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Antônio Carlos Gomes

Ninguém desconhece que este brasileiro, nascido em 11 de Julho de 1836, em Campinas, Estado de São Paulo, foi um gênio na arte musical e, consequentemente, médium. 

Todos sabemos que os grandes artistas não possuem, muitas vezes, aptidões medianímicas dignas de registro, mas precisamos ter em vista, para os que aceitam a tese das vidas sucessivas, que em cada uma dessas vidas o Espírito vai adquirindo novos cabedais de conhecimento e treinando, ao mesmo tempo, nesta ou naquela arte de sua preferência, nesta ou naquela exploração científica, literária ou histórica de seu agrado. De maneira que quando surge entre nós um artista, um compositor, um romancista, um cientista, um orador, etc., de grande projeção, cujas aptidões explodem maravilhosamente desde seus primeiros anos de vida terrena, podemos então estar certos de que esse Espírito, embora criança ainda, em sua nova existência terráquea, é detentor de conhecimentos e aptidões que podem assombrar e maravilhar as criaturas. 

Podem esses Espíritos, como dissemos, não possuir dons mediúnicos, mas conservarem a reminiscência viva desses conhecimentos adquiridos através de várias encarnações, com lutas, sacrifícios e trabalhos ingentes. 

Carlos Gomes, além de trazer, de maneira nitidamente apreciável, os conhecimentos da arte musical, da difícil ciência, digamos assim, do contraponto, era médium vidente de inspiração.

Ele foi, como muito bem acentuou Alberto Montalvão, “um desses Espíritos surgidos para maravilhar o mundo e encher de alegria e encanto toda uma geração”.  Rodrigo Otávio, em “Minhas Memórias dos Outros”, referindo-se ao grande compositor, escreveu: 

“Pouco importa que o estilo de sua obra tenha passado de moda, que o gosto de sua música já não seja de nossos dias do “jazz” e do samba. A obra do artista tem de ser apreciada à luz do dia em que surgiu e, ainda assim, não se pode dizer que a música de nosso caipira de Campinas deixe impassível o sentimento moderno. 

É fora de dúvida que a audição da protofonia do Guarani proporciona ainda, a toda a gente, um momento de intenso deleite, como arrebatam igualmente a alma do estudante brasileiro os acordes triunfais do Hino Acadêmico, simples balbucio de seu engenho ignorante.” 

A propósito, devemos esclarecer que a letra desse Hino Acadêmico, e que desde logo se tornou famoso, é de autoria do grande espírita Bittencourt Sampaio, quando estudante em São Paulo. 

“Sois da Pátria esperança fagueira, Branca nuvem de róseo porvir… 

Do futuro levais a bandeira, hasteada na frente a sorrir.” 

Ainda nessa ocasião, em São Paulo, o jovem Carlos Gomes, numa noite, quase de improviso, compôs, no meio de seus amigos estudantes, que moravam nas célebres “repúblicas”, uma modinha recordando o primeiro amor que tivera em sua vida – e como diz Jolumá Brito – “um amor cândido e puro, que fora inspirado pela sua formosa Ambrosína, que deixara na quietude de sua Província, de mãos postas, orando fervorosamente pelo sonho que ele pensava nunca se traduzisse em realidade… Quem sabe? Foi esse o título da modinha que Bittencourt Sampaio escrevia, ali mesmo naquela sala de “república” dos estudantes, em versos encantadores:” Tão longe de mim distante, onde irá teu pensamento? Quisera saber, agora, se esqueceste O juramento …  

Quem sabe se és constante, ainda é teu meu pensamento? 

Suspiros, angústias, dores São as vozes do meu canto… 

Quem sabe, pomba inocente, Se também te corre o pranto? 

Tinha Carlos Gomes oito anos de idade quando sua mãe, Maria Fabiana Jaguari Cardoso, e que ele chamava simplesmente “Nhá Biana” , foi em plena rua assassinada a facadas, sem que se conseguisse saber a razão do crime e quem o criminoso. 

Certa tarde, D. Maria da Candelária, madrinha do Tonico, como era chamado, em família, o nosso querido Maestro, estava à janela, e viu então, numa volta do caminho, o afilhado que voltava numa disparada louca! 

Vamos transcrever da biografia de Jolumá Brito esta significativa passagem: 

“Minutos após a porta da sala abriu-se com violência e o Tonico, quase sem poder falar, como um doido, entrou pela sala a dentro, gritando desesperadamente: 

“- Eu vi Nhá Biana. .. Eu vi Nhá Biana … “- Meu filho – retrucava D. Maria da Candelária, assustada: – sua mãezinha morreu… Nhá Biana foi enterrada. .. Está com Deus. Você está sonhando … “- Não, madrinha! Eu vi Nhá Biana… Eu vi Nhá Biana… “ 

Que era isso senão um caso positivo de vidência? Mais tarde, na época em que Carlos Gomes se encontrava na Itália, teve notícia da desencarnação de seu pai, o que lhe deixou profundamente consternado. Durante dias seguidos andava à toa pelas ruas de Milão, experimentando uma sensação esquisita, uma ânsia e uma angústia inexplicáveis que o assediavam. Em dado momento, e com espanto seu, viu à sua frente a figura do velho genitor, que o acompanhou por vários dias. 

Por mais que procurasse distrair-se, lendo, compondo, escrevendo, a imagem viva de seu pai estava sempre nítida diante de seus olhos. 

Mais tarde, isto em 19 de Março de 187O, seria levado à cena “O Guarani”, em estreia; não pôde ele dormir e, pela manhã, muito nervoso se encontrava, quando, pela segunda vez, o Espírito de seu pai lhe apareceu, agora, porém, sorridente, o próprio Carlos Gomes disse a seus amigos, a quem relatara o fato, que seu pai naturalmente quis animá-lo para o combate eminente. 

Antes de Carlos Gomes seguir para a Itália, por determinação de D. Pedro lI, em 4 de setembro de 1861, foi levado à cena no Teatro da ópera Nacional do Rio de Janeiro, a ópera “Noite no Castelo”, de sua autoria, em que compareceu o Imperador. A crítica musical, com Henrique César Muzzio à frente, pelo “Diário do Rio de Janeiro” aplaudira sem reservas. E Muzzio dizia, lembrando as palavras de Francisco Manoel, ditas na noite anterior durante o espetáculo: “O que Carlos Gomes é, só a Deus e a si o deve.” 

Por ocasião da outra ópera de Carlos Gomes, “Joana de Flandres”, Salvador Mendonça, seu amigo, foi chamá-lo, para levá-lo ao camarote de uma dama de talento e espírito. A certa altura, quando Carlos Gomes a informava de que não sabia ainda se iria à Itália, ela profeticamente lhe declarou: 

– O senhor fará subir à cena no Teatro Scala uma ópera que o elevará numa só noite à altura dos primeiros compositores do nosso tempo! 

Essa misteriosa dama outra coisa não era senão médium de um Espírito que desejou animá-lo a lutar pelo seu grande anelo! Essa profecia realmente se verificou com a estreia de “O Guarani”, em 19 de março de 187O, no Scala de Milão. 

Nessa noite, Lauro Rossi, diretor do Conservatório de Milão, ao cumprimentar o jovem maestro, pelo extraordinário êxito que alcançou, disse-lhe carinhosamente: – Quando chegaste do Brasil já trazias a certidão do talento, a prova do gênio, que as palmas ora atestam e celebrizam. 

De o livro “Lições da Vida”, extraímos os seguintes trechos em que seu autor, Almerindo Martins de Castro, discorre sobre a medi unidade de Carlos Gomes, entrando mesmo em considerações no tocante à genialidade artística que só se explica pela reencarnação: 

“O nosso grande e glorioso Carlos Gomes foi, possivelmente, dentro de tal critério, a reencarnação de um maestro de recuados tempos; a sua inspiração, de inexcedível espontaneidade, é genuinamente brasileira, na beleza emocional, plasmando-se à grandiosidade das nossas selvas, aos tesouros dos nobres sentimentos que alicerçavam a alma dos brasileiros, tão formosamente exteriorizada nas imortais páginas da ópera – “O Guarani”.

“Mas, onde a inspiração genial de Carlos Gomes apresenta a influência mediúnica, é no 3° ato da ópera, vívido em plena floresta. A invocação e a oferta do suplício de Peri ao deus dos Aimorés é página musical ainda não excedida por nenhuma das óperas representadas nos palcos brasileiros: emoção, majestade triunfal, ódio, amor, tudo ali confirma e mais realça a inspiração, principalmente no bailado, que é ímpar pela originalidade e beleza, também ainda não superadas pelos rivais, incluídos o do “Fausto”, de Gounod, e o da “Aída”, de Verdi, que talvez guardasse nele uma reminiscência emotiva da noite em que ouviu “O Guarani”. 

“Isto porque Giuseppe Verdi, então no ápice do fastígio, ficou entusiasmado com a genialidade de Carlos Gomes, e, sem necessidade de fazer convencional elogio a um desconhecido, disse estas palavras, que valiam por uma sagração, emocionado pelas belezas do 3° ato: 

– Este jovem começa por onde eu termino! (Questo giovanne comincia da dove finisco io!)

Para que os nossos patrícios avaliem a competência e o valor de Carlos Gomes, basta dizer que, com a morte do Maestro Pedrotti, diretor do Conservatório de Pesaro, Itália, havia sido ele indicado para seu substituto. A nomeação, porém, não se tornou efetiva por se haver verificado que Carlos Gomes não era cidadão italiano… “ 

E aqui em nosso país, por questões mesquinhas de ciúmes, tudo fizeram, sem dúvida, para que não fosse atendida nenhuma de suas pretensões, a fim de não eclipsar, com o brilho de seu talento, a chama vacilante da competência dos maestros e compositores, seus patrícios. 

Na obra já citada de Rodrigo Otávio, vamos encontrar estes trechos: 

“Carlos Gomes não teve uma vida tranquila. O auxílio brasileiro que lhe era mister para o pôr folgado, em condições de trabalhar para maior glória de sua terra, faltou-lhe quase sempre e, quando veio, veio sempre retardado e deficiente. 

“Carlos Gomes veio morrer no Brasil. Ao fim de uma longa existência de vicissitudes, o maestro glorioso e infeliz apelou para uma qualquer ocupação normal e segura em sua terra.

“Solicitava a nomeação para diretor de um Instituto de Música, já não o do Rio de Janeiro, mas em outro que se pudesse fundar em qualquer das principais cidades de sua terra.” 

Seu brado de aflição foi ouvido pela gente do Estado do Pará, e o seu Governador nomeou-o para o cargo de Diretor de um Conservatório de Música que ele deveria organizar em Belém.

Mas, continuemos ouvindo Rodrigo Otávio: 

“Em carta a Bierrenback, de Milão, em data de 22 de novembro de 1895, justificando-se de haver aceitado o oferecimento do Estado do Pará, que, como ele disse, “lhe proporcionava a realização de seu sonho de morrer em terras do Brasil”, escreveu Carlos Gomes: “No Instituto de Música do Rio de Janeiro, não me querem nem para porteiro; em São Paulo não me querem nem para boleeiro …” 

O que aconteceu a Carlos Gomes tem acontecido e acontecerá sempre com a maioria dos que surgem no tablado do mundo, aureolados pelo gênio, porque sabemos que o sofrimento, a incompreensão e a dor são o apanágio de todo aquele que traz em sua fronte a cintilante estrela do gênio. 

A inveja, o ciúme e o despeito dos pigmeus que ainda não conseguiram. altanar-se na Música, na Oratória, na Literatura ou na Arte Poética, o que só conseguirão através de esforços, trabalhos e lutas árduas em várias existências, procuram sempre empanar o valor de quem o possui realmente, e, assim, têm esses gênios de viver ao desamparo, de sofrer injustiças e ingratidões, e de se sacrificarem pelo seu ideal, para bem cumprirem a missão que os trouxe à Terra. E esses seus sofrimentos servirão de esteio para os que lutam, nesta vida, por amor de seus ideais! 

Carlos Gomes, além de apaixonado pela música, foi um vitorioso pela sua tenacidade e coragem; foi também um patriota, jamais se deixou envaidecer pelos louros colhidos, amando sempre sua querida Pátria, que tudo lhe negou, pela incompreensão de seus filhos e especialmente de seu Estado natal, que só tardiamente se lembrou de seu ilustre filho, quando seu corpo já baixava à sepultura, concedendo-lhe uma pensão de dois contos de réis mensais!

Fonte: Grandes vultos da humanidade.

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