Revista Espírita, abril de 1861
O Siècle de 2 de março de 1861 relata o seguinte:
“Num terreno baldio, na curva do caminho dito da Arcada, que vai de Conflans para Charenton, operários em trabalho, ontem pela manhã, encontraram enforcado num pinheiro muito alto um indivíduo que se suicidara.
Avisado, o comissário de polícia de Charenton foi ao local, acompanhado pelo doutor Josias e procedeu aos exames.
Diz o Droit que o suicida era um homem de uns cinquenta anos, de fisionomia distinta, vestido decentemente. De um de seus bolsos retiraram um bilhete a lápis, assim redigido: “Onze horas e três quartos da noite; subo ao suplício. Deus me perdoará os meus erros.”
O bolso continha ainda uma carta sem endereçamento e sem assinatura, cujo conteúdo é o seguinte:
“Sim, lutei até o limite! Promessas, garantias, tudo me faltou. Eu podia chegar; tinha tudo a crer, tudo a esperar; uma falta de palavras me mata; não posso mais lutar. Abandono esta existência, desde algum tempo tão dolorosa. Cheio de força e de energia, sou obrigado a recorrer ao suicídio. Tomo Deus por testemunha de que eu tinha o maior desejo de pagar minhas dívidas para com os que me haviam ajudado no infortúnio. A fatalidade me esmaga. Tudo se ergue contra mim. Abandonado subitamente por aqueles que representei, sofro a minha sorte. Morro sem fel, confesso-o, mas, por mais que digam, a calúnia não impedirá que nos últimos momentos eu não tenha por mim nobres simpatias. Insultar o homem que se reduziu à última das resoluções seria uma infâmia. É bastante tê-lo reduzido a isto. A vergonha não será toda minha. O egoísmo ter-me-á matado.”
Conforme outros papéis, o suicida era um tal Alfred Leroy, de cinquenta anos, originário de Vimoutiers, Orne. A profissão e o domicílio são desconhecidos e, após as formalidades de praxe, o corpo, que ninguém reclamou, foi para o necrotério.
1. (Evocação)
─ Não venho como supliciado. Estou salvo. Alfred.
OBSERVAÇÃO: As palavras “estou salvo” deixaram espantada a maioria dos assistentes. A explicação foi pedida na sequência da conversa.
2. ─ Soubemos pelos jornais do ato de desespero pelo qual sucumbistes e, embora não vos conheçamos, vos lamentamos, porque a religião manda apiedar-nos da sorte de todos os nossos irmãos infelizes, e é para vos testemunhar simpatia que vos chamamos.
─ Devo calar os motivos que me impeliram a esse ato de desespero. Agradeço o que fazeis por mim. É uma felicidade, uma esperança a mais. Obrigado!
3. ─ Podeis dizer-nos, primeiro, se tendes consciência de vossa situação atual?
─ Perfeita. Sou relativamente feliz. Não me suicidei por causas puramente materiais. Crede que havia outras, e minhas últimas palavras o demonstraram. Foi um pulso de ferro que me pegou. Quando encarnei na Terra, vi o suicídio no meu futuro. Era a prova contra a qual tinha que lutar. Eu quis ser mais forte que a fatalidade e sucumbi.
OBSERVAÇÃO: Ver-se-á logo que esse Espírito não foge à sorte dos suicidas, a despeito do que acaba de dizer. Quanto à palavra fatalidade, é evidente que nele é uma lembrança das ideias terrenas. Leva-se à conta da fatalidade todas as desgraças que não se pode evitar. Para ele, o suicídio era a prova contra a qual tinha que lutar. Cedeu ao arrastamento, ao invés de resistir, em vista do seu livre-arbítrio, e julgou que estivesse em seu destino.
4. ─ Quisestes escapar a uma situação desagradável pelo suicídio. Ganhastes alguma coisa com isto?
─ Aqui está o meu castigo: a confusão do meu orgulho e a consciência da minha fraqueza.
5. ─ Segundo a carta encontrada convosco, parece que a dureza dos homens e uma falta de palavra vos conduziram à própria destruição. Que sentimento experimentais agora pelos que foram a causa dessa resolução funesta?
─ Oh! Não me tenteis, não me tenteis, eu vo-lo peço.
OBSERVAÇÃO: Esta reposta é admirável. Ela pinta a situação do Espírito lutando contra o desejo de odiar os que lhe fizeram mal, e o sentimento do bem, que o impele a perdoar. Ele teme que esta pergunta provoque uma resposta que a sua consciência reprova.
6. ─ Lamentais o que fizestes?
─ Eu vos disse: meu orgulho e minha fraqueza são a sua causa.
7. ─ Em vida críeis em Deus e na vida futura?
─ Minhas últimas palavras o provam. Marcho para o suplício.
OBSERVAÇÃO: Ele começa a compreender sua posição, sobre a qual a princípio pôde ter uma ilusão, porque não podia ser salvo e marchar para o suplício.
8. ─ Tomando essa resolução, que pensáveis que vos aconteceria?
─ Eu tinha bastante consciência da justiça para compreender o que agora me faz sofrer. Por um momento tive a ideia do nada, mas logo a repeli. Se tivesse tal ideia não me teria matado. Antes teria me vingado.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta é, ao mesmo tempo, muito lógica e muito profunda. Se ele acreditasse no nada após a morte, ao invés de se matar, ter-se-ia vingado ou, pelo menos, teria começado por vingar-se. A ideia do futuro o impediu de cometer um duplo crime. Com a ideia do nada, o que teria a temer, se queria tirar a própria vida? Não mais temeria a justiça dos homens e teria o prazer da vingança. Tal a consequência das doutrinas materialistas, que certos sábios se esforçam em propagar.
9. ─ Se estivésseis bem convencido de que as mais cruéis vicissitudes da vida são provas muito curtas em presença da eternidade, teríeis sucumbido?
─ Muito curtas, eu o sabia, mas o desespero não pode raciocinar.
10. ─ Suplicamos a Deus que vos perdoe e em vosso favor lhe dirigimos esta prece, à qual todos nos associamos: “Deus todo-poderoso, sabemos a sorte reservada aos que abreviam os seus dias, e não podemos entravar a vossa justiça. Mas sabemos também que vossa misericórdia é infinita. Possa ela estender-se sobre a alma de Alfred Leroy! Possam, também, nossas preces, mostrando-lhe que há na Terra seres que se interessam por sua sorte, aliviar os sofrimentos que padece por não ter tido a coragem de suportar as vicissitudes da vida! Bons Espíritos, cuja missão é aliviar os infelizes, tomai-o sob vossa proteção; inspirai-lhe o pesar pelo que fez e o desejo de progredir por novas provas que saberá suportar melhor.
─ Esta prece me faz chorar, e desde que choro, estou feliz.
11. ─ Dissestes no começo: agora estou salvo. Como conciliar estas palavras com o que dissestes depois: marcho para o suplício?
─ E como considerais a bondade divina? Eu não podia viver. Era impossível. Credes que Deus não veja o impossível neste caso?
OBSERVAÇÃO: Em meio a algumas respostas notavelmente sensatas, há outras, e esta é desse número, que denotam neste Espírito uma ideia imperfeita de sua situação. Isto nada tem de admirável, se se pensar que ele está morto há poucos dias.
12. (A São Luís). ─ Podeis dizer qual a sorte do infeliz que acabamos de evocar?
─ A expiação e o sofrimento. Não, não há contradição entre as primeiras palavras desse infortunado e as suas dores. Ele se diz feliz. Feliz pela cessação da vida. Como ainda está preso aos laços terrenos, ainda não sente senão a ausência do mal terreno, mas quando seu Espírito elevar-se, os horizontes da dor, da expiação lenta e terrível desenrolar-se-ão à sua frente e o conhecimento do infinito, ainda velado aos seus olhos, ser-lhe-á o suplício que entreviu.
13. ─ Que diferença estabeleceis entre este suicida e o da Samaritana? Ambos se mataram de desespero, contudo sua situação é bem diversa: este se reconhece perfeitamente; fala com lucidez e ainda não sofre, ao passo que o outro não se julgava morto e desde os primeiros instantes sofria um suplício cruel, o de sentir a impressão de seu corpo em decomposição.
─ Imensa diferença. O suplício de cada um desses homens reveste o caráter próprio de seu progresso moral. O último, alma fraca e quebrada, suportou tanto quanto acreditou. Duvidou de sua força, da bondade de Deus, mas não blasfemou nem maldisse; seu suplício interior, lento e profundo, terá a mesma intensidade de dor que a do primeiro suicida. Apenas não é uniforme a lei da expiação.
NOTA: A história do suicida da Samaritana está na Revista de junho de 1858.
14. ─ Aos olhos de Deus, qual o mais culpado e qual o que sofrerá o grande castigo: aquele que sucumbiu à sua fraqueza ou aquele que por sua dureza foi levado ao desespero?
─ Seguramente o que sucumbiu pela tentação.
15. ─ A prece que por ele dirigimos a Deus lhe será útil?
─ Sim. A prece é um orvalho benéfico.