Autor: Ricardo Baesso de Oliveira
Marco Antônio Correa Varela, pós-doutor em Etologia Cognitiva e Psicologia Evolucionista pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, seguindo outros pesquisadores da área, propõe o termo artisticalidade para abranger as propensões artísticas encontradas nos seres humanos. Assim como a religião é produto da religiosidade humana, a arte seria produto da artisticalidade humana, ou seja, propensões instintivas para realizar e apreciar a arte. [i]
Segundo Varela, as tendências artísticas não são tudo ou nada, dons raros de uns poucos privilegiados. Como uma faculdade humana, as propensões artísticas encontram-se, de forma genérica, em todas as pessoas, mas com características particulares e em proporções muito diferentes.
Didaticamente, ele propõe 5 subcomponentes para a artisticalidade, que podem existir associados ou isolados, em cada indivíduo.
Visuais/plásticas
Focadas em imagens, objetos e texturas, como pinturas, esculturas, artesanatos, decoração;
Literárias/cênicas
Focadas em narrativas, como literatura, teatro, cinema;
Musicais
Focadas em sons ritmados, como tocar, cantar, dançar;
Circenses
Focadas em movimentos corporais, como acrobacia, esportes artísticos;
Olfativas
Focadas em odores, como perfumarias e criação de fragrâncias.
Lembra Varela que, como toda faculdade humana, a artisticalidade pode ser desenvolvida pelo exercício, e cita Charles Darwin, quando afirmou: se eu tivesse que viver minha vida de novo, eu faria uma regra de ler uma poesia ou ouvir uma música, pelo menos uma vez por semana; pois talvez essas partes do meu cérebro, agora atrofiadas, seriam então mantidas ativas através do uso.
Entre os psicólogos evolucionistas muito se discute quando as origens evolutivas dessa faculdade. Darwin questionava se tal faculdade pudesse ter evoluído por seleção natural, pois, segundo ele, essas faculdades são de mínima utilidade para a sobrevivência do indivíduo. Depois de Darwin, muitas outras propostas explicativas surgiram: Atrair um parceiro sexual? Promover coesão grupal? Ou serão apenas causas pessoais como prazer, fama, arte pela arte? Talvez razões socioculturais: apaziguar os deuses, reverenciar os ancestrais? Talvez seja um subproduto de outras adaptações, como a leitura e a escrita em relação à linguagem, ou a busca de prazer não adaptativa, um superestímulo, como as drogas e a pornografia.
Nos últimos anos, todavia, a possibilidade da artisticalidade ser uma adaptação, ou seja, uma faculdade que evoluiu por seleção natural por contribuir na sobrevivência do indivíduo, vem assumindo preponderância. A artisticalidade satisfaz muitos critérios usados para identificar adaptações: antiguidade (há indícios de arte há muitos milênios), homologias (encontram-se precursores estéticos em chimpanzés, neandertais, além de outros animais, como os pássaros do caramanchão), universalidade (vista em todas as culturas), valoração (dá-se importância a ela), custos envolvidos, benefícios à saúde física e mental (engajamento em atividades artísticas diminui ansiedade, estresses, perturbações de humor, e consequente auxílio no controle da pressão arterial; e ainda promove autoestima, autoconfiança e estimula a imunidade), herdabilidade, surgimento precoce na vida das pessoas e facilidade de aprendizagem.
Como adaptação, a artisticalidade teria vindo gradualmente de modificações e combinações de adaptações anteriores cognitivas não artísticas. Para Steven Pinker, neurocientista de Harvard, os precursores da artisticalidade foram: a busca por status, a habilidade em desenvolver artefatos e o prazer estético frente a objetos e ambientes adaptativos.[ii]
Procurando ampliar o tema, apresentamos algumas considerações espíritas:
1- Todo fenômeno psicológico humano, embora dependa das conexões cerebrais para se manifestar na corporeidade, é de natureza espiritual. Assim, as propensões artísticas são valores espirituais, ínsitos ao ser espiritual.
Comenta Kardec que há no homem um princípio inteligente a que se chama ALMA ou ESPÍRITO, independente da matéria, e que lhe dá o senso moral e a faculdade de pensar.[iii]
2- Embora essas faculdades pertençam ao ser espiritual, podem não se manifestar em dada encarnação, se o corpo não oferecer os recursos necessários para tal.
Segundo Kardec, o exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento e podem não se manifestarem certas faculdades durante determinada existência física.[iv]
3- Sendo uma faculdade do Espírito, evolui com ele, resultado das milenárias experiências no corpo físico e fora dele, partindo de uma condição de simplicidade e expandindo paulatinamente suas expressões, em decorrência da determinação e do investimento do próprio ser espiritual.
Ainda Kardec: os Espíritos são criados simples e ignorantes, porém perfectíveis e com igual aptidão para tudo adquirirem e tudo conhecerem, com o tempo.O aperfeiçoamento do Espírito é fruto do seu próprio esforço; ele avança na razão da sua maior ou menor atividade ou da sua boa vontade em adquirir as qualidades que lhe faltam.[v]
4- As propensões artísticas, por si mesmas, são neutras do ponto de vista moral, podendo ser usadas de forma ética (quando promovem o bem, o justo, o nobre e o digno da personalidade humana); ou não ética (quando apequenam o homem diante da lei de justiça, amor e caridade).
Lembra Kardec que o que há de sublime na arte é a poesia do ideal, que nos transporta para fora da esfera acanhada de nossas atividades.
E ainda: Em todas as épocas de transformação, as artes periclitam, porque a crença em que se estribam não basta às aspirações engrandecidas da Humanidade e porque, não estando ainda adotados pela grande maioria dos homens os novos princípios, os artistas não ousam explorar, senão de modo hesitante, a mina desconhecida que se lhes abre sob os passos.[vi]
5- Quando mobilizadas segundo valores humanos nobres, aprimoram as emoções humanas e ligam o ser ao transcendente, contribuindo no seu desenvolvimento moral.
Escreveu Kardec: Sem dúvida, o Espiritismo abre à arte um campo inteiramente novo, imenso e ainda inexplorado. Quando o artista houver de reproduzir com convicção o mundo espírita, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações e seu nome viverá nos séculos vindouros, porque, às preocupações de ordem material e efêmeras da vida presente, sobreporá o estado da vida futura e eterna da alma.[vii]
Referências
[i] Manual de psicologia evolucionista, Yamamoto e cols.
[ii] Tábula Rasa, Steven Pinker.
[iii] Obras póstumas: Profissão de fé espírita raciocinada.
[iv] LE, item 220.
[v] Obras póstumas: Profissão de fé espírita raciocinada.
[vi] Obras póstumas: Influência perniciosa das ideias materialistas.
[vii] Obras póstumas: Influência perniciosa das ideias materialistas.
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