Revista Espírita, maio de 1858
Extraímos a passagem seguinte de uma carta de um dos nossos assinantes.
“…. Perdi, há alguns anos, uma esposa boa e virtuosa, e, apesar dos seis filhos que me deixou, encontrava-me em um isolamento completo, quando ouvi falar das manifestações espíritas. Logo me encontrei no meio de um pequeno círculo de bons amigos ocupando-se, cada noite, desse objeto. Aprendi, então, nas comunicações que obtivemos, que a verdadeira vida não é sobre a Terra, mas no mundo dos Espíritos; que minha Clémence ali se encontrava feliz, e que, como os outros, ela trabalhava pela felicidade daqueles que havia conhecido neste mundo. Ora, eis o ponto sobre o qual desejo ardentemente ser esclarecido por vós.
“Disse uma noite à minha Clémence: Minha cara amiga, por que, apesar de todo o nosso amor, nos ocorria de nem sempre ver a mesma coisa nas diferentes circunstâncias da nossa vida em comum, e por que estávamos sempre forçados a nos fazer concessões mútuas para vivermos em boa harmonia?
“Ela me respondeu isto: Meu amigo, éramos bravas e honestas pessoas; vivemos em conjunto, o que se pode dizer o melhor possível sobre essa Terra de provas, mas não éramos nossas metades eternas. Essas uniões são raras sobre a Terra; são encontradas, entretanto, mas são um grande favor de Deus; os que têm essa felicidade, sentem gozos que te são desconhecidos.
“Podes me dizer – repliquei -, se tu vês a tua metade eterna? -Sim, disse ela, é um pobre diabo que vive na Ásia; não poderá estar reunida a mim, senão em 175 anos (segundo a vossa maneira de contar). – Estareis reunidos na Terra ou em um outro mundo? – Na Terra. Mas escuta: não posso te descrever bem a felicidade dos seres assim reunidos; vou pedir a Héloise e Abailard consentirem te informar. – Então, senhor, esses dois seres felizes vieram nos falar de sua felicidade inefável. “Por nossa vontade, disseram, dois não fazem senão um; viajamos nos espaços; gozamos de tudo; nos amamos com um amor sem fim, acima do qual não pode haver senão o amor de Deus e dos seres perfeitos. Vossas maiores alegrias não valem um único dos nossos olhares, um único dos nossos apertos de mão.”
“O pensamento das metades eternas me deleita. Parece-me que Deus, criando a Humanidade, a fez dupla, e que disse, em separando as duas metades de uma mesma alma: Ide para os mundos e procurai as encarnações. Se bem o fizerdes, a viagem será curta, e permitirei vos reunirdes; se for de outro modo, os séculos se passarão antes que gozeis dessa felicidade. Tal é, me parece, a causa primeira do movimento instintivo que leva a Humanidade a procurar a felicidade; felicidade que não se compreende e que não se dá o tempo de compreender.
“Desejo ardentemente, senhor, ser esclarecido sobre essa teoria das metades eternas, e ficaria feliz em encontrar uma explicação a esse respeito em um dos vossos próximos números…”
Abailard e Héloise, que interrogamos sobre esse ponto, nos deram as respostas seguintes:
P. As almas foram criadas duplas? – R. Se tivessem sido criadas duplas, as simples seriam imperfeitas.
P. É possível que duas almas possam se reunir na eternidade e formarem um todo? – R. Não.
P. Tu e tua Héloise formais, desde a origem, duas almas bem distintas? – R. Sim.
P. Formais ainda, neste momento, duas almas distintas? – R. Sim, mas sempre unidas.
P. Todos os homens se encontram nas mesmas condições? -R. Segundo sejam mais ou menos perfeitos.
P. Todas as almas estão destinadas ase unirem, um dia, com uma outra alma? – R. Cada Espírito tem uma tendência a procurar um outro Espírito que lhe seja conforme; chamas isso de simpatia.
P. Há, nessa união, uma condição de sexo? – R. As almas não têm sexo.
Tanto para satisfazer o desejo do nosso assinante quanto para a nossa própria instrução, dirigimos as questões seguintes ao Espírito de São Luís.
1. As almas que devem se unir, estão predestinadas a essa união desde a sua origem, e cada um de nós tem, em alguma parte do Universo, sua metade eterna à qual estará, um dia, fatalmente reunido? – R. Não existe união particular e fatal entre duas almas. A união existe entre todos os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a categoria que ocupam, quer dizer, segundo a perfeição que adquiriram: quanto mais são perfeitos, mais são unidos. Da discórdia nascem todos os males dos humanos; da concórdia resulta a felicidade completa.
2. Em qual sentido se deve entender a palavra metade, da qual certos Espíritos, frequentemente, se servem para designarem os Espíritos simpáticos? – R. A expressão é inexata; se um Espírito fosse a metade de outro, separado deste, seria incompleto.
3. Dois Espíritos perfeitamente simpáticos, uma vez reunidos, o são por toda a eternidade, ou podem se separar e se unir a outros Espíritos? – R. Todos os Espíritos estão unidos entre si; falo daqueles que atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, não é mais simpático àqueles que deixou.
4. Dois Espíritos simpáticos são o complemento um do outro, ou essa simpatia resulta de uma identidade perfeita? – R. A simpatia que atrai um Espírito para um outro, é o resultado da perfeita concordância de seus pendores, de seus instintos; se um devesse completar o outro, perderia sua individualidade.
5. A identidade necessária para a simpatia perfeita, não consiste senão na semelhança de pensamentos e de sentimentos, ou bem ainda na uniformidade de conhecimentos adquiridos? – R. Na igualdade dos graus de elevação.
6. Os Espíritos que não são simpáticos hoje, podem vir a sê-lo mais tarde? – R. Sim, todos o serão. Assim, o Espírito que está hoje em tal esfera inferior, em se aperfeiçoando, alcançará a esfera onde reside tal outro. Seu reencontro ocorrerá mais prontamente se o Espírito mais elevado, suportando mal as provas às quais se submeteu, se demorou no mesmo estado.
7. Dois Espíritos simpáticos podem cessar de o serem? – R. Certamente, se um for preguiçoso.
Essas respostas resolvem perfeitamente a questão. A teoria das metades eternas é uma figura que pinta a união de dois seres simpáticos; é uma expressão usada mesmo na linguagem vulgar, em falando de dois esposos, e que não é preciso prender à letra; os Espíritos que dela se serviram não pertencem, seguramente, à mais elevada ordem; a esfera das suas ideias é, necessariamente, limitada, e puderam tomar seu pensamento pelos termos dos quais se serviam durante sua vida corpórea. É preciso, pois, rejeitar essa ideia de que dois Espíritos, criados um para o outro, devem um dia, fatalmente, se reunir na eternidade, depois de estarem separados por um lapso de tempo mais ou menos longo.