Autor: Paulo Hayashi Jr.
A acédia representa o estado de torpor ou de apatia que provavelmente estava presente desde os tempos primordiais no ser humano, mas que ganhou especial destaque na Idade Média. Ela tem especial conexão com os monges cristãos da época medieval. A palavra vem do grego akedía, negligência[1], e denota um estado depressivo, melancólico, de tristeza ou falta de força que leva para baixo, tal como modo de rebaixar o indivíduo, talvez até por ele mesmo. Apesar de parecer inicialmente ruim, a questão não é exclusiva do ser humano. No mundo animal, a acédia se relaciona com a hibernação que alguns animais fazem para poupar energia até a chegada de outros tempos e ambientes. Se para os animais hibernar pode ser fundamental para a manutenção da vida futura, no caso do ser humano, isso parece ser perigoso, dependendo da abordagem de enfrentamento feita pelo indivíduo. Ou seja, poupar-se na existência pode significar seu desperdício, uma vez que “ajuda-te a ti mesmo, que o céu te ajudará”[2].
A apatia, assim como o entorpecimento da vontade, da energia e da alegria de viver, pode apresentar riscos tanto para o momento presente quanto para o futuro. E esta falta de vontade pode vir tanto de uma ideia errônea de mundo e de felicidade, quanto pelo uso (exaustão ou estagnação) de nossa energia pessoal, seja por estarmos depressa demais, ou então, paralisados há muito tempo.
De acordo com James Hollis[3], o mundo moderno possui diferentes perigos, chamados por ele de corvos, que aguardam algum momento de se aproximar quando estamos com a guarda baixa. Um desses corvos é a dessuetude e a acédia. Baixar a vibração e a energia pessoal pode significar perigo que os monges cristãos conheciam bem. A tal “doença dos monges” representava esta falta de energia, de propósito, a tristeza prolongada que pode levar a situações ainda mais problemáticas.
As pessoas que costumam entrar no ritmo frenético do trabalho e de suas obrigações pessoais podem sentir-se exauridas e desgastadas de tempos em tempos, assim como também aqueles que estão com problemas pessoais e profissionais e que não se sentem produtivos durante o período. Estar em “baixa produtividade” durante algum tempo devido a problemas de contexto é normal e precisa ser lidado de modo a ultrapassar esse terreno árido. Todavia, há aqueles que se acomodam e acreditam que não têm forças para superar o problema, ou, então, não querem enfrentar o desafio devido a formas errôneas de padrões de pensamento formado e arraigado, experiências passadas e crenças limitantes. Assumir o desafio da responsabilidade pela própria vida e destino é fundamental para a superação e vitória sobre essa tristeza. “Todo homem, podendo desfazer-se das imperfeições pelo efeito de sua vontade, pode poupar a si mesmo os males que delas decorrem, e assegurar sua felicidade futura”[4].
A acédia representa então esta sinalização, este chamado de que precisamos estar conectados (o que nem sempre estamos!) com a responsabilidade pela nossa própria vida, tal como legítimos construtores de nosso destino. Negar os sinais é piorar ainda mais o problema.
A existência cobra responsabilidade, mas apenas aqueles que têm condições de enfrentar suas más inclinações e de descartar as falsas promessas de uma vida infantilizada conseguem fazer esta passagem. A apatia pode representar esta dúvida existencial ou até mesmo uma desconexão entre o indivíduo consciente e os propósitos do inconsciente e da necessidade de alinhamento com sua partícula divina e com Deus.
Quando há este encontro real entre o eu consciente e o reino interior, quando há a comunhão verdadeira entre o propósito do indivíduo com o progresso do universo, há o resgate do sentido, da energia, do entusiasmo[5]. Aliás, a palavra entusiasmo vem do grego enthousiasmos e significa ter um Deus dentro de Si. O que permite colocar em prática aquilo que Nietzsche e Viktor Frankl expressam como: “quem tem um porquê na vida, enfrenta quase todo como”. É sair fortalecido e de ter desafiado o seu inimigo interior e vencido. A superação da apatia faz com que a pessoa saia fortalecida e preparada para novos desafios e empreitadas. Sabe-se que aos discípulos avançados cabem também as provações mais complexas.
Enfim, vencer a acédia, encontrar seu entusiasmo interior, configura parte desta jornada magnífica do ser humano rumo às estrelas.
Apesar do trabalho hercúleo, a tarefa não é impossível. Conhecimento, estratégia pessoal e disciplina são fundamentais para que a vitória venha de modo seguro. Há diferentes modos pelos quais um indivíduo pode combater a acédia. Um deles é a conscientização de seus propósitos de vida, assim como o melhor ajuste ou reintegração com Deus. Nada melhor que os exercícios de autoconhecimento para tal fim. Estar alinhado com os propósitos superiores, os espíritos de escol, podem ajudar em assumir uma postura proativa. Todavia, sabe-se que quanto mais afinado a pessoa está com Deus, como bom trabalhador e combatente[6], há sempre inimigos querendo o contrário. Assim, a boa companhia auxilia no avanço apesar dos problemas, contratempos e provações.
Na sapiência dos antigos, pode-se dizer que o dito popular “Quem anda com porcos farelo come” simboliza essa questão. Ter pessoas que nos ajudem, seja com uma palavra amiga quando se reconhece que estamos cabisbaixos além do normal, seja com um gesto simples que nos preenche de alegria. Passes terapêuticos, água fluidificada também representam esta doação de um ser humano para com o outro. É a superação por meio da ajuda de terceiros que torna o trabalho “sólido” devido à “solidariedade” existente.
Outro ponto que pode nos auxiliar no combate da acédia é manter o humor sempre presente. O humor é uma maneira do cérebro se desgarrar de ideias desagradáveis, evitando que sementes ruins brotem e cresçam na flora mental. É essencial para o trabalhador diligente ter a precaução de não cultivar ideias nocivas, para que não venha a ter colheitas amargas mais tarde. Em algum momento da vida, a obsessão podia ser uma escolha. O humor saudável, seja por meio de palavras, histórias, imagens ou vídeos, permite o refazimento das energias e das estações mentais. Todo bom trabalhador da espiritualidade precisa manejar com satisfação o humor para que seja não apenas portador da Boa Nova para os demais colaboradores, mas também o porto seguro do ânimo, do entusiasmo e da esperança.
Além do humor, toda vez que surge uma ideia nefasta é essencial que a pessoa saiba trocar de “estação mental”, para que o torpor não venha a ser bom companheiro. Mudar de ideia, dominar a mente representa aspecto fundamental para que o desânimo não “bata a porta”. Autocontrole da mente e das emoções é fundamental para que o indivíduo saiba não apenas enfrentar os problemas “lá de fora”, mas também os do reino interior.
Enfim, apesar de parecer um problema, a acédia pode significar legítimo ponto de verificação do avanço do ser sobre suas próprias mazelas.
Autoconhecimento, autodescobrimento, autocontrole são etapas sine qua non para o avanço sobre a apatia e o acendimento da luz interna do conhecimento e do amor que auxiliarão no desenvolvimento e progresso da humanidade. Progresso esse que deve ter a base interna, do indivíduo forte e consciente, para que consiga enfrentar de modo justo e adequado à expressão “Eu não sou o que me aconteceu; eu sou o que escolhi ser”[7].[8]
Referências
[1] Link-1
[2] Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 25.
[3] James Hollis. Os pantanais da alma. São Paulo: Paulus, 1998.
[4] Allan Kardec, O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo. Código penal da vida futura.
[5] A palavra entusiasmo vem do grego enthousiasmos (en theos), e significa ter um deus dentro de si.
[6] 2 Timóteo 4:7,8
[7] James Hollis. Os pantanais da alma. São Paulo: Paulus, p. 175, 1998.
[8] Em homenagem aos meus queridos genitores, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria Espiritual.
O consolador – Especial