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A proibição de Moisés

Autor: Irmão X (espírito)

Conta-se que, no deserto, ao tempo de Moisés, grandes sábios da espiritualidade estudaram os recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte, aprendendo, pouco, a se aprimorarem, de acordo com a lei divina. Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades superiores, intercambio natural se faria entre os vivos do planeta e os vivos do Além, religando-se a terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo reajustamento espiritual de seus filhos.

Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência.

Organizaram-se os primórdios do serviço.

Necessitavam, para começar, de um organismo feminino, suficientemente passivo, que atendesse na qualidade de medianeiro, entre os dois mundos. Ouviria ela os Espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade precisa, colocada num campo de vibrações delicadas entre ambas as esferas, iniciando-se dessa forma, o arrojado experimento.

O assunto era novo e interessaria a milhões de seres. Em razão disso, a mulher instrumento exibiria trajes despistadores para não provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes. Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir novos caminhos à mente do povo escolhido.

Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo, manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou sanguessuga dos vivos.

Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições estabelecidas, encetou-se o trabalho.

Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes. Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único; entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam. E o Testamento do Céu seria glorificado.

Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.

As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.

Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam efetivamente e que aquela organização se constituía de balsamo e verdade, o ministério assumiu características inquietantes.

Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas, espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.

Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.

A pitonisa, que se dedicara ao experimento com sincero otimismo, viu-se, de um instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de vagas enfurecidas. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistiu, corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu, se bem que anormalmente.

O povo, ao qual se destinavam as benções do intercâmbio com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto à natureza da luz que visitava o Sinai e muito menos aceitava diretrizes edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos, conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos. Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glorias exteriores; transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.

E a tarefa prosseguiu.

Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento das realizações elevadas que lhes competiam.

O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto embaixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude. Ninguém procurava trabalhar, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno litigioso, provocando malquerenças e desentendimentos sem-fim.

Tantas lutas estéreis foram acessas, que os Missionários de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita, cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.

Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram deploráveis semeaduras de ódio, desanimo e desesperação.

O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua gente, escreveu então as celebres palavras do capítulo XVIII, do Deuteronômio, situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.

E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor, conversando com o Espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos

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