Autor: Irmão X (espírito)
Quando Anésio Fraga deixou o corpo físico, ele, que fora sempre considerado puro entre os homens, atingiu a Fronteira do Mundo Espiritual à semelhança de um lírio, tal a brancura de sua bela vestimenta.
Pretendia viver nas Esferas Superiores, respirar o clima dos anjos, alçar-se às estrelas e comungar a presença do Cristo – explicou ao agente espiritual que atendia ao policiamento da passagem para os excelsos Planos da Espiritualidade.
O zeloso funcionário, contudo, embora demonstrasse profundo respeito para com a sua apresentação, submeteu-o a longo teste, findo o qual, não obstante desapontado, explicou que lhe não seria possível avançar.
Faltavam-lhe requisitos para maior ascensão.
– Eu? eu? – gaguejou Anésio, aflito. – Como pode ser isso? Fui na Terra um homem que observou todas as regras do Santo Caminho.
– Apesar de tudo… – falou o fiscal, reticencioso.
– Não me conformo, não me conformo! – reclamou o candidato à glória divina.
E sacando do bolso uma lista, exclamou agastado:
– Pensando na hipótese de alguma desconsideração, resumi em dez itens o meu procedimento irrepreensível no mundo.
E leu para o benfeitor calmo e atento:
– Respeitei todas as religiões.
– Cultivei o dom da prece.
– Acreditei no poder da caridade.
– Nunca aborreci os meus semelhantes.
– Confiei sempre no melhor.
– Calei toda palavra ofensiva ou desrespeitosa.
– Calculei todos os meus passos.
– Jamais procurei os defeitos do próximo.
– Evitei o contacto com todas as pessoas viciadas.
– Vivi em minha casa preocupado em não ser percalço na estrada alheia.
O mordomo da Grande Porta, no entanto, sorriu e comentou:
– Fraga, você leu as afirmações, esquecendo as demonstrações.
– Como assim?
O amigo paciente apanhou uma ficha e esclareceu que o Plano Espiritual possuía também apontamentos para confronto e solicitou-lhe a releitura da lista.
Principiou Anésio:
– Respeitei todas as religiões…
E o examinador acentuou, conferindo as anotações:
– Mas não serviu a nenhuma.
– Cultivei o dom da prece…
– Somente em seu próprio favor.
– Acreditei no poder da caridade…
– Todavia, não a praticou.
– Nunca aborreci os meus semelhantes…
– Entretanto, não auxiliou a quem quer que fosse.
– Confiei sempre no melhor…
– Mas apenas em seu benefício.
– Calei toda palavra ofensiva ou desrespeitosa…
– Não se lembrou, porém, de falar aquelas que pudessem amparar os necessitados de consolo e esperança.
– Calculei todos os meus passos…
– Para não ser molestado.
– Jamais procurei os defeitos do próximo… – Contudo, não lhe aproveitou os bons exemplos.
– Evitei o contacto com todas as pessoas viciadas…
– Atendendo ao comodismo.
– Vivi em minha casa preocupado em não ser percalço na estrada alheia…
– Simplesmente para não ser chamado a tarefas de auxílio…
Anésio, desencantado, silenciou, mas o benfeitor esclareceu, sem afetação:
– Meu amigo, meu amigo! não basta fugir ao mal. É preciso fazer o bem. Você movimenta-se em branco, veste-se em branco, calça em branco e brilha em branco, mas a sua existência na Terra passou igualmente em branco… Volte e viva!
Angustiado, Anésio perdeu o próprio equilíbrio e rolou da Altura na direção da Terra…
Nota
O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/contos-desta-e-doutra-vida