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Alcoolismo: 10 Depoimentos

Autor: Damião Borges Marins

Nesses dezesseis anos de serviços prestados à comunidade, no amparo dos alcoólatras junto ao DESAATT–SBCAMPO e DESAT–TUPÃ, tivemos a oportunidade de ouvir milhares de depoimentos, sendo alguns tristes, outros pitorescos e alguns até engraçados.

Com autorização de nossos companheiros, selecionamos alguns depoimentos que, na verdade, dariam para escrever vários livros, depoimentos, os quais buscam do fundo do ser, suas ansiedades, suas mazelas, mas também trazem esperança, confiança e fé no futuro, eis alguns:

Caso 1

  • Nome: Maria Antonio
  • Data nascimento: 10.04.1936 – desencarne, agosto de 2000 (in memoriam)
  • Local: Gália – SP
  • Abstinência: 11 anos.

Eu, Maria Antonio, resolvi escrever a história da minha vida de alcoólatra. Tudo começou quando eu tinha apenas vinte anos. Engravidei, solteira, e tive que ir embora de casa, como acontecia com muitas coitadas; naquela época eu era completamente ingênua e tímida. E foi assim que eu andei perambulando pela vida, até encontrar um abrigo em São Paulo, onde parei alguns tempos. O abrigo existe até hoje e chama-se Exército da Salvação. Lá fiquei mais ou menos um ano. Tempos depois, nasceu minha filhinha e logo depois apareceu uma irmã minha (que já morreu) e ela me tirou de lá. Fui morar com ela em Taubaté, cidade do estado de São Paulo, mas não fiquei muito tempo com ela e quis voltar para São Paulo, com a intenção de trabalhar. No entanto, a minha vida de alcoolismo começou nesta época, mais ou menos, em 1958, e eu contava com vinte e dois anos, momento o qual passei a me empolgar com as coisas banais, da cidade grande e comecei a andar com as más companhias.

Então, duas vezes por semana, eu saía com a turma e bebia um pouco (bebida fraca), mas como eu tinha predisposição para o alcoolismo (e eu, não sabia), sem me dar conta, fui bebendo cada vez mais, até me tornar uma alcoólatra inveterada. No começo, ainda conseguia pagar um simples hotel para dormir e tomar banho. Aos vinte e sete anos de idade já me prostituía para poder beber e me drogar, pois já tinha aprendido a usar drogas também. Nessa época me degradei tanto, que já estava morando na rua, dormindo nos bancos de jardins, foi quando, com a graça de Deus, consegui um barraco, em uma favela no bairro do Bom Retiro em São Paulo. Foi nessa favela que eu conheci um senhor, também alcoólatra, onde passamos a morar juntos. Quando ele estava alcoolizado me batia muito. A favela foi desativada pela polícia, por causa de muita morte que acontecia lá. Meu companheiro conseguiu um emprego como garçom e fomos morar num cortiço, mas continuamos bebendo muito, e brigando bastante e eu apanhando sempre. Quando ele completou quarenta e quatro anos, ele ficou doente com hepatite, cirrose e diabetes; já fazia treze anos que eu estava naquele sofrimento, pois, às vezes, ou eu, ou ele, íamos presos por vadiagem ou arruaça.

Antes de irmos para o cortiço, dormimos muito embaixo de viadutos, com outros farrapos humanos como nós, pedíamos esmolas e a pinga era de litro, vinte e quatro horas por dia. Quando fomos morar no cortiço, num quartinho, já dava para tomar banho e fazer comida. Então pensei em parar de beber, mas não conseguia, foi, então, que meu companheiro, piorou do seu estado físico e depois de quatro anos de muito sofrimento e com muitas internações na Santa Casa, ele veio a falecer. Já fazia vinte anos que eu estava usando álcool, e alguns anos usando drogas, pois o álcool puxa a droga. Depois de cinco meses do falecimento do meu companheiro, eu me mudei para Tupã – SP, a pedido de minha mãe, pois antes ela não queria, por causa da bebida e do cigarro, pois ela era Evangélica. Minha filha, que não vi crescer, tinha se casado e abandonado a minha mãe, velha e doente. Eu, pouco valia para cuidar dela, pois continuei bebendo por mais dez anos, vivendo à mercê do álcool. Mamãe acabou morrendo, doente e desgostosa. Passaram-se três anos da morte de mamãe e meu estado de saúde piorou, já estava vomitando sangue. Eu nunca acreditei em Deus, resolvi, então, pedir que se ele existisse, que me desse uma luz para que eu pudesse sair do fundo do poço que estava, porque eu queria viver como gente e não como um defunto ambulante. Pedi com muita fé, pois realmente estava cansada de sofrer, queria sair daquela vida porca que eu estava.

E Deus me ouviu e atendeu meu pedido porque depois de uns dias, conheci duas casas de apoio: alcoólicos Anônimos e o DESAT – Depto. de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, que existem em Tupã – SP.

Eu já estava com cinquenta e dois anos perdidos, mas depois que maravilha! Minha vida foi mudando para bem melhor, que eu comecei a me sentir gente honrada, ainda graças a Deus e aos ensinamentos que recebi no DESAT.

Lá conheci gente, que como eu, tinha sofrido e feito a família sofrer e agora, sem os vícios malditos, hoje são felizes como eu, basta querer e pedir a ajuda de Deus misericordioso, que alcança. Foi Deus quem colocou as casas de apoio em nosso caminho para nos ajudar e nos incentivar a sairmos do fundo do poço escuro onde caímos. Graças a Deus, no dia 21 de fevereiro de 2000, estarei completarei onze anos de felicidade, por estar em total abstinência e sobriedade. Estou com sessenta e três anos e cheguei a essa idade porque mudei do vinho para a água, só as lembranças amargas que me deixam triste, mas é só eu entrar numa reunião de apoio, que eu fico feliz, mais ainda, aquelas pessoas, eu as considero como meus professores, que me ensinaram tantas coisas lindas para eu poder me afastar dos vícios. Que Deus me abençoe e abençoe os outros que estão em sobriedade, como eu e, por misericórdia, não nos desampare.

Agora tenho outro companheiro aqui em Tupã – SP, que considero muito, foi Deus que o colocou em meu caminho. Já são quinze anos de convivência; ele é muito bom para mim, ao contrário do outro, não bebe, é trabalhador e mais novo que eu, por isso, quando eu fico doente, ele cuida bem de mim, com muito carinho, faz o que pode, graças a Deus. Não estou mais sozinha e nem desamparada. Obrigada, Senhor meu Deus, também por isso.

Caso 2

  • Nome: José Aparecido Farinasso
  • Data Nascimento: 21.07.1957
  • Cidade: Tupã – SP
  • Abstinência: 10 anos.

Em 1969, eu contava com doze anos. Morava com meus pais, era apenas um garoto, mas como minha família era descendente de espanhóis, minha mãe tinha o costume de tomar vinho com pão de manhã. Foi nessa época que comecei a ter contato com o álcool. Minha mãe, talvez por não conhecer o problema do alcoolismo, fazia para mim uma mistura de vinho com água e açúcar e molhava o pão me dando de manhã. Com apenas quatorze anos, já estava bebendo dois litros de vinhos aos domingos, mal eu sabia que estava me tornando um alcoólatra, nesta época já estava trabalhando na Confeitaria Tartaruga em Tupã, como auxiliar de confeiteiro. O meu alcoolismo foi se agravando com as amizades que fui conhecendo, através de um conjunto de samba que formamos na confeitaria, pois eu já estava ingerindo a famosa cachaça e me tornando, assim, aos dezessetes anos, um inveterado alcoólatra.

Em 1975, eu estava me casando. Minha esposa, a qual já namorava há mais ou menos dois anos, pensava que nos casando, eu deixaria de beber, mas isso não aconteceu, pois meu alcoolismo foi se agravando. Continuava com meu emprego, pois apesar de ser um alcoólatra (eu não sabia), era muito responsável perante o trabalho, ou seja, não bebia em serviço.

Mas com o decorrer do tempo, a dependência foi aumentando e já estava necessitando beber antes de ir trabalhar, ou seja, já tomava a primeira dose logo de manhã. Os primeiros sintomas do alcoolismo começaram a aparecer: mãos trêmulas, vômitos, ressaca, dor de cabeça entre outros sintomas.

Em 1976, nascia o meu primeiro filho, foi quando, com a desculpa de comemorar, tomei todas que tinha direito, chegando a casa, carregado, descalço, como um indigente, situação que começou a virar rotina. Minha esposa, meus pais e meus filhos, pois já haviam nascido mais dois filhos, condenavam os meus procedimentos. Eu, envolvido pelo álcool, batia em minha esposa, quebrava os móveis da casa, corria atrás de meu filho mais velho, com faca, desrespeitava os meus pais, bem como os vizinhos, ofendendo-os com palavras de baixo calão, quando não era preso, cheguei a ser internado em hospital psiquiátrico, três vezes.

Em face de meu alcoolismo, tinha perdido a minha credibilidade profissional, já não ficava muito tempo em um serviço. Certa vez, trabalhando em uma padaria da cidade, cheguei ao ponto de pular o muro da padaria para poder ir até o bar e tomar uma bebida. Família e amigos, inclusive patrão, faziam de tudo para que eu pudesse parar de beber.

Em 1988, meu patrão, desta mesma padaria, que se preocupava muito comigo e me considerava um bom profissional, me fez um convite para irmos até a cidade de São José do Rio Preto – SP, para que eu tomasse uma vacina que davam numa clínica da cidade. Para fazer uma média com meu patrão, aceitei o convite.

Chegando a São José do Rio Preto, fomos à clínica onde já havia uma fila enorme de pessoas com problema semelhante ao meu. Depois de fazer nossa ficha de cadastramento, fui encaminhado para a grande fila. Meu patrão e sua esposa sempre me acompanhando. Conforme a fila andava, eu escutava comentários do tipo: Você viu fulano, tomou a vacina e depois bebeu, quase morreu, outro quase ficou cego, outro aleijado. Aquilo começou a me perturbar e a quase me fazer desistir da vacina, mas como tinha prometido ao meu patrão, não podia recuar naquele momento, e tomei a bendita vacina, que ti-nha uma duração de três meses, na qual eu passei a contar os minutos e segundos de cada dia, para que vencesse o prazo a fim de que eu pudesse beber, fase de minha vida na qual eu mais bebi.

Mas como Deus jamais se esquece de seus filhos, uma vizinha de nossa casa, em conversa com minha esposa, falou-lhe de um grupo espírita de recuperação de alcoólatras que estava sendo fundado em Tupã, com o nome de DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, convidando-nos para conhecer o grupo. Foi quando tomei a decisão mais certa de minha vida e fui com minha esposa conhecer o grupo. Começamos, então, todas as quintas-feiras, frequentar o grupo, foi, então, que através das palestras, dos depoimentos de companheiros como eu, é que comecei a tomar consciência de que sou um doente alcoólatra e, a partir daí, nunca mais coloquei uma gota de álcool na boca.

Hoje minha vida mudou, pois sou dono de uma padaria, tenho minha casa própria, moto, carro e vivo muito feliz, com as dificuldades que todos têm, mas sabendo enfrentá-las de cabeça erguida e, o mais importante, sóbrio.

Agradeço a Deus tudo que tenho recebido, à minha família que me suportou durante esse período de alcoolismo e a este grupo DESAT que é o alicerce da minha sobriedade. E desejo vinte e quatro horas de sobriedade aos meus irmãos alcoólatras.

Caso 3

  • Nome: Antônio Lopes dos Santos
  • Data nascimento: 28.12.1946
  • Cidade: Clementina – SP
  • Abstinência: 9 anos.

Aos dezessete anos de idade, comecei a participar, com amigos, de brincadeiras dançantes nas festinhas de jovens e adolescentes; logo comecei a me envolver com o álcool, pois a moda da época era a cuba-libre e, assim, foi aumentando e diversificando o meu consumo de bebida, passando para a cerveja e outras bebidas destiladas.

Com o passar do tempo, eu já estava bebendo todos os dias. Toda tarde encontrava com meus amigos, após o serviço, nos bares, para tomarmos os nossos aperitivos. Chegava a casa, já alterado pelo álcool, dando trabalho para o pai, a mãe, e fui crescendo e o alcoolismo crescendo comigo, pois não sabia que era um alcoólatra. Aos vinte anos me casei e como não poderia ser diferente, continuei a frequentar os bares. Cada vez mais, os problemas com minha esposa aumentavam, pois eu trocava, facilmente, o meu lar pelos bares.

Logo depois, nasceu a minha primeira filha, que hoje está com vinte e um anos; esta que eu não vi crescer, pois estava muito preocupado com meus colegas de copo e continuava cada vez mais a me afundar no álcool.

Continuei a beber até os meus quarenta e três anos de idade. Já tinha nascido o meu segundo filho, mas eu só me preocupava com o álcool, foi quando eu, através de um amigo, conheci um grupo de apoio de nossa cidade chamado DESAT–Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã –, que passei a frequentar todas as quintas-feiras, no qual pude ouvir muitas palestras de conscientização e depoimentos de pessoas, com o mesmo problema que o meu. A primeira reunião que tive a oportunidade de assistir foi muito marcante para mim, pois quando o primeiro companheiro se levantou e começou a dar seu testemunho, parecia que a pessoa estava falando para mim, ou seja, tudo que ele falava se encaixava de forma quase integral para o que eu já havia feito no meu alcoolismo. Houve mais alguns depoimentos e tudo aquilo foi mexendo com meu ser. No final da reunião, o coordenador deixou em aberto para quem quisesse dar ser voto, dizendo que era para deixar a vergonha na cadeira e vir até a frente dar o seu voto de abstinência, foi quando minha esposa, que estava me acompanhando me deu um “toque”, e eu entendi logo a mensagem. Levantei-me e fui dar o meu voto de abstinência, isso se deu em agosto de 1990, já estou com nove anos de abstinência, minha vida mudou completamente, hoje meus filhos me respeitam, vivo muito bem com minha esposa, temos nossos problemas, como todo lar tem, mas hoje sei enfrentá-los de cabeça erguida, sem precisar fazer uso do álcool.

Hoje estou aposentado, como atendente de enfermagem, e continuo trabalhando no asilo de velhos de nossa cidade, como auxiliar de enfermagem, para também complementar nossa renda familiar, mas estou muito feliz. Hoje sou outro homem, continuo em abstinência e frequentando grupos de apoio, dando minha contribuição àqueles que chegam aos grupos, nas mesmas condições em que eu cheguei. Gostaria de reforçar a todas as pessoas que irão ler este livro, que é fundamental ao alcoólatra, que quer se recuperar, frequentar um grupo de apoio, pois foi através de um grupo de apoio que pude entender que era um doente alcoólatra, através da conscientização, passando a evitar o primeiro gole e mudando meus hábitos. Não podemos nos esquecer de agradecer a Deus nosso Pai nem a Jesus, pois sem Eles eu não teria conseguido minha libertação.

Caso 4

  • Nome: José Carlos Martins
  • Data nascimento: 11.10.1950
  • Cidade: Tupã – SP
  • Abstinência: 7 anos.

Aos doze anos de idade, tive a infelicidade de ter um patrão alcoólatra, que todas as tardes me levava aos bares, para beber, começando com pequenas doses de Cinzano e, com o decorrer do tempo, passando pela cerveja e pela pinga. Nos bares todos se embriagavam, mas eu bebia bastante, mas não conseguia ficar bêbado e me achava forte e, ainda mais, que a bebida nunca iria me derrubar.

Em 1975, já trabalhando como mecânico, me casei, mas continuava a beber muito. Do casamento vieram dois filhos que não vi crescer; muitas vezes, fui convidado a frequentar grupos de apoio, mas recusava por achar que eu podia parar a hora que quisesse.

Comecei a perder tudo o que tinha, desde bens materiais como os morais. Estava totalmente tomado pelo álcool. Muitas vezes, tentava deixar de beber, mas o álcool falava mais alto; os meus amigos começaram a se afastar de mim. Procurando querer acertar, acabei comprando um bar, vendia um aperitivo e tomava três e acabava dormindo atrás do balcão. Quando não dormia atrás do balcão ou na rua, chegava a casa, discutia com toda a família e, às vezes, vomitava na sala. Muitas vezes, me machucava, caindo no banheiro ao tentar tomar banho; várias vezes caí de moto. Certa vez, estava tão embriagado, que peguei o meu carro e fui até um bar para beber, chegando lá, não consegui nem desligar o motor do carro, acabei adormecendo ali mesmo, acordando com a polícia, que me levou para a delegacia, apreendendo o carro e a minha carteira.

Cheguei a ponto de arrumar uma amante, a qual eu não escondia de ninguém, cheguei a levá-la para trabalhar no bar junto com meu filho. Foi nessa época que fui fiador de um amigo na locação de um barracão (oficina mecânica), sendo que esse meu amigo não honrou os seus compromissos, deixando uma grande dívida, para que eu pagasse. Foi quando vendi o bar para conseguir pagar as dívidas, e não consegui pagar tudo, então, assumi o barracão, voltando a trabalhar como mecânico. Essa foi a fase de minha vida que mais bebi, chegando ao fundão do poço, chegando quase a perder a família que tanto amava, e que o álcool estava me tirando. Mas Deus, que não se esquece de seus filhos, me mandou um amigo e ele me convidou para frequentar um grupo de apoio de nossa cidade denominado DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã.

Foi neste grupo, que comecei a entender, através das palestras, que pessoas de níveis mais elevados que o meu não se envergonhavam de dizer que eram alcoólatras. Passei a entender que também eu era um alcoólatra, dando o meu voto de abstinência em 22.07.1993. Daí para frente, minha vida começou a mudar, do vinho para a água, ou seja, em apenas cinco meses de abstinência, já tinha reconquistado minha família que depositou, em mim, total confiança e apoio, também tinha comprado um carro e meus clientes começaram a voltar a trabalhar comigo, pois sempre fui um bom profissional. Depois de três anos de abstinência, já tinha conseguido deixar de pagar aluguel e comprar um terreno, no qual construí minha própria oficina mecânica.

Hoje me sinto um homem, pois consegui coisas que, pelo que fiz, penso não merecer. Agradeço o apoio de minha família e dos companheiros de grupo do DESAT, este que me ajudou com minha conscientização de que sou um doente alcoólatra, mas entendi também, que posso viver muito bem, sem o uso do ÁLCOOL.

Caso 5

  • Nome: Valquiria Cristina Martins
  • Data nascimento: 3.02.1976
  • Cidade: Tupã – SP
  • Observação: filha de José Carlos Martins.

Alcoolismo, como definir esta palavra que, praticamente, acaba com muitas vidas, sem exceção de idade, quando não alertadas a tempo? Quantos de nossos jovens hoje não estão entrando neste caminho de ida e, muitas vezes, sem volta? É por esse motivo, meus amigos, que resolvi me abrir com vocês e falar sobre este assunto tão delicado para muitas pessoas que neste momento se encontram perdidas com o mesmo problema que tive com meu pai, alcoólatra, que me trouxe muitas infelicidades, mas hoje, com a graça de DEUS e com sua infinita misericórdia, posso dizer que tenho um pai maravilhoso e que também está presente em todos os momentos de minha vida.

Meu pai sempre foi um homem trabalhador e que nunca deixou de lutar pelos seus ideais; seu único problema era ser dependente do álcool, deixando, dessa forma, que a maldita bebida tomasse conta de seu corpo, cada dia mais e mais. Era muito difícil passar um fim de semana sem brigas, discórdias, em minha casa, causada pelo álcool. Eu não suportava os fins de semana por causa das discussões e também era muito triste ver meu pai, quem eu tanto amava, alcoolizado, quase caindo, parecendo um mendigo, que não tinha família e, acima de tudo, xingando sua própria família que tanto o amava e fazia de tudo para vê-lo feliz, livre desse vício que o perturbava tanto. Para ele, só prestava seus amigos de bar que adoravam vê-lo se autodestruindo; apenas meu pai não percebia as pessoas dando risadas pelas suas costas e dizendo que eu iria ver meu pai sendo enterrado, pois já havia começado a ter convulsões. Nessas horas minha única vontade era de chorar e, em meu pensamento, era de que quando meu pai acordasse tudo passaria e ele não mais beberia e tudo voltaria ao normal.

Quando chegava a época de festas, aniversários, Natais, passagem de ano era sempre muito triste, pois lá estava meu pai com um copo de cerveja na mão, alcoolizando-se, e o mais incrível era sua grande inocência em pensar que ele não era um alcoólatra, por esse motivo, a bebida não lhe faria mal algum, grande era sua tolice, e ainda mais difícil era vê-lo não apenas com um copo, mais atrás do primeiro viriam outros e mais outros, deixando-o cada vez mais dependente. Quanto sofrimento. O tempo foi passando e meu pai, quem tanto eu amava, foi se acabando com a bebida, e o pior, perdendo tudo o que havia conseguido com anos e anos de muita luta. Em 1991, compramos um bar, foi a pior fase de minha vida, ao invés de vender, ele bebia, passando, dessa forma, a se alcoolizar ainda mais e mais, o que apenas era nos fins de semana, agora não havia mais dia, e muito menos hora, todo dia era dia, toda hora era hora, por apenas uma porta de oitenta centímetros se passara tudo o que ele mais tinha de preciosidade. As pessoas que realmente o amava, já não o aguentavam mais, pois oferecer conselhos, de nada adiantava, a única pessoa que realmente podia ajudá-lo, nessa hora, era JESUS. Comecei a pedir, para o meu Pai criador que tocasse o coração de meu pai, aqui na Terra, pois eu sofria demais ao ver o meu paizinho, que eu tanto amava, naquela situação. Cheguei a chorar, quando uma de minhas tias, me disse que ela não tinha mais irmão e que eu, por minha vez, deveria fazer o mesmo, dizer que não tinha pai. Fiquei abismada, indignada, de ter ouvido aquele absurdo, eu não sabia o que falar, simplesmente, olhei no fundo dos olhos dela e lhe disse: “- Que por mais defeito que meu pai tenha, ele sempre será o meu pai e, apesar de tudo, eu tenho muita fé em DEUS e a certeza de que um dia, JESUS tocará seu coração, fazendo-o se sentir amado e precioso aos olhos de DEUS.”

E como para DEUS nada é impossível, esse dia de muita glória chegou-me trazendo muito orgulho de ter um pai que errou, mas que com o seu erro, aprendeu e deu a volta por cima, mostrando para todos, que é capaz, e é por isso, papai, que depois de tantas lutas e problemas, hoje posso te ver vencedor como sempre, pois nunca foi um perdedor, mas sim, uma pessoa com erros como outra qualquer, mas ainda com a melhor virtude de um ser humano, saber reconhecer onde errou, e ainda, meu pai, o senhor é minha razão de viver e nada neste mundo, me faz tão feliz quanto te ver assim; este pai herói que, apesar de tudo, me criou e me amou de tal forma, superando o que passamos e hoje digo a todas as pessoas que acompanharam nosso sofrimento que tão grandiosa foi a paz que DEUS me concedeu e a maravilha de ser agraciada pelo seu carinho e amor.

Eu sei que a sua luta será eterna, pois há muitas pessoas para atrapalhar, mas também reconheço a sua maior força de vontade e é por isso que o admiro tanto, e agradeço a DEUS por ter me dado a oportunidade de nascer no seio desta família que tanto amo. A vocês, papai e mamãe, todo meu amor que é do infinito.

Caso 6

  • Nome: Sebastião Eugênio Rodrigues da Silva
  • Data nascimento: 29.09.1957
  • Local: Rinópolis – SP
  • Abstinência: 6 anos.

Comecei a beber com treze anos, quando jogava futebol na zona rural, pois quando acabava o jogo, o pessoal vinha com um “litro de pinga” para distribuir para o pessoal em cima do caminhão. Eu, com a desculpa de esquentar para tomar banho, tomava apenas um golinho. Mas já pensando no próximo domingo, quando voltaríamos a jogar, para tomar mais um gole. Comecei a trabalhar em um escritório, em Tupã, e todas as tardes quando saía do serviço, passava no bar para tomar uma caipirinha e comer um salgadinho. Chegando a casa, tomava um banho, jantava e ia para escola, onde cursava a sétima série do ginásio.

Com o passar do tempo, às vezes, na volta da escola, quando o bar ainda estava aberto, parava para tomar uma cervejinha com os amigos e, assim, o tempo foi passando. Em cada fim de semana, nos reuníamos na casa de um dos amigos para tocar violão e cantar, tomávamos mais ou menos, um litro de caipirinha e algumas cervejas, acompanhados dos famosos “tira-gostos”. Quando havia bailes na nossa cidade, fazíamos apostas, que quem não dançasse, tinha que pagar uma rodada de cerveja, nessa pretensa brincadeira, bebíamos a noite inteira.

Em 1978, eu me transferi para a cidade de São Paulo, capital, como todos os jovens de minha época faziam. Já sentindo os primeiros efeitos maléficos do álcool, foram constatadas, por exame médico, através de uma Endoscopia, que eu estava com duas úlceras duodenais. Nessa época, já estava noivo, mas minha noiva tinha ficado em Tupã, aguardando que eu arrumasse um bom emprego para que pudéssemos nos casar, e eu, então, trazê-la para São Paulo. Entretanto, diante dos meus problemas com o álcool, fui obrigado, em 1979, a passar por uma cirurgia, na qual, quase me levou à morte. Com a graça de Deus, consegui me recuperar, e nessa época, já estava trabalhando em Santo André, no grande ABC Paulista, num despachante. Uma vez por mês, vinha a Tupã para visitar a família e minha noiva. Mas o álcool, ainda estava muito enraizado em minha pessoa, e eu continuava a beber muito, chegando a tomar, nas viagens que fazia, de quatro a seis latinhas de cervejas, sem contar os aperitivos que tomava nas paradas do ônibus. Chegava de madrugada, e não via a hora do comércio abrir para encontrar os amigos e irmos para os bares e clubes para beber, muitas vezes, esquecendo-me da família e da própria noiva.

Em 1980, eu me casei em Tupã e fomos morar em São Paulo. No começo de meu casamento, como não podia ser diferente, eu queria mostrar à minha esposa que eu era uma pessoa responsável e estava dosando meus aperitivos, tomando um litro de pinga, que dava para mais ou menos vinte dias, mas o álcool começou a falar mais alto dentro de mim e comecei a beber cada vez mais, foi quando nasceu o meu primeiro filho.

Continuei nessa toada até o nascimento da minha filha. A partir daí, foi quando as coisas começaram a descambar de vez, ou seja, comecei a beber compulsivamente, chegando ao ponto de não ver os meus filhos crescer, pois eu não tinha tempo, para eles, somente via em minha frente o álcool, continuava trabalhando no despachante, mas já estava bebendo durante o expediente escondido, mas escondido de mim mesmo, pois todos do escritório sabiam, menos eu.

Neste escritório, eu não tinha patrões, e, sim, pais e amigos, pois eles me consideravam muito, só eu que não percebia. Muitas vezes, tentaram me ajudar com conselhos, para que eu parasse de beber, mas eu não atendia; sempre só prometia que ia parar. Depois de muita insistência de meus patrões, chegando até a pagarem várias consultas médicas, sugeriram que eu fosse me tratar em uma clínica, de modo que eles pagariam todas as despesas. Foi a partir daí, que eu tomei a decisão de me tratar para fazer uma média com meus patrões.

Levaram-me para São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, onde eu fiquei quarenta e um dias internado, em um hospital psiquiátrico. Nesse hospital tive a oportunidade de me desintoxicar por meio do tratamento recebido por boa alimentação e nos horários certos, também dormia bem e saí de lá novinho em folha. Nesse ínterim minha família tinha voltado para Tupã. Voltei a trabalhar, mas comigo também voltaram os amigos de copos, pois como estava morando sozinho, ficava tudo mais fácil. Com o passar do tempo, comecei a me entregar totalmente ao álcool, chegando ao ponto de levantar de madrugada para beber. Pela manhã, aguardava a circulação dos ônibus para poder sair de casa e encontrar a primeira padaria aberta para tomar o primeiro gole do dia, procurando, assim, parar a tremedeira e os vômitos, porque, enquanto não bebesse, não parava de tremer. Foi quando resolvi pedir demissão e vir para Tupã. Minha esposa, muito desgostosa e doente, por muito sofrimento, já em tratamento médico na cidade de Marília, não acreditando mais em mim, solicitou a separação, que eu aceitei de pronto, pois sabia que o errado era eu, embora não admitisse. Nessa época, já estava totalmente dependente do álcool, pois já estava ingerindo mais ou menos dois litros de pinga por dia, fora as cervejas e os aperitivos. E me encontrava bastante debilitado, pois estava bebendo vinte e quatro horas por dia, estava desempregado, muito doente e totalmente perdido.

Foi quando, que pela luz de Deus, comecei a me lembrar, que já havia frequentado o A.A. (alcoólicos anônimos) em São Paulo, e comecei a tomar a consciência que tinha de me tratar, foi quando resolvi tomar uma atitude de homem e procurar um grupo de apoio em Tupã.

Foi então que, em 1992, internado na Santa Casa de Misericórdia de Tupã, para tratamento, um médico que estava me tratando me indicou um grupo de apoio denominado DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, para que eu pudesse frequentar as reuniões.

Em 1993, passei a frequentar o DESAT, mas ainda não estava consciente que era um doente alcoólatra, foi quando, uma irmã minha, querendo me ajudar, me levou à cidade de São José do Rio Preto, estado de São Paulo, em 20.02.94, para tomar uma vacina, numa clínica, vacina essa que, segundo algumas pessoas acreditavam, assim como minha querida irmã, podia curar o alcoolismo. Nessa data, tomei a primeira dose da vacina, e continuava a frequentar o DESAT, onde, através das informações recebidas, comecei a tomar consciência de que era um doente alcoólatra e, como uma ajuda paliativa, fui tomar mais duas doses da vacina. Hoje já com seis anos de abstinência, totalmente livre do alcoolismo, voltei a morar com minha esposa e meus queridos filhos, estou empregado e sou muito feliz, faço parte de vários grupos de apoio, sendo presidente eleito do (GDAAI) – Grupo de Apoio aos Alcoólatras Anjo Ismael, onde procuro ajudar meus irmãos a não passar pelo que passei. Agradeço a Deus a minha sobriedade, pois com ela, eu tenho tudo o que quero, e sem ela, não terei nada. Desejo aos meus queridos irmãos vinte e quatro horas de sobriedade, evitando o primeiro gole, e consciente e respeitando o álcool, sabendo ser ele, o responsável pela derrocada de muitos homens.

Caso 7

  • Nome: Jerônimo Gomes Pereira
  • Data nascimento: 01.10.1948
  • Cidade: Caculé – BA
  • Abstinência: 6 anos.

Nasci em 01.10.1948, filho de um pai que consumia álcool e fumo. Aos dezessete anos, incentivado por colegas e o próprio pai, passei a tomar a famosa caipirinha, tomando gosto pela maldita. Aos vinte anos, eu estava tomando pinga pura, de qualquer qualidade, e fumando todos os tipos de cigarros. Aos vinte e cinco anos passei a tomar cerveja, vinho, conhaque e outros. Eu andava em todos os bares e botecos. Aos trinta anos, já casado e pai de quatro filhos, continuava com os meus porres; no bar, era um palhaço, mas quando chegava a casa, minha mulher não podia comentar nada como, por exemplo, faltando alimento, que eu já quebrava o pau, mas graças a Deus nunca levantei o braço para bater nela.

Como eu estava bebendo muito, perdia vários empregos, pois meus patrões não mais confiavam em minha pessoa. Era um excelente profissional, como motorista, mas quando alcoolizado, não servia para nada. Foi nessa época, que minha esposa, cansada de tudo, abandonou-me levando os meus quatros filhos, partindo para o desquite; então, eu me afundei de vez no alcoolismo.

Aos quarenta anos, já desquitado, morando com minha mãe, em Tupã – SP, começaram a aparecer os problemas com o álcool. Quando levantava de manhã, ao escovar os dentes, tinha muito vômitos, mas culpava a pasta de dente, estava com problemas no estômago e tinha muitas diarreias. Tentei parar de beber quatro vezes, mas não tinha força, o álcool falava mais alto. Alguns amigos começaram a me abandonar, com pouco caso e desprezo, nesse momento, percebi que estava no fundo do poço. Minha irmã, Geralda, sempre me dava conselhos, pedindo para que eu deixasse o álcool e saísse daquele sofrimento.

Foi quando, aos quarenta e cinco anos de idade, eu consegui aceitar os conselhos de minha irmã e de um compadre, e fui procurar um grupo de apoio. Foi quando no dia 12 de fevereiro de 1994, às 20h horas, eu dava entrada no DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, e através das palestras de conscientização que lá ouvi, passei a entender que era um doente alcoólatra e dei o meu voto de abstinência no dia 12 de fevereiro de 1994, sendo que dessa data em diante, minha vida mudou completamente.

Hoje, estou com cinquenta e um anos e seis anos de sobriedade, deixei a bebida e o cigarro, continuo frequentando os grupos de apoios de nossa cidade, pois é fundamental a frequência num grupo de apoio. Agradeço a Deus, nosso Pai, em primeiro lugar; à minha querida irmã, pelos seus conselhos e, finalmente, ao DESAT, por eu ser hoje um homem novo. Meus filhos me aceitaram de volta como pai, estou empregado na Prefeitura Municipal de Tupã, já há seis anos. Peço a Deus que nos abençoe e, aos meus amigos alcoólatras, desejo vinte e quatro horas de sobriedade.

Caso 8

  • Nome: José Barbosa das Neves
  • Data de nascimento: 20.03.1960
  • Cidade: Parapuã – SP
  • Abstinência: 6 anos.

Aos quatorze anos, já morando em Tupã, trabalhava em uma pequena fábrica de calçados, e na hora do almoço, por influência dos meus companheiros de trabalho, íamos à padaria para tomar um aperitivo (caipirinha), com pretexto de abrir o apetite. Com o passar dos tempos, já estava bebendo em média quatro caipirinhas nos fins de semana. Saíamos da firma, nos fins de semana ao meio-dia, e chegava a casa à tarde, completamente embriagado; a caipirinha já estava ficando fraca para mim, passei, então, a tomar só conhaque e, assim, já com dezesseis anos, o álcool foi tomando conta de mim.

Em 1976, fui trabalhar em outra firma de confecções de calçados, pois a que eu trabalhava havia fechado, mas meu alcoolismo continuava de vento em popa. A minha sorte era que, graças a Deus, eu tinha um organismo forte, comia bem, dormia bem e não era de perder dia de serviço, sendo um excelente profissional.

Em 1981, fui trabalhar numa fábrica de calçados em Agudos – SP, e por estar longe de meus pais e de meus amigos de copos, afundei-me de vez no alcoolismo. Morávamos em uma república, oito pessoas, dessas oito pessoas, só duas não bebiam. Cada quinze dias, eu vinha a Tupã para visitar os meus pais, nesses dias, procurava não beber para não assustar minha família.

Foi numa dessas viagens que conheci uma garota, a qual, depois de três anos de namoro, casamo-nos. Nessa época, passei a morar em Tupã, vindo a trabalhar em outra fábrica de calçados. Desse casamento, surgiu uma linda menina, que hoje conta com dezesseis anos, mas que, infelizmente, não tive a oportunidade de ver crescer, pois o álcool tomava quase todo o meu tempo livre.

Nessa oportunidade, morávamos numa granja, onde minha esposa trabalhava. Por causa do álcool, acabamos nos separando em 1988, onde ela passou a morar com a nossa filha na cidade de Santos – SP.

Passei a morar com um irmão, por uns tempos, mas meu irmão também veio a se separar de sua família, pelo mesmo motivo que eu, ou seja, o álcool. Por insistência de minha mãe, voltamos a morar com meus pais, por ironia do destino os dois filhos alcoólatras.

Certo dia, um amigo da família veio visitar os meus pais, mas eles tinham ido à casa de minha irmã, então, ele me pediu que o acompanhasse até a casa de minha irmã. Eu concordei prontamente e fomos para casa de minha irmã, em sua moto. Chegando ao nosso destino, foi só alegria, pois meus pais eram muito amigos dessa pessoa e, com essa alegria toda, eu e meu amigo tomamos tudo o que tínhamos direito em cerveja. Foi na volta para nossa casa, que o meu destino se clareou, ou seja, sofremos um acidente grave com a moto e nós dois fomos para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), na qual eu fiquei internado por uma semana e meu amigo, que quase morreu, ficou internado quase um mês.

Quando tive alta do hospital, continuei meu tratamento em casa, tomando os remédios, que o médico tinha prescrito. Como estava tomando antibióticos, não podia de forma alguma beber. Mas foi só eu melhorar um pouquinho, que meu alcoolismo voltou com tudo. Tentava parar de beber, mas não conseguia, parava alguns dias, mas cada vez que eu parava, eu voltava a beber em doses maiores. Certo dia, já recuperado do acidente que me deixou sequelas, ou seja, fiquei com a perna direita, menor, três centímetros, e escutando um programa de rádio de nossa cidade, ouvi o locutor falar sobre um grupo de apoio chamado DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, que funciona em uma casa espírita chamada Instituto de Assistência e Difusão Espírita Alan Carlos, rua Assur Bitencourt, 851 em nossa cidade, com reuniões às quintas-feiras às 20 horas.

Cansado de sofrer com o alcoolismo, não pensei duas vezes, passei a frequentar o grupo de apoio, e foi nesse grupo, com a Graça de Deus e com as palestras e depoimentos, comecei a entender que sou um doente alcoólatra, e no mês de março de 1994, numa das reuniões, dei o meu voto de abstinência, voto esse que até hoje honro com muito orgulho.

Minha vida mudou completamente, hoje tenho uma nova companheira, uma enteada que me respeita como pai, estou empregado na Prefeitura Municipal de Tupã e estou terminando de construir minha casa. Minha família anterior está muito feliz por eu ter deixado o álcool; minha filha me visita todos os anos, enfim, deixei o homem velho para trás e pretendo continuar a minha vida, sem o álcool, que me trouxe muito sofrimento e desilusão. Aos meus amigos de grupo, desejo vinte e quatro horas de abstinência e sobriedade.

Caso 9

  • Nome: Juraci Martins Cardoso
  • Data de nascimento: 8.06.1953
  • Local: Pirapozinho – SP
  • Abstinência: 4 anos.

Sou filho de lavrador e, com um ano de idade, nós nos mudamos para uma fazenda, na região de Tupã. Cursei até o terceiro ano do primário, no bairro chamado Marco Oito, distrito de Herculândia – SP. Aos seis anos de idade, já ajudava meu pai na roça. Em 1964, nós nos mudamos para Tombadouro, no Es-tado da Bahia, que ficava no município de Sento Sé. Desde pequeno, sempre fui uma criança muito insegura e revoltada e, aos sete anos de idade, tive tétano, quando se agravou mais o meu sistema nervoso. Nesta cidade, meu pai começou a trabalhar no co-mércio (secos e molhados) com sociedade com um amigo. Foi nesta cidade, mesmo ajudando o meu pai no balcão, consegui terminar o primário.

Em 1966, meu pai se desentendeu com o seu sócio e voltamos para a roça, e como a nossa cidade ficava à beira do Rio São Fran-cisco, começamos a também pescar, para ajudar na renda da família. Em 1969, papai já estava de volta à cidade, com um bom emprego, época em que eu fui para outro município trabalhar em um bar, já estava com quinze anos, e consegui muita amizade e respeito entre os convivas da cidade. Du-rante essa época, comecei, junto com os meus amigos, a tomar os primeiros aperitivos nas festas e serenatas muito comuns nos fins de semana; era muito namorador.

Em 1974, resolvi ir para São Paulo, capi-tal, onde consegui um emprego numa firma metalúrgica, na Freguesia do Ó. Durante dois anos, morei com meu irmão, sendo que os meus patrões gostaram muito do meu servi-ço, mas em função da cidade grande, eu ti-nha muito medo e era uma pessoa insegura. Em 1976, a firma mudou-se para Guarulhos – SP, e eu fui junto. Tendo em vista que eu ganhava muito pouco, fui morar em um “cor-tiço” perto de uma grande favela, ali, conheci vários companheiros, na mesma situação que eu, então, começamos a beber junto, au-mentando cada vez mais as minhas doses. Foi através do álcool que comecei a notar que, cada vez que eu bebia, me tornava mais liberto dos meus medos, ficava mais corajoso e me soltava mais nas brincadeiras. Nesse espaço de tempo, por ironia do destino, fui promovido na empresa, passando a ganhar mais como Inspetor de Qualidade, e como eu estava com mais dinheiro no bolso, torrava tudo nos botecos e bailes da cidade, fazia muitas excursões para Santos – SP, regadas a muito álcool e mulheres.

Comecei a sentir que os verdadeiros ami-gos se afastavam de mim, quando algum queria me dar algum tipo de conselho, eu os tratava muito mal, dizendo-lhes que o dinhei-ro era meu e ninguém tinha nada a ver com isso. Embora vivesse sempre alcoolizado, eu era muito responsável, chegando a trabalhar nesta firma, dezesseis anos, mas por envol-vimento com funcionárias da firma e por já não acompanhar o progresso desta, resolvi pedir a conta; foi, então, que eu me afundei de vez no alcoolismo. Passaram-se quatro anos e eu continuava a me degradar, morei algum tempo com uma mulher, mas não deu certo, trabalhei numa borracharia, onde ali, eu trabalhava, comia e dormia. Nessa época cheguei até a frequentar a famosa “boca do lixo”.

Em 1994, sabendo que meus pais esta-vam residindo em Tupã – SP, resolvi vir mo-rar com eles, tentando novos empregos, mas o álcool não deixava, cheguei a trabalhar até de boia-fria mas, muitas vezes, não conse-guia nem ir para a roça, pois não tinha força. Às vezes, minha mãe levava comida no meu quarto, pois não tinha forças de levantar da cama, chegando ao ponto de minha mãe ter de me dar comida na boca. Foi quando que, através de uma amiga, tomei conhecimento de um grupo de apoio da cidade chamado DESAT, mas rejeitei o convite de conhecer o grupo, achando que eu não era alcoólatra, mas depois de muita insistência, acabei acei-tando o seu convite e, levado pelo seu mari-do, fui conhecer o DESAT.

Em 6 de junho de 1996 eu dava entrada no grupo de apoio. Fiquei maravilhado com o que se falava naquele recinto, pois falavam muito de Deus, de Jesus e de como devía-mos agir para parar de beber, sem contar, os depoimentos maravilhosos que eu tive opor-tunidade de ouvir e ver. Desse dia em diante, tomei consciência que era um doente alcoó-latra, dando o meu voto de abstinência no dia 13 de junho de 1996, sendo que desta data em diante, nunca mais coloquei uma gota de álcool na boca. Hoje me encontro muito feliz, encontrei algumas barreiras em minha vida, mas já consigo vencê-las sem o uso do álcool.

Cheguei a ser um Inspetor de Qualidade número um na firma que trabalhei em São Paulo, mas em função do álcool, distanciei-me de Deus e de todos os que me amavam, chegando a ficar no fundo do poço. Entretan-to, hoje trabalho como servente de pedreiro, mas consegui reconquistar minha integridade moral e faço parte de vários grupos de apoio, nos quais procuro passar aos meus irmãos minha experiência de vida. Quero deixar, a todos os que lerem nossas experiências, as duas poesias abaixo que já na minha sobrie-dade consegui fazer:

Desat

Desat é um grupo fraterno

Que está pronto para acolher

Aquele irmão alcoólatra

Que não consegue vencer

*

Vencer o álcool sozinho

É uma barra pesada,

Quem sabe dentro de um grupo

A gente resolve a parada

*

São apenas quatro coisas

Que nós temos que aprender

E guardar bem na memória

Pra nunca mais esquecer

*

Evitar o primeiro gole

E se conscientizar

Procurar mudar de hábitos

E as reuniões frequentar

*

O resto se aprende aos poucos

Temos muito que aprender

Coisas novas pela frente

Irão sempre aparecer

*

Aqui tem a parte evangélica

Que pra nós é importante

Porque fala em Jesus Cristo

De quem estamos distante

*

Depois vêm os passes

Ou fluidoterapia

Para nos fortalecer

Nos dando mais energia

*

Tem a terapia em grupo

Que também é muito boa

Porque falamos para os outros

Tudo da nossa pessoa

*

E DESAT é isso aí

Como diz o Damião

Amar sempre uns aos outros

Do fundo do coração.

O alcoólatra

Bêbado, pobre bêbado

Perambulando pelas ruas

Não queira culpar os outros

Porque a culpa é toda sua

*

Não culpe a sua esposa

Seu patrão nem o Presidente

Procure sempre lembrar

Que você é um doente

*

Uma doença incurável

Que da qual é portador

Pois pra curar este mal

Ainda não existe doutor

*

Só existem dois caminhos

Para você escolher

Evite o primeiro gole

Se não prefere morrer!

*

E mesmo depois da morte

Irá sofrer as consequências

Porque foi um suicida

Mesmo sem ter consciência

*

Não pense que eu sou um poeta

Pois muito mal eu sei escrever

Eu sou apenas um alcoólatra

Igualzinho a você

*

Um alcoólatra que encontrou

Um caminho para o bem

Pois encontrei o Desat

Venha pra cá você também

*

Não existe só o Desat

Tem o GDAI e tem o AA

Só depende de você

Pra sua vida mudar.

Caso 10

  • Nome: Paulo de Oliveira
  • Data de nascimento: 27.08.1950
  • Cidade: Pindorama – SP
  • Abstinência: 1 ano.

Saí de Pindorama com dezessete anos de idade e fui tentar a vida em São Paulo, capital. Trabalhava em uma mercearia no bairro de São Mateus, e foi servindo os fregueses que comecei a ter contato com o álcool. Passei por diversos empregos, sempre bebendo cada vez mais, sem conseguir me firmar em nenhum emprego, pois meus patrões não acreditavam em minha pessoa.

Em 1969, consegui emprego como cobrador de ônibus, passando por mais de vinte empresas, por causa do álcool. Foi quando, através de um amigo, fui levado a conhecer o A.A. (alcoólatras anônimos), em 1980, quando permaneci oito anos em abstinência, sem ingerir o famigerado primeiro gole.

Em 1988, mudei para a cidade de São José do Rio Preto – SP, trabalhando como vendedor ambulante, visitando toda aquela região. Certo dia, estava em Bernardino de Campo – SP, fazendo minhas vendas e já passava das quinze horas, o calor era terrível, foi, então, que entrei numa lanchonete para tomar um refrigerante. Foi quando me ofereceram um copo de Coca-Cola, mas continha também “álcool”, foi como se tivessem acordado um tubarão faminto dentro de mim. Daquele momento em diante, passei a beber compulsivamente, passando a perder tudo o que tinha, deixando para trás, oito anos de abstinência, chegando à degradação total. Passei a morar embaixo de pontes, nos bancos de jardins, andando com más companhias, chegando ao fundo do poço, não respeitando a própria família.

Passei por diversas internações psiquiátricas, em hospitais de nossa região, ficando um período internado, outro na rua, em torno de nove anos. E foi em uma dessas minhas “saídas e entradas” de hospitais, que fui parar em Brasília – DF. Fiquei na capital do país, perambulando de bar em bar e pelas ruas da cidade, por mais ou menos oito dias.

Foi quando através da Assistência Social de Brasília, consegui uma passagem para Jundiaí – SP, chegando à cidade, dia 10 de setembro de 1999. Foi quando comecei a refletir sobre minha vida de muito sofrimento por causa do álcool e tomei uma decisão muito importante: deixaria de beber, a qualquer custo, e modificaria a minha vida.

Resolvi, então, me transferir para a cidade de Tupã, pois as diversas vezes que lá estive internado, conheci muitos amigos que me ajudaram muito. Chegando lá, conheci o DESAT – Departamento de Socorro aos Alcoólatras de Tupã, grupo este que me ajudou muito a compreender o meu problema, conscientizando-me que sou um doente alcoólatra. Hoje faço parte de vários grupos de apoio da cidade, entre eles o MERA, o GDAAI, o AA e o DESAB da cidade vizinha de Bastos, procurando sempre conservar minha sobriedade. Estou muito feliz, pois hoje sou um homem novo, deixando aquele homem velho para trás, tenho fé em Deus que nunca mais voltarei a colocar uma gota de álcool na boca.

Dica

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