Autor: Rogério Coelho
O trabalhador em busca de reconhecimento pessoal não serve à causa de Jesus
(…) Grande virtude é verdadeiramente necessária para que alguém renuncie à sua personalidade em proveito dos outros
Fénelon [1]
Bastante espinhosa (difícil mesmo) é a tarefa que compete ao diretor de divulgação doutrinária de uma Casa Espírita séria. Inúmeras vezes ele é abordado por “oradores” que se oferecem para fazer “palestras”, além de receber o impacto vibracional daqueloutros que são preteridos, (evidentemente quase sempre por razões óbvias).
Não sem razão já dizia um amigo muito querido e sadiamente engajado no movimento espírita: “oradores existem muitos, mas oradores verdadeiramente espíritas são raros!”.
Por outro lado, não são raras as criaturas vítimas da síndrome do vício do prestígio, vício esse dinamizado (como dizem os franceses) pelo excesso de “moi-je”,[2] personalismo, egoísmo, orgulho, vaidade, empáfia… Em tais corações não existe espaço para a humildade, qualidade essencial que deve exornar o caráter de todo trabalhador do Cristo.
O ínclito Mestre Lionês ensinou[3] que “a abnegação da personalidade, o desinteresse moral e material, a prática da lei de amor e de caridade serão sempre os sinais distintivos daqueles para quem o Espiritismo não é somente uma crença estéril, nesta vida e na outra, mas uma fé produtiva”.
A esse respeito, analisemos o pensamento de Ermance Dufaux[4]: “(…) acostumamos enunciar nos meios espíritas que somos orgulhosos. Admitimos essa imperfeição, mas temos que reconhecer que ainda somos inaptos para detectar seus traços em nossa personalidade. Façamos então uma singela análise em uma de suas mais variadas manifestações sutis. Escolhamos a esfera da vaidade! O perfil moral dos habitantes da Terra guarda uma feição comum que é a necessidade de valorização e reconhecimento pessoal, o que seria muito natural não fosse nossa paixão no egoísmo. Entanto, essa necessidade tem constituído uma tormenta social: considerando que todos querem ser prestigiados, quem ficará para prestigiar? Pouquíssimos são os que se encontram sensibilizados para a arte da alteridade, dispostos a destacar conquistas e valores no outro. Esse é o choque do egoísmo a que se refere Fénelon1: ‘cada um querendo que o outro pense nele sem se preocupar com os demais’.
Se você, por exemplo, iniciar uma narrativa que destaque seus valores individuais ou algum episódio de êxito na sua existência, quem o estiver ouvindo logo iniciará um processo similar, sem sequer ocupar-se em ouvir sua história ou dela tirar algum proveito. É como diz Fénelon na obra citada em epígrafe: ‘notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros’.
O vício de prestígio consome a criatura em disputas inglórias e imaginárias por apreço e consideração… O mundo mental desses viciados desgasta-se em busca da aprovação de todos, e, quando alguém não lhe rende as homenagens e tributos esperados, é considerado um opositor ou indiferente. Seu principal malefício é essa espera de aceitação e consideração incondicionais, como se todas as pessoas tivessem a obrigação de enaltecê-lo, de reverenciá-lo…
Como é portador de muita suscetibilidade, pequenas desatenções e discordâncias são recebidas pelo viciado com revolta e mágoa suficientes para instalar um ‘pânico de revolta íntima’, como se mentalmente indagasse: ‘por que esse súdito não me homenageou?’.
Assim como existe a dependência química de tóxicos, existe a dependência psíquica de evidência e reconhecimento individual. Esse tipo de viciado é escravo da autoimagem exacerbada que faz de si mesmo… As causas desse vício podemos verificar na infância, quando a criança é levada a níveis abusivos de repressão no lar, dependendo de aprovação para tudo, tornando-se insegura, sem autoconfiança, crescendo como um adulto frustrado; outro tanto, de forma mais intensa ainda, verificamos as raízes desse mal nas pregressas existências, quando a alma acostumou-se aos faustosos títulos sociais e às honras individualistas que sempre lhe alimentavam o ego insaciável, na sedimentação da ‘cultura do melhor em tudo’.
A educação na sociedade moderna destina-se ao aplauso, ao êxito, e raramente educa-se para saber perder ou lidar bem com derrotas e críticas. Treina-se para a passarela do sucesso e a necessidade de aprovação e reconhecimento social, sem se preparar para o autoamor. O vício de prestígio é um sintoma claro de que não nos plenificamos conosco, de ausência de autorrealização, de amor a si próprio. Se nos amássemos, não teríamos tanta dependência de opiniões e atitudes alheias.
O que impulsiona esse vício, mais que a necessidade de ser aceito, é o medo da rejeição: um dos sentimentos mais camuflados e comuns da humanidade, que pode ser estimulado pelas causas acima citadas.
Esse cenário moral é um convite imperioso para que trabalhemos pela formação de um ‘perímetro’ de relações sinceras, onde se possa forjar o caráter objetivando a aquisição dos hábitos altruístas e o desprendimento dessa neurótica necessidade de tributos personalísticos. Recordemos a oportuna recomendação de Jesus[5] para convidarmos coxos e estropiados quando dermos um banquete…
Tal quadro de indigência espiritual e afetiva induz-nos a grave reflexão: estariam nossos círculos de Espiritismo Cristão atendendo a essa construção do ambiente regenerativo de nossas almas? Ou será que, mesmo nas frentes de serviços com Jesus, estaríamos cultivando as amizades de conveniência que nos garantam a ‘nutrição da bajulação’, mantendo os feudos de glórias pessoais?!
O momento de transição da humanidade é instante de árduas comoções. O egoísmo precisa ser extirpado e para isso somos todos convidados, de uma ou de outra forma, a descer dos ‘tronos’ da falsa superioridade ou sair da ‘cabeceira’ das decisões individualistas.
É tempo de abnegação e renúncia!… Convenhamos: nossa parcela de personalismo é enorme, mesmo nas lições de amor às quais nos afeiçoamos junto aos labores doutrinários. Anotemos assim algumas de suas rotineiras formas de se apresentar, a fim de nos matricularmos numa autoavaliação sobre a possibilidade de ainda nos encontrarmos prazerosos com o vício do prestígio pessoal: aversão à crítica; mendicância de reverência; gosto pela pompa; imposição de pontos de vista; melindre nas discordâncias; mágoa alimentada; importância conferida ao nosso nome; apego a tarefas; vício do elogio…
Com todo o respeito que devemos uns aos outros, não podemos deixar de assinalar que, entre nós, os profitentes da causa espírita, encontram-se lamentáveis episódios de vaidade. Alguns corações, mais doentes que mal-intencionados, não conseguiriam ‘manter-se espíritas’ sem a reverência coletiva.
Contudo, a ‘vitrine da fama’ não foi feita para os discípulos do Cristo, e nossa maior conquista espiritual é o poder de negar a si mesmo. O trabalhador em busca de reconhecimento pessoal efetivamente não serve à causa de Jesus.
Fénelon refere-se à força moralizadora do exemplo como forma de renovar as relações de homem a homem. Certamente essa indicativa é admirável receita para nossa recuperação frente ao descontrolado vício de ser valorizado. E para iniciarmos um processo educativo nesse sentido, deixamos uma dica preciosa na mudança dos nossos hábitos: comecemos a falar menos de nós e estejamos mais atentos em prestigiar o outro”…
Referências
[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 83. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2002, q. 917.
[2] Expressão francesa que significa: Eu + eu. (Egoísta, personalista, vaidade excessiva, presunção.)
[3] KARDEC, Allan. Revue Spirite. Maio de 1863. Araras: IDE, 2000, p. 164.
[4] OLIVEIRA, Wanderley S. Mereça ser feliz. BHte: INEDE, 2003, cap. 18, p. 95-98.
[5] Lucas, 14:12 a 14.