Autor: Paulo Henrique de Figueiredo
Repetindo profecias milenares, a cultura contemporânea narra nos filmes catástrofe os gestos derradeiros da humanidade (será o inconsciente coletivo?). Consumida em lava, esmigalhada pela fúria de meteoros, afogada em ondas esmagadoras. Enxofre, fel e fogo. Dor lancinante. Não restará alma viva. Tomado de sua divina implacável ira, o Criador, mostra a face oculta de seu poder, destruindo insensível sua própria obra. Acabaram as ilusões. Todo esforço em vão. Não há mais dúvidas sobre o futuro. É o fim do mundo.
Fazem sucesso hoje, com campeões de venda, historiadores e filósofos afirmando sem dúvida alguma a extinção próxima da espécie humana, o homo sapiens. Acabará a saga da civilização, e, se restar vida neste mundo, será irracional. Não haverá mais memória, história com o apocalipse da humanidade.
Esse é também o momento previsto pelo dogma católico, fé predominante no Brasil. A grande maioria dos participantes do movimento espírita foi doutrinada pela fé católica na infância. A religião tradicional manda aceitar cegamente seus dogmas. Veja o que ensina o catecismo da igreja:
“A fé é sobrenatural, porque não é exigida pela natureza nem pode ser descoberta só pela razão humana. Mais: nem sequer, depois de conhecida, pode ser plenamente compreendida” (A fé católica, Lúmen Christi)
Diz mais, ainda, para deixar claro o papel daquele que aceita se sujeita a ela:
“Deus se comunica com o homem, este fica obrigado a aceitar o testemunho divino integralmente, ainda quando não consiga compreender a evidência intrínseca do que Deus revela. Há uma aceitação de sua Inteligência e vontade” (Idem).
Essa é a definição da fé cega, que não permite questionamentos. Em verdade, duvidar seria causa para a condenação eterna. O crente é submisso, um cativo da fé.
A maioria dos que receberam de família e da educação pelo clero na infância essa determinação, mesmo que não note em si essa condição, acostuma-se a não pensar no que acredita! Vai vivendo seu cotidiano, conversa sobre isso ou aquilo, usa a inteligência em sua profissão, em seus afazeres, mas jamais parou para duvidar de sua crença!
É comum entre os frequentadores das casas espíritas, oriundos da igreja, abandonar o medo do inferno, por exemplo. Todavia, esse pavor se transfere para o umbral, novo nome para o castigo divino depois da morte. Troca-se o nome, fica o conceito dogmático. A mesma coisa acontece, e aqui chegamos ao ponto desta conversa, quanto ao dogma do fim do mundo. O que se aprendeu na igreja sobre esse dogma, o frequentador espírita transfere ao que ouve falar nas palestras e livros sobre a transformação em nosso planeta de “mundo de expiações e provas” em “mundo de regeneração”.
De novo, a palavra da igreja afirma:
“A igreja só se consumará na glória celeste quando, com o gênero humano, também o mundo inteiro, que está intimamente unido ao homem e que, por ele, chega ao seu fim” (Idem)
Alguns desavisados divulgadores do movimento espírita, empolgados com a expectativa de uma grande mudança planetária, repetem as famigeradas predições dos púlpitos, anunciando catástrofes destruidoras iminentes. São profetas, são sim, mas falsos profetas.
O Espiritismo proposto por Allan Kardec segue outro caminho, não há dúvida. Segundo ele, o cenário adequado para compreender os ensinamentos dos espíritos superiores não é aquele da fé sobrenatural, mas uma condição fundamental de nosso tempo que permitiu o surgimento das ciências:
“Há sede da fé, mas se quer uma fé raciocinada. Discutir sua crença é uma necessidade da época, à qual é preciso aceitar. ” (Revista Espírita de 1863).
Desde o século 19 o dogma perdeu a força da unanimidade, e repetindo Nelson Rodrigues e não só ele: “toda unanimidade é burra”, pois quem aceita por unanimidade, não precisa pensar. No cenário cultural vivido pelo professor Rivail, todo livre-pensador, fosse materialista ou espiritualista, desejava “discutir sua crença”.
Essa é o meio e a meta do espírita, repito, “discutir a sua crença”. Não se aceita uma teoria nova antes de constatar as imperfeições da que se aceita, para depois, destacando as vantagens da nova, que bem compreende, mudar sua crença. Esse esforço, essa tarefa imprescindível de todo aquele que se propõe a reconhecer-se espírita, verdadeiramente, por poucos é empreendida. A maioria dos frequentadores das casas espíritas, acostumado ao transitar dos credos religiosos, participa dessa proposta como quem mudou de igreja. Passa a frequentá-la sem “discutir sua crença”, necessidade à qual é preciso aceitar para quem vive em nossa época.
Um básico princípio da Doutrina Espírita basta para rever a falsa crença, reconstruir a fé e superar o pavor do fim do mundo. Vamos a ele: “o espírito, inicialmente simples e ignorante, evolui progressivamente por seu esforço e interesse, desenvolvendo seu livre-arbítrio e sua inteligência”. Basta isso para mudar tudo!
Para rever a crença é preciso lembrar o que se aprende desde criança na igreja:
“Adão, primeiro homem, ao transgredir pela desobediência o mandamento de Deus no paraíso, perdeu imediatamente a santidade e a justiça em que tinha sido constituído, e transmitiu a todo o gênero humano a morte e as penalidades do corpo” (Concílio de Trento, decreto Ut fides)
Preste atenção, discutindo o que antes se aceitava passivo: o dogma do clero afirma que a constituição primeira do gênero humano é santa e justa. Ou seja, o gênero humano foi criado por Deus com as características do mais evoluído dos espíritos: virtuoso, justo, pleno de inteligência e sabedoria. Mas por um único ato de desobediência, perdeu toda essa absoluta capacidade espiritual, caindo na ignorância, sofrimento, submerso no pecado. Esse dogma chama-se “degeneração da alma”. O Espiritismo afirma exatamente o oposto! A alma tem sua primeira vida humana absolutamente igual a todas as outras, simples e ignorante. E progride vida após vida, adquirindo livre-arbítrio e inteligência; por seu esforço, interesse e conquista.
Basta esse ensinamento para mudar tudo.
O dogma afirma que Deus criou o ser humano perfeito, e pela desobediência o castigou pela encarnação no mundo. Desse modo, não há capacidade humana que reverta essa condição de miséria, a purificação só ocorrerá, afirma o clero, quando Deus destruir este mundo e criar outro, perfeito como foi o paraíso. Imagino, (que você acha?) que se fosse assim, será fundamental que o criador retire providencialmente a árvore do bem e do mal do jardim das delícias, ou todo mundo ficará tentado de provar a tal fruta!
Evoluindo do simples ao complexo, as mudanças do planeta são fases de um processo evolutivo que, adquirindo virtude e inteligência, a humanidade conquista a liberdade, igualdade e fraternidade; condições de sua felicidade.
Não se trata de profecia, mas de consequência natural da teoria.
Para os espíritos superiores, que observam os diversos mundos, conhecem suas condições em diferentes fases, o Espiritismo não é apenas teoria, mas observação dos fatos, constituindo para eles uma ciência.
O que torna o espírita imune do desespero de quem aguarda o fim do mundo é sua fé racional, nascida do livre pensar. Não creio porque aceito submisso a fé sobrenatural. Creio porque compreendo, aceitando uma lei divina racional, benevolente e, diante de minha análise racional, expressão da verdade.
O fim do mundo é exatamente o fim do mundo velho, construído pela fé cega, para submeter as massas humanas submissas aos desejos da minoria poderosa, mergulhada em privilégios. Mundo onde todos são escravos. Esse acabará, esteja certo, acabará!
Livros do autor: https://mundomaior.com.br/paulo-henrique-de-figueiredo/