Ave! Maria!

Autor: Fagundes Varella

*

A noite desce, – lentas e tristes

Cobrem as sombras a serrania,

Calam-se as aves, – choram os ventos,

Dizem os gênios: – Ave-Maria!

*

Na torre estreita de pobre templo

Ressoa o sino da freguesia,

Abrem-se as flores, – Vésper desponta,

Cantam os anjos: – Ave! Maria!

*

No tosco albergue de seus maiores,

Onde só reinam paz e alegria,

Entre os filhinhos o bom colono

Repete as vozes: – Ave! Maria!

*

E, longe, – na velha estrada,

Pára, – e saudades à pátria envia,

Romeiro exausto, que o céu contempla

E fala aos ermos: – Ave! Maria!

*

Incerto nauta por feios mares,

Onde se estende névoa sombria,

Se encosta ao mastro, descobre a fronte,

Reza baixinho: – Ave! Maria!

*

Nas soledades, sem pão nem água,

Sem pouso e tenda, sem luz nem guia,

Triste mendigo, que as praças busca,

Curva-se e clama: – Ave! Maria!

*

Só nas alcovas, nas salas dúbias,

Nas longas mesas de longa orgia

Não diz o ímpio, – não diz o avaro,

Não diz o ingrato: – Ave! Maria!

*

Ave! Maria! – No céu, na terra!

Luz da aliança! – Doce harmonia!

Hora divina! – Sublime estância!

Bendita sejas! – Ave! Maria!

*

Varella, Fagundes ; Varella, Ernestina. Cantos Religiosos (Portuguese Edition). Edição do Kindle.

Muitos espíritas já notaram que Fagundes Varella foi um dos poetas desencarnados que contribuíram com o livro Parnaso de Além-Túmulo, psicografado por Chico Xavier.

Certamente nem todos sabem que Varella escrevia poemas religiosos quando ainda estava encarnado. Embora sua existência tenha sido das mais tortuosas, com hábitos boêmios e um “spleen” característico dos jovens românticos do século XIX, dentro do coração de Varella sempre brilhou uma fagulha de fé reluzente como um diamante. O poema “Ave! Maria!” é a prova cabal disso.

Apesar de sua veneração pelo Cordeiro e pela Mãe de Todos os Sofredores, a encarnação de Varella certamente não seguiu a rota tracejada no plano invisível. O peso da matéria o esmagou, apesar de Deus não dar fardo maior do que aquele que se possa carregar. O mal do século fez mais uma vítima, e o triste poeta morreu jovem e desgostoso, aos 33 anos. Sua biografia me faz pensar em quantos Varellas, Azevedos e Werthers anônimos derramaram suas lágrimas no Brasil.

Que Deus abençoe a alma de todos esses poetas, mesmo aqueles que como crianças contrariadas se revoltaram contra a Providência Divina. Que eu e você, meu caro leitor, desejemos o bem para todas as pessoas e aceitemos os desígnios do Altíssimo. Que, ao lermos Varella, o último sentimento seja o mesmo daqueles que entoam: “Bendita sejas! – Ave! Maria!”

Antes de me despedir devo deixar aqui uma observação. O livro Cantos Religiosos foi lançado postumamente e é composto por poemas de Varella e de sua irmã, Ernestina. Na edição que adquiri não está indicado de quem é a autoria de “AVE! MARIA!”. No entanto, presumo que tenha sido o próprio Varella, pois todas as páginas da internet em que vi esse poema postado o creditavam como autor.

Por fim, deixo aqui o poema do espírito Varella que entrou no Parnaso de Além-Túmulo. Que a misericórdia de Jesus nos alcance!

Imortalidade

Senhor! Senhor! que os verbos luminosos

Do amor, da perfeição, da liberdade,

Inflamem minhas vozes neste instante!

Que o meu grito bem alto se levante,

Conduzindo a mensagem benfazeja

Das esperanças para a Humanidade!

Senhor! Senhor! que paire sobre o mundo

A luz do teu poder inigualável,

Que os lírios te saúdem perfumando

Os arrebóis, as noites, as auroras;

*

Hinos de amor, que os pássaros te elevem

Dos seus ninhos de plácida harmonia;

Que as fontes no seu doce murmúrio

Te bendigam com terna suavidade;

Que todo o ser no inundo se descubra

Perante a tua excelsa majestade,

Saturado do amor onipotente

Que promana abundante do teu seio!…

Senhor! que a minha voz altissonante

Se propague entre os homens; que a verdade

Resplandeça na terra da amargura!

Ó Pai! tu que removes o impossível,

Que transmudas em rosas os espinhos,

E que espancas a treva dos caminhos

Com a luz que afirma a tua onipotência,

Permite que minhalma seja ouvida

Na vastidão do mundo do desterro;

Que os meus irmãos da Terra me recebam

Como o ausente invisível, redivivo!…

*

Irmãos, eis-me de novo ao vosso lado!

Venho de esferas lúcidas, radiosas,

Atravessei estradas tenebrosas

E sendas deslumbrantes e estelíferas,

Empunhando o saltério da esperança.

*

Pude transpor abismos de ouro e rosas,

Sendas de sonho e báratros escuros,

Planetas como naus sem palinuros

Nos oceanos do éter Infinito!

Contemplei Vias-Lácteas assombrosas,

Visões de sóis eternos, confundidas

Entre estrelas igníferas, distantes;

Vastros portentosos, desferindo

Harmonias de amor e claridades,

E humanidades entre humanidades

Povoando o Universo esplendoroso…

*

Descansei sobre as ilhas de repouso,

Em lindos arquipélagos distantes,

Habitei os palácios encantados,

Em retiros de amor calmo e sereno,

Onde o solo é formado de ouro e neve,

Onde a treva e onde a noite são apenas

Recordações de mundos obscuros!

Onde as flores do afeto imperecível

Não se emurchecem como sobre a Terra.

Lá, nesses orbes lúcidos, divinos,

O amor, somente o amor, nutre e dá vida.

*

Somente o amor é a vibração de tudo!

Vi céus por sobre céus inumeráveis,

Mundos de dor e mundos de alegria,

Em luminosidades e harmonias

Aos beijos arcangélicos da luz,

Que é mensagem de Deus por toda a parte!

E apenas conheci um pormenor,

Um detalhe minúsculo, um fragmento

Da Criação infinita e resplendente.

Ah! Morte!… A Morte é o anjo luminoso

Da liberdade franca, jubilosa,

Quando a esperamos tristes e abatidos;

Quando nos traz imácula e sublime

A chama da esperança dentro dalma,

Amando-se da vida os bens mais nobres,

Se o mundo abafa em nós toda a alegria,

Roubando-nos afetos e consolos,

Martirizando o coração dorido

Na cruz dos sofrimentos mais austeros.

*

A morte corrobora as nossas crenças,

As nossas esperanças mais profundas,

Rompendo o véu que encobre à nossa vista

O eterno panorama do Universo,

E aponta-nos o céu, a imensidade,

Onde as almas ditosas se engrandecem,

Outras almas guiando em labirintos

Para a luz, para a vida e para o amor!

*

Que representa a Terra, ante a grandeza

De tantos sóis e orbes luminosos?

É somente uma estância pequenina

Onde a dor e onde a lágrima divina

Modelam almas para a perfeição;

*

É apenas um degrau na imensidade,

Onde se regenera no tormento

Quem se afasta da Luz e da verdade;

Ela é somente o exílio temporário,

Onde se sofre a angústia da distância

Dos que amamos com alma e com fervor.

*

Morte! que te abençoem sofredores,

Que te bendiga o espírito abatido,

Já que és a terna mão libertadora

Dos escravos da carne, dos escravos

Das aflições, das dores, da tortura!

Bendigo-te por tudo o que me deste:

Pela beleza da imortalidade,

Pela visão dos céus resplandecentes,

Pelos beijos dos seres bem-amados.

*

Senhor! Senhor! que a minha voz se estenda,

Como um canto sublime de esperança,

Sobre a fronte de todos quantos sofrem,

Ansiando mais luz, mais liberdade

No orbe da expiação e da impiedade!

DICA

spot_img