Autor: Ricardo Baesso de Oliveira
Yahoo Notícias de 28 de agosto de 2018 informa: menino de 9 anos tira a própria vida após revelar a colegas que era gay.
Uma mãe americana está tentando transformar uma tragédia num alerta contra o bullying e a homofobia. O filho de Leia Pierce, Jamel Myles, de 9 anos, se matou, mas ela acredita que o suicídio do pequeno foi resultado de abusos e intimidações de colegas de escola, depois que Jamel se declarou gay.
Em entrevista ao jornal “Denver Post”, Leia relatou que, durante as férias de verão (inverno no hemisfério sul), o menino contou a ela que era gay.
“Ele disse: ‘mamãe, eu sou gay’. Eu pensei que ele estava brincando, então olhei para trás, porque estava dirigindo, e ele estava tão assustado. E eu disse: ‘e eu continuo amando você”, contou Leia.
O menino disse à mãe que queria muito compartilhar a notícia com seus colegas de escola. “Ele foi para a escola e disse que iria contar para as pessoas que era gay”, relatou Leia. As aulas começaram na segunda-feira. Quatro dias depois, Jamel foi encontrado morto em casa.
“Quatro dias foi tudo o que durou na escola. Eu nem consigo imaginar o que disseram para ele. Meu filho contou para a minha filha mais velha que as crianças da escola disseram a ele para se matar. É tão triste que ele não tenha me procurado”, lamentou a mãe.
O Distrito Escolar do Condado de Denver instalou uma comissão de conselheiros para os estudantes da escola de Jamel. Cartas foram enviadas aos pais, lamentando a morte do garoto, “uma perda inesperada para a nossa comunidade escolar”, e aconselhando as famílias a ficarem atentas a sinais de estresse nas crianças.
Em entrevista à BBC, Will Jones, porta-voz do distrito, afirmou que os professores da Escola Fundamental Joe Shoemaker “estão criando um espaço para os estudantes compartilharem como estão se sentindo e processarem suas emoções”.
Apesar da dor, a mãe do menino tenta alertar as famílias sobre as consequências do bullying. Ela também cobra responsabilização dos pais daquelas crianças que praticam bullying contra outras. “Nós, pais, devemos ter responsabilidade pelo bullying. Eu acho que os pais devem ser responsabilizados porque, obviamente, eles estão ensinando as crianças a agirem assim ou estão tratando-as dessa forma”, afirmou Leia.
Muitos casos que se assemelham ao de Jamel vêm sendo registrados: incapazes de suportar a pressão social e a homofobia internalizada, pessoas identificadas com a orientação homossexual ou com a identidade transexual dão cabo da vida.
No caso relatado não se viu o abandono e a condenação da família, mas os estudos recentes têm mostrado que os grandes problemas relacionados, muitas vezes, a homossexualidade, como suicídio, prostituição e dependência química se dão em um contexto onde a família rejeita, condena e discrimina o ente querido envolvido[i]. Incapaz de encontrar apoio e solidariedade nos afetos mais próximos, o homossexual sem uma melhor estruturação emocional segue um caminho indesejável, culminando, em atitudes que comprometem seriamente a sua experiência reencarnatória.
Nas raízes da reação homofóbica podemos aventar alguns fatores:
a) Fatores históricos
A homofobia pode ter fortes raízes culturais e se assentar na dificuldade em lidar com o diferente. Tal dificuldade tem elementos causativos no que vem sendo denominado de tribalismo, e nos remete ao Paleolítico, um período de nossa pré-história que antecede as construções de cidades, o cultivo de plantas para a alimentação e a domesticação dos animais. Vivíamos em bandos nômades constituídos de algumas dezenas de pessoas, como caçadores-coletores. O nosso grupo representava a nossa defesa contra animais predadores e outras tribos que se digladiavam por espaço, água, alimento e proteção. Era natural que vivêssemos armados uns contra os outros – tribos contra tribos. Tratava-se de uma questão de sobrevivência.
Muitos de nós cristalizamos em nossa maneira de ser e de pensar uma reação psicológica construída nesse distante período, e vivemos mentalmente armados contra o diferente, a outra tribo, uma espécie de tribalismo no qual as pessoas são neuroticamente leais a sua turma, a seu país, a sua etnia, a sua orientação sexual ou qualquer outro grupo social. Sob certo aspecto, o tribalismo alimenta a intolerância ante o diferente e todas as lamentáveis ocorrências derivadas dela: o racismo, o sexismo, a discriminação social, o preconceito relacionado à aparência física ou o jeito de vestir-se e à homofobia.
b) Fatores educacionais
A discriminação se inicia no lar, onde se dá a formação primária da personalidade. Trazendo das vivências anteriores a sua história pessoal de vida, suas inclinações, facilidades e dificuldades, o Espírito reencarnante se depara com o psiquismo da família e passa a sofrer sua profunda influência. Desejando se identificar com o jeito de ser dos pais, vai incorporando em si mesmo as inclinações paternas e maternas, reproduzindo em seus pensamentos, em suas falas e em suas atitudes, os pensamentos, falas e atitudes dos genitores. Assim, a reação homofóbica vai sendo repassada de geração em geração, até que os membros do clã se deem conta do atraso mental de tal comportamento e decidam pela mudança salutar.
c) Fatores pessoais
O Departamento de Psicologia da Universidade da Geórgia (EUA) concluiu que muitos homofóbicos são gays enrustidos. Em muitos casos, há um conflito tão grande quanto à própria sexualidade que o tormento se transforma em raiva e agressividade.[ii]
Em estudo realizado no ano de 1996 os pesquisadores recrutaram 64 homens, com 20 anos em média, declaradamente heterossexuais. Eles enfrentaram uma bateria de perguntas que os dividiu em dois grupos: os que se sentiam mais e os que se sentiam menos desconfortáveis com o assunto homossexualidade. Em seguida todos foram equipados com um pletismógrafo peniano, aparelho que mede o grau de excitação do pênis em resposta a imagens. Os participantes assistiram a cenas de sexo heterossexual, entre duas mulheres e depois entre dois homens. Na última situação, cobaias do grupo com mais tendências homofóbicas tiveram quatro vezes mais aumento de volume peniano do que os do grupo formado por quem não se incomodava com homossexuais. Mais da metade dos “homofóbicos” teve ereção, enquanto menos de um quarto do outro grupo mostrou algum tipo de excitação ao ver as imagens de dois homens tendo relação sexual. Depois do teste, quando confrontados, todos os homofóbicos negaram a excitação que sentiram minutos antes.
A pesquisa não foi contestada durante todos esses anos e suas conclusões foram reforçadas por outro teste mais preciso, realizado na Inglaterra em 2012, com imagens cerebrais de homofóbicos: a atitude negativa, a agressividade, a intolerância e a fobia se manifestam, muitas vezes, em pessoas que tentam reprimir o desejo sexual que sentem por outros do mesmo gênero.
Para resumir: muitos homofóbicos são pessoas que sentem grande desconforto quando pensam em homossexualidade; frequentemente são homossexuais reprimindo suas próprias tendências biológicas. Muitas pessoas que nascem gays em ambientes repressivos muitas vezes aprendem a suprimir a homossexualidade e sentem raiva dela. Essa autorraiva acaba projetada para fora, contra aquilo que parece com o que se odeia em si próprio.
Independentemente dos fatores causais, a reação homofóbica é injustificável, sob todos os aspectos, notadamente para os espíritas que conhecem a dinâmica das vidas sucessivas, das lutas íntimas que todos travamos e da necessidade de nos ajudarmos mutuamente em nossas experiências pessoais.
André Luiz, em obra psicografada em 1947[iii], comenta que
[…] erro lamentável é supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante as respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas. O campo do amor é infinito em sua essência e manifestação. Insta fugir às aberrações e aos excessos; contudo é imperioso reconhecer que todos os seres nasceram no Universo para amar e serem amados.
O autor volta ao tema, em obra de 1963[iv] colocando que
[…] nos foros da justiça Divina, em todos os distritos da Espiritualidade Superior, as personalidades humanas tachadas por anormais são consideradas tão carecentes de proteção quanto as outras que desfrutam a existência garantida pelas regalias da normalidade, segundo a opinião dos homens, observando-se que as faltas cometidas pelas pessoas de psiquismo julgado anormal são examinadas no mesmo critério aplicado às culpas de pessoas tidas por normais, notando-se, ainda, que, em muitos casos, os desatinos das pessoas supostas normais são consideravelmente agravados, por menos justificáveis perante acomodações e primazias que usufruem, no clima estável da maioria.
Acrescentou, na mesma obra, que
[…] no mundo porvindouro os irmãos reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais, serão tratados em pé de igualdade, no mesmo nível de dignidade humana, reparando-se as injustiças assacadas, há séculos, contra aqueles que renascem sofrendo particularidades anômalas, porquanto a perseguição e a crueldade com que são batidos pela sociedade humana lhes impedem ou dificultam a execução dos encargos que trazem à existência física, quando não fazem deles criaturas hipócritas, com necessidade de mentir incessantemente para viver, sob o Sol que a Bondade Divina acendeu em benefício de todos.
Entrevistado pelo jornal Folha espírita, Chico Xavier colocou:
“Em minhas noções de dignidade do espírito, não consigo entender por que razão esse ou aquele preconceito social impedirá certo número de pessoas de trabalhar e de serem úteis à vida comunitária, unicamente pelo fato de haverem trazido do berço característicaspsicológicas ou fisiológicas diferentes da maioria”.[v]
No programa Pinga-fogo, em 1971, Chico havia se manifestado de forma equivalente:
[…] tanto quanto acontece com a maioria que desfruta de uma sexualidade dita normal, aqueles que são portadores de sentimentos de homossexualidade ou bissexualidade são dignos do nosso maior respeito e acreditamos que o comportamento sexual da humanidade sofrerá, no futuro, revisões muito grandes.[vi]
Joanna de Ângelis, em obra de 2007, escreveu:
O fato de alguém amar outrem do mesmo sexo não significa distúrbio ou desequilíbrio da personalidade, mas uma opção que merece respeito, podendo também ser considerada como certa predisposição fisiológica. Pode-se considerar como uma necessidade sexual diferente com objetivos experimentais no processo da evolução. O amor, no entanto, será sempre o definidor de rumos em favor do ser humano em toda e qualquer situação em que o mesmo se encontre.[vii]
E, recentemente, Divaldo também se manifestou:
Ser homossexual, amar alguém do mesmo sexo é um fenômeno perfeitamente normal. O conúbio físico com essa pessoa é uma opção pessoal. Não consideramos tal conduta como de natureza reprochada. [viii]
Referências
[i] Homossexualidade sob a ótica do Espírito imortal, Andrei Moreira.
[ii] Revista superinteressante, 17/05/2016.
[iii] No mundo maior, cap. 11.
[iv] Sexo e Destino, cap. IX, parte II.
[v] Lições de sabedoria.
[vi] TV Tupi, 1971.
[vii] Encontro com a paz e a saúde, cap. 8.
[viii] TV Mundo maior, publicado em /8/2014. (YouTube)
O consolador – Artigos