Autora: Eugênia Pickina
A minha história não é distinta de nenhuma mãe que tenha um filho autista. Primeiro, é claro, fiquei grávida. Criaram-se expectativas, receios e muita alegria. Enfim nasceu o menino que tinha olhos muito escuros. Fiz a festa de um ano. Até que notei que meu filho não se parecia em nada com os filhos das minhas amigas. Noites mal dormidas, quieto demais, olhos fixos não sei onde… Até que procurei uma fonoaudióloga, pois ele, com dois anos, não falava uma palavra. Pediu vários exames, chamou-me, me presenteou com um livro sobre o autismo e me indicou a AUMA (Associação dos Amigos da Criança Autista). Relutei, chorei, mas enfim deu tudo certo. Hoje meu filho é um autista que lê, joga videogame e, prestes a fazer oito anos, é a prova de que nunca devemos desistir, nunca podemos deixar de confiar. Aprendi, com ele, que o autismo é um jeito de ser e se houver amor e cuidado certamente esta pessoa, que está autista, pode ser feliz e viver com muita dignidade. (Depoimento de Helena, mãe de Vítor.)
No primeiro semestre de 2013, a OMS estimou que existem no mundo setenta milhões de pessoas com autismo; por sua vez no Brasil vigora por enquanto a estimativa de que haja atualmente dois milhões de autistas, ou seja, cerca de 1,0% da população.
Em 1943 o autismo infantil foi descrito inicialmente por Kanner, um médico austríaco, quando identificou uma criança apresentando prejuízos na área da comunicação e da interação social, e demarcou esta condição como sendo única e não pertencente ao grupo das crianças com Deficiência Mental. Sugeriu o nome de Autismo para chamar a atenção para o prejuízo severo na interação social que era muito evidente desde o início da vida desses pacientes.
Um ano após a iniciativa de Kanner, outro médico austríaco, Asperger, descreveu crianças semelhantes às descritas por seu colega, mas que eram, ao menos aparentemente, mais inteligentes e sem atraso significativo no desenvolvimento da linguagem. Mais tarde esse quadro ficou conhecido como Síndrome de Asperger.
Com o passar do tempo surgiu então a denominação de Transtornos Globais ou Invasivos do Desenvolvimento (TGD) que incluía, além do Autismo e da Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett e o Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGDSOE). Como a Síndrome de Rett é uma entidade completamente diversa das demais, de modo que será em breve excluída deste grupo, recentemente se cunhou a expressão Transtorno do Espectro Autista (TEA) para reunir o Autismo, Síndrome de Asperger e Transtorno Global de Desenvolvimento Sem Outra Especificação.
O que sabemos hoje? Um pouco mais: sabemos que o autismo é uma síndrome complexa, cuja etiologia é multifatorial e muito difícil de entender se não se levar em conta o mundo espiritual.
Por que crianças lindas e aparentemente perfeitas deixam de interagir? Geralmente ocorre tudo bem até dois, três, os primeiros anos, e, de súbito, a criança, o filho (ou a filha), simplesmente para de falar, começa a se isolar… Tem início um caminho sinuoso para os pais ou cuidadores da criança…
Assim o autismo infantil, por corresponder a um quadro de extrema complexidade, exigente de abordagens multidisciplinares para que sejam atingidas tanto a questão educacional, da socialização, bem como a questão propriamente médica e, aqui, pensando-se a tentativa de estabelecer quadros clínicos bem definidos (1) e/ou maleáveis a terapêuticas eficazes, reivindica intervenções psicoeducacionais, desenvolvimento da linguagem e/ou comunicação e, com ênfase também, orientação familiar (2).
Particularmente não considero o autista como alguém “perturbado”, muito menos o observo em terapêutica como “doente mental”. Sigo, por conta, amor e risco, a opinião de Hermínio C. Miranda (3) que, numa entrevista, afirmou que para ele o autista “é apenas uma pessoa que tem um conflito qualquer, precisa ser entendida como ela é. Você não pode arrastá-la para o seu mundo. Afinal, o que é ser normal?”
Sim, somos herdeiros de nós mesmos e carregamos nossos dramas, dificuldades, temores e velhas feridas, mas, quando estamos de novo a estagiar na Terra, sobretudo no que diz respeito ao prelúdio da existência, ou seja, no difícil período da infância, necessitamos de ser aceitos e acolhidos.
E toda criança para se desenvolver precisa de atenção e da proteção dos adultos que a levem a sério, a amem e a ajudem de fato a se orientar… Sem esquecer o fato de que, sem exceção, a criança é sempre inocente. e, por isso, tem necessidades indispensáveis, entre as quais as de segurança, abrigo, proteção, contato, sinceridade, calor humano e carinho.
Por fim, não podemos ignorar o bom conselho dado pela raposa ao solitário Pequeno Príncipe, de Exupéry – um menino prodígio como muitas crianças autistas a estagiar hoje em diversas partes do nosso planetinha Azul: “foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante”.
Algumas notas
(1) Documento produzido pelo Ministério da Saúde em abril deste ano – Linha de Cuidado para a Atenção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde – e que segue recomendação da Organização da saúde, afirma: Por apresentarem mais sensibilidade do que especificidade é oficialmente indicado que o diagnóstico definitivo de Transtorno do Espectro Autista (TEA) seja fechado a partir de três anos, o que não desfaz o interesse da avaliação e da intervenção o mais precoce possível para minimizar o comprometimento global da criança (p. 50). Antes dessa idade não se deve fechar o diagnóstico, pois ainda se trata de um bebê em pleno processo de constituição.
(2) Consulte ainda ABRA (Associação Brasileira de Autismo) – www.autismo.org.br
(3) No que se refere à causalidade mais profunda do autismo, podemos encontrar nas obras da literatura médico-espírita impressões e informações pertinentes a respeito do tema; além disso, a visão espírita pode contribuir com um melhor entendimento sobre o autismo à medida que nos convida a considerar o autista como um Espírito que retorna à experiência corpórea e que está, portanto, sujeito a dificuldades, temores e idiossincrasias – ou seja, mesmo o autismo é algo temporário para a biografia do Espírito, lembrando que uma existência nada mais é do que um dia de colégio. Para um melhor esclarecimento, consulte o livro Autismo: uma leitura espiritual, escrito pelo eminente [e amoroso] Hermínio C. Miranda.
O consolador – Ano 7 – N 340