réus que estavam no corredor da morte entre os anos de 1973 e 2004 e conseguiram provar a inocência antes da execução. A mesma pesquisa constatou que uma em cada 25 sentenças de morte estava errada, ou seja, o acusado não tinha culpa.
É importante lembrar que a pena de morte é uma sentença definitiva. Não há como o Estado devolver a vida do executado quando se comprova a inocência após a aplicação do castigo. Se essas injustiças acontecem em países desenvolvidos, o que pensar do Brasil?
Alguns defendem que a pena de morte é cruel e desumana. Recentemente, também nos Estados Unidos, um sentenciado agonizou por cerca de 30 minutos até morrer, depois de receber uma injeção letal malsucedida. Outro caso conhecido foi a execução desastrada de um prisioneiro na cadeira elétrica. O réu suspirou várias vezes com a cabeça em chamas antes de receber a descarga fatal.
Além de tudo, os mecanismos de execução são onerosos para o Estado. Na Califórnia, as execuções anuais não saem por menos de US$ 137 milhões. Estima-se que a substituição da pena capital pela prisão perpétua custaria aos cofres públicos apenas US$ 11,5 milhões, uma economia de 70%.
Pena de morte no Brasil
O que pouca gente sabe é que no Brasil existe a pena de morte instaurada e assegurada pela Constituição Federal vigente. É o que diz o art. 5º, inciso XLVII: Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84 […]
Sim, a pena de morte existe no Brasil, em tempos de guerra. Além da Constituição Federal, ela é regulamentada pelo Código Militar Penal, que pune seus combatentes em casos de traição, genocídio e deserção durante a guerra. Vale ressaltar que a pena capital somente será aplicada em casos extremos. A execução acontece por fuzilamento.
A pena de morte aplicada à sociedade civil deixou de existir oficialmente em nosso país desde a Proclamação da República em 1889, todavia a última execução aconteceu alguns anos antes, em 1876, e foi aplicada a um escravo de nome Francisco, no estado de Alagoas.
Atualmente o Brasil é membro do Protocolo da Convenção Americana de Direitos Humanos para a Abolição da Pena de Morte. Segundo as leis internacionais, a aplicação da pena capital em casos de guerra é aceitável, como acontece no Brasil.
Controvérsias
Há quem defenda com entusiasmo a extensão da pena de morte à sociedade civil brasileira, contudo é necessário observar que, do ponto de vista jurídico, ela é inaplicável.
A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º prevê:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]
O direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade é um preceito constitucional, que se sobrepõe aos outros.
Indubitavelmente, o maior de todos os direitos e que, por si só, permite a garantia dos outros é o direito à vida. Entende-se, portanto, que a pena de morte no Brasil, se implantada por lei, seria inconstitucional, salvo o caso previsto e já comentado (durante guerra declarada).
A grande questão é que o artigo 5º da Constituição Federal é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode sofrer alteração, nem mesmo por emenda constitucional. Alguns juristas defendem, assim, que para instaurar a pena de morte no Brasil seria necessário convocar uma Assembleia Constituinte (colegiado responsável por elaborar e revisar a constituição). Outros estudiosos do assunto alegam, no entanto, que nem mesmo uma Assembleia Constituinte poderia trazer de volta as situações já extintas por outras Constituições Federais, como é o caso da pena extrema, pois seria um retrocesso na conquista de direitos sociais.
A pena capital para o Espiritismo
A pena de morte é uma violação das Leis Divinas. É faltar com a caridade e com o perdão. Recordemo-nos de Moisés no Monte Sinai, o qual, inspirado pelo alto, colocou na pedra os dez mandamentos (a primeira revelação divina), dos quais um diz: “Não matarás”.
O direito à vida é a maior dádiva que o Espírito pode receber da Providência Divina, pois constitui oportunidade para seu progresso moral e intelectual, mas o ser humano, na sua imperfeição, deseja sobrepor-se ao Criador, instituindo leis que atentam contra a própria vida.
Ninguém tem o direito, em caso algum, de extrair a vida de seu semelhante.
As leis humanas só serão perfeitas quando estiverem alicerçadas nas leis Divinas; se uma das recomendações das leis de Deus é “Não matarás”, certamente a lei dos homens estaria divergindo das leis naturais, se admitisse a pena capital.
Um verdadeiro cristão jamais deve alimentar o desejo da aplicação da pena de morte, tampouco buscar a justiça pelas próprias mãos.
Busquemos lucidez em “O Livro dos Espíritos”:
760. A pena de morte desaparecerá um dia da legislação humana?
A pena de morte desaparecerá incontestavelmente e sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens forem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida da Terra. Os homens não terão mais necessidade de ser julgados pelos homens. Falo de uma época que ainda está muito longe de vós.
761. A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar a sua própria vida; não aplica ele esse direito quando elimina da sociedade um membro perigoso?
Há outros meios de se preservar do perigo, sem matar. É necessário, aliás, abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.
A pena de morte é, pois, o reflexo de nossas imperfeições e evidencia nossas limitações morais. Chegará o tempo em que não necessitaremos mais da justiça dos homens, pois prevalecerão o amor, a caridade, o perdão e, sobretudo, a justiça. E nessa ocasião não haverá espaço para a violência.
É evidente que o criminoso não deverá permanecer impune. Ele deve ser isolado da sociedade para proteger a vida dos homens de bem e para que o delinquente não se torne reincidente, até mesmo porque nenhum Espírito conserva-se eternamente mau. Mas ceifar-lhe a vida é negar-lhe a oportunidade de arrependimento e corrigenda, como nos alertam os Espíritos superiores:
[…] “Devem amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, para as quais, desde que se arrependam, serão concedidos o perdão e a misericórdia, como para vós mesmos, pelas faltas que cometeis contra a sua lei. Pensai que sois mais repreensíveis, mais culpados que aqueles aos quais recusais o perdão e a comiseração, porque eles quase sempre não conhecem a Deus, como o conheceis, e lhes será pedido menos do que a vós. […]
[…] “Amai-vos, pois, como os filhos de um mesmo pai; não façais diferenças entre vós e os infelizes, porque Deus deseja que todos sejam iguais; não desprezeis a ninguém. Deus permite que os grandes criminosos estejam entre vós, para vos servirem de ensinamento. […] Não deveis dizer de um criminoso: ‘É um miserável; deve ser extirpado da Terra; a morte que se lhe inflige é muito branda para uma criatura dessa espécie’. Não, não é assim que deveis falar! Pensai no vosso modelo, que é Jesus. Que diria ele, se visse esse infeliz ao seu lado? Havia de lastimá-lo, considerá-lo como um doente muito necessitado, e lhe estenderia a mão. Não podeis, na verdade, fazer o mesmo, mas pelo menos podeis orar por ele, dar-lhe assistência espiritual durante os instantes que ainda deve permanecer na Terra. O arrependimento pode tocar-lhe o coração, se orardes com fé. É vosso próximo, como o melhor dentre os homens. Sua alma, transviada e revoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar. Ajudai-o, pois, a sair do lamaçal, e orai por ele.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XI – Caridade para com os criminosos.)
A execução em momento nenhum livra-nos do problema. O Espírito delituoso apenas abandona a vestimenta carnal, às vezes em estado de revolta, sendo necessário retornar ao plano físico para reparar o erro cometido e poderá tropeçar no mesmo obstáculo.
“Matar criminosos não resolve: eles não morrem. Os seus corpos descerão à sepultura, mas eles, Espíritos Imortais, seguirão vivos e ativos, pesando negativamente no ar que respiramos. E muitos poderão voltar piores do que foram.” (Revista Reformador – FEB – Edição de Outubro de 1981.)
É necessário tratar o problema em sua origem. A criminalidade decorre de questões espirituais e sociais da mais alta complexidade. Pela perspectiva espiritual, a mudança constitui um processo lento, mas inevitável. É necessário amparar nossos irmãos que ainda se acham na ignorância, proporcionando-lhes oportunidade de regeneração. Orientar, perdoar e amar, essas são as recomendações.
Já as questões sociais permeiam as necessidades básicas de cidadania, como condições de igualdade, acesso à informação e à educação, saúde, segurança, moradia, saneamento básico, lazer e sobretudo a preservação da dignidade humana. Muitas vezes o Estado falha na garantia desses princípios e, quando a situação foge do controle, criam-se mecanismos imediatistas e ineficientes como a pena de morte.
O problema é de todos nós. Não nos cabe julgar ou punir. Na falha da lei dos homens, deixemos que a Providência Divina se encarregue dos reajustes.
Pena de morte, não!
(1) Os dados citados são da Anistia Internacional e referem-se a 2013.
O consolador – Ano 8 – N 386