Revista Espírita, novembro de 1859
O Independência belga, que não nos acusará de um excesso de benevolência a respeito das crenças Espíritas, narrou o fato seguinte, que vários outros jornais repetiram, e que reproduzimos, por nossa vez, com todas as reservas, não tendo ocasião para constatar-lhe a realidade.
“Seja porque nossa imaginação inventa e habita um mundo de almas ao lado e acima de nós, seja porque o mundo no qual estamos, vivemos e nos movemos, existe realmente, é fora de dúvida, para mim pelo menos, que inexplicáveis acidentes se produzem, os quais provocam a ciência e desafiam a razão.
“Na guerra da Criméia, durante uma dessas noites tristes e lentas, que se prestam maravilhosamente à melancolia, ao pesadelo, a todas as nostalgias do céu e da Terra, um jovem oficial, de repente, se levantou, saiu de sua tenda, foi procurar um dos seus camaradas e lhe disse:
– Acabo de receber a visita de minha prima, da senhorita T…
– Tu sonhas.
– Não. Ela entrou, pálida, sorridente e roçando apenas o solo muito duro, muito grosseiro para seus pés delicados. Olhou-me, depois que sua voz doce bruscamente me despertou, e ela me disse: “Tu tardas muito! Preste atenção! Algumas vezes se morre da guerra sem ir à guerra!” Quis falar-lhe, erguer-me, correr para ela; ela recuou! E colocando um dedo sobre os lábios: “Silêncio, disse-me, tenha coragem e paciência, nós nos reveremos.” Ah! meu amigo, ela estava muito pálida, e estou certo de que está doente, que me chama.
– Tu dormes todo desperto, és louco, replicou o amigo.
– É possível, mas, então, o que é esse movimento do meu coração que a evoca e que me faz vê-la?
“Os dois jovens conversaram, e, pela madrugada, o amigo reconduziu à sua tenda o oficial visionário, quando este estremeceu de repente.
– Ei-la, meu amigo; ei-la, disse, ela está diante de minha tenda. Ela me faz sinal de que me falta fé e confiança.
“O amigo, evidentemente, não via nada. Fez o melhor para consolar seu camarada. O dia apareceu, e com o dia as ocupações bastante sérias para que não fosse mais questão os fantasmas da noite. Mas, por uma precaução muito razoável, no dia seguinte, uma carta partiu para a Franca, pedindo, instantaneamente, novidades da senhorita T… Alguns dias depois, respondia-se que a senhorita T… estava bastante e seriamente doente, e que se o jovem oficial pudesse obter uma licença, pensava-se que a sua visão teria o melhor efeito.
“Pedir uma licença no momento das mais rudes fadigas, talvez à véspera de um ataque decisivo, e fazer valer medos sentimentais, não era preciso sonhar muito com isso. Todavia, creio lembrar-me que a licença foi pedida e obtida, e que o jovem oficial ia partir para a França, quando teve ainda uma visão. Aquela era assustadora. A senhorita de T… veio, pálida e muda, insinuar-se uma noite em sua tenda e lhe mostrou o longo vestido branco que trajava. O jovem oficial não duvidou, um só instante, que sua noiva não estivesse morta; ele estendeu a mão, tomou uma de suas pistolas e fez saltar os miolos.
“Com efeito, na mesma noite, à mesma hora, a senhorita de T… dera o último suspiro.
“Essa visão era o resultado do magnetismo? Disso nada sei. Era da loucura? Eu o quero muito. Mas era alguma coisa que escapa aos gracejos dos ignorantes, e aos escárnios, mais malsãos ainda, dos sábios.
“Quanto à autenticidade desse fato, eu a garanto. Interrogai os oficiais que passaram esse longo inverno na Criméia, e não serão poucos os que vos contarão fenômenos de pressentimento, de visão, de miragem da pátria e de parentes, análogos ao que acabo de dizer-vos.
“Que é necessário disso concluir? Nada A não ser que termine minha correspondência de um modo lúgubre, e que saiba talvez o meio de dormir sem saber magnetizar.
“Théce.”
Assim como dissemos no começo, não pudemos constatar a autenticidade do fato; mas o que podemos garantir é a sua possibilidade. Os exemplos averiguados, antigos e recentes, de advertências de além-túmulo, são tão numerosos, que este nada tem de mais extraordinário que aqueles dos quais muitas pessoas, dignas de fé, foram testemunhas. Puderam parecer sobrenaturais em outros tempos; mas hoje que sua causa é conhecida, e psicologicamente explicada, graças à teoria Espírita, nada têm que escape às leis da Natureza Não lhe acrescentaremos senão uma só nota, é que, se esse oficial conhecesse o Espiritismo, saberia que o meio de reencontrar sua noiva não era o de se matar, porque essa ação pode dela distanciá-lo por um tempo bem mais longo do que aquele que tivesse passado na Terra. O Espiritismo ter-lhe-ia dito, por outro lado, que uma morte gloriosa, no campo de batalha, ser-lhe-ia mais proveitosa do que a que se deu voluntariamente, por um ato de fraqueza.
Eis um outro fato de advertência de além-túmulo, reportado pela Gazefte d’Arad (Hungria), do mês de novembro de 1858.
“Dois irmãos israelitas, de Gyek (Hungria), foram a Grosswardien, conduzirem, num pensionato, suas duas filhas com a idade de 14 anos. Durante a noite que seguiu à sua partida, uma outra filha de um deles, com a idade de 10 anos, e que ficara na casa, despertou em sobressalto, e contou, chorando, à sua mãe, que viu em sonho seu pai e seu tio, cercados de vários camponeses, que queriam fazer-lhes mal.
“De início, sua mãe não teve em nenhuma conta as suas palavras; mas vendo que não conseguiu acalmar a sua criança, levou-a à casa do chefe do lugar; está contou-lhe de novo seu sonho, acrescentando que havia reconhecido dois de seus vizinhos entre os camponeses, e que o acontecimento se passara na orla de uma floresta.
“O chefe do lugar enviou imediatamente ao domicílio dos dois camponeses que, com efeito, estavam ausentes; depois, a fim de se assegurar da verdade, expediu na direção indicada outros emissários, que encontraram cinco cadáveres nos confins de um bosque. Eram os dois pais, com as duas filhas e o cocheiro que os conduzira; os cadáveres foram lançados num braseiro para torná-los irreconhecíveis. Logo a polícia começou as investigações; ela deteve os dois camponeses designados no momento em que procuravam trocar várias cédulas sujas de sangue. Uma vez na prisão, confessaram seu crime, dizendo que reconheciam o dedo de Deus na pronta descoberta do crime.