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A questão é de conceito e não de preconceito

Autor: Rogério Miguez

A conduta religiosa primitiva surgiu naturalmente no seio da humanidade, como uma forma salutar e segura de se ligar o homem a Deus. A centelha divina cumpriu o seu papel de fazer florescer no íntimo dos Espíritos esta busca instintiva e incessante pelo próprio Criador. A História até o momento não registrou qualquer civilização ou cultura que não tivesse apresentado uma vertente de prática nesta direção.

Na medida do desenvolvimento e do aperfeiçoamento do homem, ganhando experiências e conhecimentos, tornando a vida mais elaborada e complexa, este foi também modificando aquelas práticas rudimentares naturais e quase intuitivas, por rotinas mais sofisticadas, criando aqui e ali procedimentos formais para promover esta reaproximação com Deus.

Uns ingênuos, outros maldosos, alguns mesmo sinceros, com o passar do tempo, criaram estruturas elaboradas para aprisionar o homem em sua crença, fazendo-o crer ser a sofisticação e a complexidade das práticas formas de melhor agradar a Deus, superando a simples postura de adoração natural tão benéfica, exercitada em passado longínquo.

Quando Jesus reencarna na Terra, certamente Ele encarnou muitas vezes em outros mundos, talvez até outras vezes no nosso próprio mundo, como sugere Carlos Torres Pastorino1, de modo simples, direto e de forma cristalina, fez recuperar aquele sentimento nato em todos nós da existência do Deus Amor, ensinando e exemplificando sobre a impossibilidade da divindade se deixar influenciar por práticas religiosas esdrúxulas e complicadas, orientando também não ser possível a supremacia da forma sobre o fundo.

Entretanto, a humanidade, avançando ainda, foi criando mais e mais formalismos religiosos, esquecendo pouco a pouco a singeleza do Mestre, cultuando o Deus Ouro e a Deusa Prata, até o momento de apresentar o conceito, segundo alguns, da existência de um intermediário vivo na Terra entre os homens e Deus, se renovando ciclicamente, para guiar as Suas criaturas, talvez o ápice do afastamento da lei natural de adoração.

O século XIX se apresentou radiante e esperançoso, antes daquele tão aguardado e temido como o do fim dos tempos, o século XX, este profetizado como último, evidentemente não o foi, senão aqui não estaríamos, e Deus permite agora se apresente, de modo a nos prepararmos melhor em entendimento e prática, outra proposta de religação entre criatura e Criador, contudo, para ficar conosco eternamente, sem um autor, sem personificação, um conjunto de ideias abrangente sem possuir um “dono”: A Doutrina dos Espíritos.

E o Espiritismo se materializa como uma proposta pura, sem máculas, sem formalismos, sem dogmas, sem subterfúgios, sem privilegiados, em uma clara tentativa de recuperar mais uma vez, agora de forma definitiva, aquela religiosidade primitiva única a agradar a Deus, da qual nos afastamos deliberadamente e paulatinamente sobremaneira.

Entretanto, apesar desta nova dádiva de Deus, é constante a intromissão daqueles desejosos do antigo domínio sobre as mentes pelo maravilhoso, insistindo em sugerir rotinas estranhas e sem qualquer fundamento, em uma tentativa clara de conquistar pelas aparências e não pelos sentimentos a humanidade tão carente de simplicidade, cansada de tanta pompa e desvios de toda a ordem nos Templos dos tempos modernos.

Religiosos de diversas correntes: uns ingênuos, outros maldosos, alguns mesmo sinceros, obstinam-se em propor novidades a esta última revelação de Deus, repetindo a antiga e surrada tentativa de recuperar os formalismos que tanto nos agradaram e deslumbraram no passado, mas hoje, muitos de nós já os superamos plenamente, qual seja a necessidade de se deixar fascinar pelo exterior em detrimento do interior.

Ao proporem as suas práticas ultrapassadas, sementes falsas, mas de brilho cativante, encontram adeptos no Espiritismo já avisados e prevenidos desta semeadura deturpada, não se alinhando de modo algum com suas novas ideias, muito pelo contrário, estes modernos quixotes da Doutrina, com galhardia e nobreza, resistem às intromissões indesejadas, até quanto podem, às vezes com sucesso, outras vezes em vão, em face à insistência dos loquazes e por que não dizer dos eloquentes proponentes obtendo muitas vezes êxito ao convencer os desavisados e neófitos na Doutrina.

Tudo indica ser comum este conflito entre aqueles desejosos de permanecer adeptos a uma proposta religiosa simples, ausente de: hierarquia, vestimentas especiais, práticas complexas, dogmas, cantos particulares, formalismos de toda ordem, locais apropriados, terminologias e palavreado específicos e já plenamente superados, incensos, velas, e aqueles ainda prisioneiros do maravilhoso e de propostas geralmente sem qualquer fundamento, atrelados que se encontram aos formalismos e vestuários especialíssimos, com seus símbolos e artefatos mágicos, como se qualquer destes, em qualquer época, pudesse ter agregado um ponto, por menor que seja, na escala evolutiva do praticante, ou fazê-lo melhor entender as leis da vida promovendo a sua melhora íntima.

Infelizmente, os avessos à simplicidade são atrevidos e insinuantes, e se entende perfeitamente, pois, baldos de conhecimento e fundamentos em suas propostas, só pela imposição podem fazer aceitar as suas práticas extemporâneas, acreditando mesmo muitas vezes poder validar pelo medo as suas ideias. Ledo engano, a consciência do adepto jamais será alcançada, e sem este poder, nunca concretizarão os seus objetivos, alguns torpes, outros apenas levianos, sendo estes últimos tão prejudiciais quanto os primeiros.

Nestas horas de embate argumentativo, sempre salutar e recomendado, entre uns e outros, é comum os defensores da Doutrina dos Espíritos sejam taxados de fanáticos, puristas, arcaicos, ortodoxos, e finalmente preconceituosos, em uma tentativa vã de colocá-los em posição frágil, pois a sociedade moderna busca, e o mesmo faz a Doutrina dos Espíritos há bom tempo, varrer do horizonte todas as condutas e propostas preconcebidas. Acredita-se assim agirem os “puristas” por despeito, ou por possuírem entendimento obtuso, temerosos que seriam do moderno, sendo ainda inaptos a perceber o quanto a Doutrina está defasada do homem hodierno, afirmam.

Todo espírita deveria conhecer uma literatura básica intitulada: O Espiritismo e as Doutrina Espiritualistas2, esclarecendo com muita propriedade e com extrema lógica quais são as diferenças existentes entre a Doutrina espírita e o: Umbandismo; Crenças Orientais; Igrejas Reformadas; e mesmo o pensamento católico, entre outros. Em uma abordagem direta, lúcida e sem outras intenções, com o fim de apenas demonstrar a distinção entre as propostas, discorrendo honestamente sobre as Religiões, especificando simplesmente o que é, e o que não é Espiritismo. Escrito pelo nobre Deolindo Amorim, é um marco, indispensável a todo aquele desejoso de sinceramente entender os aspectos das propostas religiosas do momento e do passado. Meditemos profundamente sobre as lições deste livro, de modo a não mais acatar nenhuma ideia absurda contrária àquelas apresentadas pela Doutrina.

Ser fiel à Doutrina dos Espíritos é como ser fiel a qualquer movimento religioso, pois conhecemos a impossibilidade de sermos salvos apenas pela Religião, mas sim pelas obras redundantes da prática dos princípios desta ou daquela crença, assim, não há, no momento, nenhuma necessidade de se fazer qualquer sincretismo religioso com o Espiritismo, visto estar perfeitamente estruturado em seus aspectos filosóficos, científicos e religiosos, em fase ainda de entendimento e aplicação pelas massas, dispensando, de momento, pretensas intromissões para fazê-lo melhor do que já é.

Deste modo, se os conceitos espíritas são suficientes para nos levar à melhora espiritual, não há por que tentarem introduzir supostas avançadas técnicas de desobsessão, por exemplo, nem novos conceitos morais, pois a moral espírita é a moral cristã, não existindo até o momento nenhum avanço moral com possibilidade de superar os exemplos deixados pelo Cristo.

Oremos, e muito, mas vigiemos também, com atenção, pois aí estão aqueles mesmos Espíritos encarnados e desencarnados, de outras eras, sempre prontos a servir seus particulares deuses, sem qualquer pudor, tentando se imiscuir na Doutrina tal qual erva daninha.

Ensinam os precisos e preciosos conceitos da Doutrina, e o fazem de forma magistral e absoluta, a vigilância contra o preconceito, lição fundamental para conduzir a vida em harmonia e respeito a todos, independente do credo, idade, orientação sexual e raça, se ainda for possível sustentar este último diante das modernas pesquisas antropológicas e genéticas. Todavia, respeito não é conivência, e não devemos aceitar, sob pena de respondermos à justiça maior, com severidade, esta desatenção, descambando para a leniência em muitos casos. Quando a sugestão ou a proposta surgir de macular a Doutrina, não nos calemos diante daqueles que, insinuantes, nada mais desejam além de obter poder e destaque no âmago do povo. Ao surgirem levantando bandeiras com dizeres sobre a extemporaneidade do Espiritismo, digamos não, e não os aceitemos!

Referências

1 PASTORINO, Carlos T. Sabedoria do Evangelho. Rio de Janeiro: Revista Mensal Sabedoria, 1964. v. 5. Cego de nascença, pág. 80.

2 AMORIM, Deolindo. O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas. 4. ed. Rio de Janeiro: CELD Editora, 1989.

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