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A Revista Espírita no Brasil

Autor: Marcus De Mario

Allan Kardec, visando à divulgação do Espiritismo para o público, lançou em janeiro de 1858 a Revista Espírita, periódico mensal que dirigiu até sua desencarnação em março de 1869. A publicação alcançou amplo sucesso, trazendo estudos os mais diversos, mensagens dos espíritos, cartas, relatórios da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (primeiro centro espírita oficial do mundo), sendo muito importante também para o conhecimento dos princípios espíritas e sua aplicação na vida. Cientes da importância da Revista Espírita, até porque o codificador a recomenda em O Livro dos Médiuns, dois espíritas brasileiros se impuseram a tarefa de fazer a tradução do francês para o português das 136 edições que compõem os 12 anos (janeiro de 1858 a abril de 1869) em que Kardec esteve à frente da prestigiosa revista. Estamos falando de Júlio Abreu Filho e José Herculano Pires, dois espíritas paulistas de grande relevância no movimento espírita brasileiro.

Neste texto pretendemos relatar um pouco dessa saga realizada pelos dois tradutores, assim como a decidida participação do editor Frederico Giannini Júnior, à frente da Editora Cultural Espírita – Edicel, responsável pela publicação pioneira da coleção da Revista Espírita no Brasil. Vamos iniciar dando um esboço biográfico sobre cada um dos nossos personagens, situando o leitor, em linhas gerais, sobre os protagonistas dessa bela história.

Júlio Abreu Filho

Cearense de Quixadá, nasceu em 10 de dezembro de 1893, tendo transferido residência para Salvador, no estado da Bahia, em 1911, depois residindo e trabalhando na cidade de Ilhéus. Em 1921 fixou residência na cidade do Rio de Janeiro e, transferido profissionalmente, fixou residência em São Paulo, capital. Dedicou-se ao magistério e fez carreira como funcionário da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, tendo participado da implantação de inúmeros projetos rurais. Na década de 1940 já era ativo participante do movimento espírita paulista através da União Federativa Espírita Paulista, e teve ampla atuação na realização do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, ocorrido em 1947 na capital paulista.

Em 1949 iniciou a empreitada de tradução da Revista Espírita, tendo inclusive fundado uma editora – Editora Édipo – com a pretensão de publicá-la. Como o trabalho era gigantesco e os recursos escassos, a editora não deu certo, mas os esforços de tradução continuaram, até que, no final da década de 1960 foi possível fazer o lançamento pela Edicel. Tendo colaborado na imprensa espírita e lançado alguns livros, Júlio Abreu Filho desencarnou em São Paulo no dia 28 de setembro de 1971, aos 78 anos de idade.

José Herculano Pires

Natural de Avaré, SP, nasceu em 25 de setembro de 1914, tendo sucessivamente feito vida em Cerqueira César e depois Marília, onde trabalhou intensamente sua carreira literária e jornalística. Em 1946 mudou-se para São Paulo, onde lançou seu primeiro romance. Entrou para os Diários Associados, em que exerceu as funções de repórter, redator, secretário, cronista parlamentar e crítico literário. Formado em Filosofia pela USP, teve contato com o Espiritismo na juventude, desde então participando ativamente do movimento espírita. Fundou o Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo (1948). Amigo íntimo do médium Chico Xavier, manteve durante 20 anos uma coluna diária sobre Espiritismo nos Diários Associados.

A biografia de José Herculano Pires é extensa. Esteve à frente da fundação da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e do Instituto Espírita de Educação. Criou a Editora Paidéia e seu legado literário é composto por 81 livros, além da tradução e/ou revisão das obras de Allan Kardec. Foi um grande defensor da educação na visão espírita, vindo a desencarnar em 9 de março de 1979, aos 65 anos de idade.

Frederico Giannini Júnior

Paulista de São Carlos, nasceu em 12 de março de 1908. Foi um dos pioneiros na edição de livros espíritas no Brasil, tendo fundado a Editora Cultural Espírita, mais conhecida pela sigla Edicel, isso em São Paulo, capital, onde fez sua vida familiar e profissional. Com o amigo José Herculano Pires, aceitou o desafio de publicar novas traduções das obras de Allan Kardec, inclusive a Revista Espírita, num trabalho que lhe exigiu muita dedicação e todos os recursos financeiros disponíveis, numa época em que o movimento espírita, de uma forma geral, ainda não dava a devida importância ao estudo e, portanto, aos livros.

Seus esforços tiveram sucesso com o lançamento do primeiro volume da coleção da revista em 1967. No seu pioneirismo como editor espírita, lançou em 1972 o primeiro volume da Revista Educação Espírita, em nova associação com Herculano Pires. Desencarnou em 22 de junho de 1984, aos 76 anos de idade.

A Revista Espírita em português

Durante muitos anos Júlio Abreu Filho trabalhou sozinho na tradução dos volumes mensais da Revista Espírita, tendo iniciado o trabalho em 1949. Amigo de José Herculano Pires, confiou a este o trabalho de revisão. A tradução do francês da metade do século 19 para o português não é uma tarefa tão fácil, até porque não se pode simplesmente traduzir literalmente, ao pé da letra, pois isso pode distorcer o significado original. Havia duas condições essenciais para o trabalho: uma correta versão para a língua portuguesa e total fidelidade doutrinária a Kardec.

Relata Jorge Rizzini, em seu livro Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec, que “Orientador das edições da Edicel, Herculano Pires incentivara Frederico Giannini a publicar a coleção completa das obras de Allan Kardec, incluindo a Revista Espírita, cujos doze volumes totalizavam 4.800 páginas, que o saudoso companheiro Júlio Abreu Filho andava a traduzir há anos, pacientemente, mesmo sentindo-se doente. A empreitada editorial era arriscada e Giannini, embora sem possuir grandes posses, assinou o contrato redigido por Herculano Pires em 18 de outubro de 1966”.

Em seu diário, Herculano Pires anotou, com relação a esse gigantesco trabalho de publicar a Revista Espírita: “Uma trabalheira sem limites. É preciso que me empenhe a fundo nesse trabalho, pois a obra de Kardec vem saindo em traduções sucessivamente decalcadas umas das outras, em português e castelhano. Além disso, não há uma edição explicada e anotada. Os volumes são apresentados ao público de hoje no mesmo texto de há um século, sem uma informação, uma anotação, nada de nada, e geralmente em traduções mal cuidadas. Sinto-me pequeno para a grandeza da tarefa, mas sou obrigado a reconhecer que tenho de fazê-la sozinho, a menos que Deus permita o aparecimento de alguém para ajudar. Já lutamos para descobrir pessoas capazes e não encontramos ninguém. Até concurso o Giannini promoveu, e nada! Tem-se a impressão de que o francês é, no Brasil, uma língua mais desconhecida do que o etrusco… Há muitos tradutores traditori, mas para um trabalho realmente sério não aparece ninguém”.

Atendendo à solicitação de Herculano, Deus fez chegar a ele três colaboradores: Sylvia Mele Pereira da Silva, mestra em francês e que colaborou também na tradução das obras da codificação espírita, e dois intelectuais franceses radicados no Brasil: Miguel Maillet e Anne Marie, que se dedicaram ao trabalho de revisão da tradução feita por Júlio Abreu Filho.

Herculano Pires não estava satisfeito com a tradução de vários trechos, e dedicou muitas horas e madrugadas de sua vida nessa revisão. E não foi somente esse seu trabalho. Traduziu as poesias dos espíritos e fez questão de publicá-las junto com o texto original francês, e ainda prefaciou vários dos volumes, com explicações profundas e muito importantes. Esses prefácios constam das edições dos anos de 1858, 1859, 1860 e 1861, lembrando que a Coleção da Revista Espírita é composta por 11 volumes completos (1858-1868) enfeixando cada volume as correspondentes edições mensais, e o volume correspondente ao ano de 1869, com as revistas de janeiro a julho, sendo que de janeiro a abril com redação total de Allan Kardec, e de maio a julho com várias matérias deixadas pelo codificador.

Ao longo dos anos em que Frederico Giannini, através da Edicel, publicou os exemplares da Codificação, foram utilizadas duas indústrias gráficas: Saraiva e Símbolo, ambas com sede na capital paulista.

Bases para o futuro

O trabalho pioneiro de Júlio Abreu Filho, José Herculano Pires e Frederico Giannini Júnior, a quem devemos um preito de gratidão, abriu novas perspectivas para ampliação do conhecimento do Espiritismo e do trabalho realizado por Allan Kardec. Na esteira da repercussão desse trabalho, outras duas editoras espíritas aceitaram igualmente o desafio de traduzir e publicar a Revista Espírita: o Instituto de Difusão Espírita (IDE) e a Federação Espírita Brasileira (FEB).

Na atualidade não temos mais disponível o importante trabalho desses companheiros, somente sendo possível encontrá-lo em sebos (livrarias de livros usados), ou com pessoas que mantêm em suas bibliotecas esse importante acervo.

Deixamos aqui este registro histórico, no ano em que comemoramos 160 anos de lançamento da RevistaEspírita, uma obra indispensável para leitura e estudo. E finalizamos com as palavras de Herculano Pires no prefácio ao primeiro volume, num convite a todo espírita para reflexão sobre a importância da Revista Espírita:

“Podemos acompanhar nestas páginas, passo a passo, o esforço ao mesmo tempo grandioso e minucioso de Kardec na construção metódica da Doutrina e na estruturação do movimento espírita. A História do Espiritismo se nos apresenta, assim, como uma forma de vivência que se autofixou na escrita. (…) Nada se oculta ao leitor. Os problemas, as preocupações de Kardec, suas lutas dentro e fora do meio espírita, suas vitórias tranquilas, sua resistência à calúnia, à mentira, à difamação, sua fé inabalável, tudo isso palpita nestas páginas e nos dá a impressão de vivermos ao lado do Codificador, na sua época. (…) Por isso podemos afirmar que a publicação desta coleção marca uma nova era do Espiritismo no Brasil e em todo o continente.”

Bibliografia

Júlio Abreu Filho – clique em Júlio Abreu na Wikipédia

Herculano Pires, biografia – clique aqui

Biografia de Herculano – clique neste link

O consolador – Ano 12 – N 577 – Especial

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