Autor: Arthur Bernardes de Oliveira
Nós fizemos amizade porque estivemos juntos mais de vinte anos. Ele, com a sua banca de sapateiro; eu, com a minha de delegado da Receita Federal, ambos na parte baixa da Rua Espírito Santo, em Juiz de Fora. Fazíamos a hora do almoço, conversando. Um dia ele me convidou para assistir a uma sessão na Tenda do Pai Tobias, condenada a desaparecer, porque o terreno onde estava localizada já havia sido desapropriado, para, por ele, passar uma nova avenida.
Eu fui. Estava interessado em conhecer um pouco mais da Umbanda e queria ver se alguma coisa havia mudado nos últimos trinta anos. Eu já tivera algum contato com terreiros de Umbanda, na década de cinquenta, comparecendo a alguns trabalhos para fazer palestra que ninguém queria ouvir.
Américo é um médium natural, setenta anos, sem qualquer conhecimento, sem leitura nenhuma. Mas um médium com bom potencial no campo da cura. Um dia eu aconselhei:
– É preciso estudar, Sr. Américo. O senhor e sua companheirada.
– Precisa, não, doutor! (Ele só me chamava de doutor!) A gente fica sem saber, quando o médium está recebendo, se o que ele fala é do Espírito ou da leitura – justificava ele.
Um dia me procurou querendo ajuda para construir o seu centro.
– “Tenda!” – disse-lhe eu.
– Não; é centro mesmo, doutor: Centro Espírita Joana d!Arc! – falou ele com convicção.
Fiz de tudo para tirar do nome a palavra “espírita” e para trocar “centro” por “tenda”. Não houve jeito! Já havia estatuto registrado, CGC etc.
– E por que Joana d!Arc? – provoquei.
– O doutor não sabe? Joana d´Arc foi a maior feiticeira que já houve no mundo. A Igreja queimou ela e depois fez ela santa! – esclareceu.
– Tá bem – disse-lhe eu. Eu vou ajudar você, mas tem uma condição: sua tenda, seu terreiro, seu centro, como você está dizendo, será exclusivamente de Umbanda. Nada de Quimbanda!
Ele não queria concordar, dizendo que a Umbanda sem a Quimbanda fica fraca, perde a força. Eu o convenci de que o mal não dá força a ninguém; que já tem tanta gente fazendo o mal em tantas atividades; que a única coisa realmente boa na vida é o bem que a gente faz etc. etc. etc.
Pusemos a mão na obra. Não foi difícil construir o primeiro centro. As pessoas a quem pedíamos tinham medo que algo de ruim acontecesse a elas ou a seus familiares, se por acaso não ajudassem. Aquela ajuda parecia-lhes um pacto, a compra de uma vida futura tranquila e feliz!
Num instante, o centro ficou pronto. Mas nem chegamos a inaugurar. Veio uma chuva, mas uma chuva, um pé d`água que o barranco desceu e engoliu nosso centro! Quebrou tudo! Não sobrou nada!
Eu não estava em Juiz de Fora quando isso aconteceu. Só vim a saber, dias depois, quando, retornando ao trabalho, Sr. Américo, com cara de choro, desanimado, me falou:
– Doutor, não te conto nada! Nosso centro acabou!
Meu amigo era só desolação!….
– Nosso, vírgula – brinquei eu. Seu. Ou melhor sua! Sua tenda. Eu não lhe falei para não chamar aquilo de centro? Centro é para casas espíritas. Espiritismo de mesa. De Kardec. Que é o único Espiritismo de verdade! O resto é imitação. Pode até parecer, mas não é! Umbanda não é Espiritismo! É mediunismo; é manifestação mediúnica; conversa com Espíritos desencarnados. Algumas tendas até muito bem intencionadas, mas nada de Espiritismo!
– Desisti, doutor! Nem centro, nem tenda, nem nada! Nunca mais! – era o desabafo de quem parecia estar vendo a vida chegar ao fim.
Aí eu brinquei com ele:
– Que é isso, rapaz. (Um rapaz de setenta anos!) Você não conhece o provérbio que diz que cesteiro que faz um cesto, faz um cento? Esse provérbio é irmão de outro que nos toca bem de perto: “centreiro” que faz um centro, faz dois, faz, cem, faz mil. Vamos lá, cadê a lista?
Pegamos uma folha de papel e colocamos no cabeçalho: “Nosso Centro acabou. Nem chegamos a inaugurar! Uma chuva danada tomou-o de nós! Você que nos ajudou a construir o primeiro, poderia ajudar-nos a construir o segundo?” Seus olhos se iluminaram. E saímos à luta: à procura de amigos.
A construção do segundo centro foi mais fácil do que a do primeiro. Afinal, a gente já tinha alguma prática…
Tive que ir à inauguração. Ele dizia que eu era uma coluna do centro. Se eu não fosse o centro ficava capenga! Depois lhe falei com franqueza: Olha, Sr. Américo. Minha missão terminou aqui. Não vou frequentar sua Tenda. O senhor sabe, eu sou espírita. Ele, rápido: – Também sou! – Não! O senhor é um bom médium; bem intencionado; tem ajudado muita gente, mas o senhor não é espírita. Não há por que eu frequentar a sua Tenda. Somos amigos, continuaremos amigos, quero o seu progresso material e espiritual, mas nossos campos de trabalho não têm pontos comuns.
Mesmo assim, durante muitos anos, tive que comparecer ao Centro do Senhor Américo, nos dias 27 de setembro, para distribuir às crianças os primeiros pacotes de doces, na homenagem que os umbandistas, todos os anos, prestam a Cosme e Damião.
Américo é católico. Não perde uma missa. Batiza os filhos, casa-os na Igreja, acompanha procissões e recebe seus pretos-velhos nas noites de sextas-feiras. É um homem bom. Educado, prestativo, sempre alegre, quando está a serviço dos outros. Muitas vezes tenho encaminhado a ele médiuns que não se adaptam à disciplina espírita. Cumpriu o que prometeu. Em sua Tenda, Umbanda pura. Sempre voltado para o bem, no serviço de atendimento aos sofredores que o buscam.
O consolador – Ano 1 – N 16
Nota Juventude Espírita: Atualmente a Umbanda vem crescendo de maneira exponencial no Brasil, contribuindo com estudos, resgate cultural e práticas mediúnicas exemplares.
Muitos jovens espíritas, por não conseguirem espaço para o desenvolvimento mediúnico nas casas espíritas, recorrem aos centros de Umbanda ou são trabalhadores ativos nos dois lugares.
Apesar da diferença sobre algumas ideias e formas de trabalho, a Umbanda e o Espiristimo caminham juntas, combatendo o materialismo e construindo um mundo melhor.