Autor: Fagundes Varella
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A noite desce, – lentas e tristes
Cobrem as sombras a serrania,
Calam-se as aves, – choram os ventos,
Dizem os gênios: – Ave-Maria!
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Na torre estreita de pobre templo
Ressoa o sino da freguesia,
Abrem-se as flores, – Vésper desponta,
Cantam os anjos: – Ave! Maria!
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No tosco albergue de seus maiores,
Onde só reinam paz e alegria,
Entre os filhinhos o bom colono
Repete as vozes: – Ave! Maria!
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E, longe, – na velha estrada,
Pára, – e saudades à pátria envia,
Romeiro exausto, que o céu contempla
E fala aos ermos: – Ave! Maria!
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Incerto nauta por feios mares,
Onde se estende névoa sombria,
Se encosta ao mastro, descobre a fronte,
Reza baixinho: – Ave! Maria!
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Nas soledades, sem pão nem água,
Sem pouso e tenda, sem luz nem guia,
Triste mendigo, que as praças busca,
Curva-se e clama: – Ave! Maria!
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Só nas alcovas, nas salas dúbias,
Nas longas mesas de longa orgia
Não diz o ímpio, – não diz o avaro,
Não diz o ingrato: – Ave! Maria!
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Ave! Maria! – No céu, na terra!
Luz da aliança! – Doce harmonia!
Hora divina! – Sublime estância!
Bendita sejas! – Ave! Maria!
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Varella, Fagundes ; Varella, Ernestina. Cantos Religiosos (Portuguese Edition). Edição do Kindle.
Muitos espíritas já notaram que Fagundes Varella foi um dos poetas desencarnados que contribuíram com o livro Parnaso de Além-Túmulo, psicografado por Chico Xavier.
Certamente nem todos sabem que Varella escrevia poemas religiosos quando ainda estava encarnado. Embora sua existência tenha sido das mais tortuosas, com hábitos boêmios e um “spleen” característico dos jovens românticos do século XIX, dentro do coração de Varella sempre brilhou uma fagulha de fé reluzente como um diamante. O poema “Ave! Maria!” é a prova cabal disso.
Apesar de sua veneração pelo Cordeiro e pela Mãe de Todos os Sofredores, a encarnação de Varella certamente não seguiu a rota tracejada no plano invisível. O peso da matéria o esmagou, apesar de Deus não dar fardo maior do que aquele que se possa carregar. O mal do século fez mais uma vítima, e o triste poeta morreu jovem e desgostoso, aos 33 anos. Sua biografia me faz pensar em quantos Varellas, Azevedos e Werthers anônimos derramaram suas lágrimas no Brasil.
Que Deus abençoe a alma de todos esses poetas, mesmo aqueles que como crianças contrariadas se revoltaram contra a Providência Divina. Que eu e você, meu caro leitor, desejemos o bem para todas as pessoas e aceitemos os desígnios do Altíssimo. Que, ao lermos Varella, o último sentimento seja o mesmo daqueles que entoam: “Bendita sejas! – Ave! Maria!”
Antes de me despedir devo deixar aqui uma observação. O livro Cantos Religiosos foi lançado postumamente e é composto por poemas de Varella e de sua irmã, Ernestina. Na edição que adquiri não está indicado de quem é a autoria de “AVE! MARIA!”. No entanto, presumo que tenha sido o próprio Varella, pois todas as páginas da internet em que vi esse poema postado o creditavam como autor.
Por fim, deixo aqui o poema do espírito Varella que entrou no Parnaso de Além-Túmulo. Que a misericórdia de Jesus nos alcance!
Imortalidade
Senhor! Senhor! que os verbos luminosos
Do amor, da perfeição, da liberdade,
Inflamem minhas vozes neste instante!
Que o meu grito bem alto se levante,
Conduzindo a mensagem benfazeja
Das esperanças para a Humanidade!
Senhor! Senhor! que paire sobre o mundo
A luz do teu poder inigualável,
Que os lírios te saúdem perfumando
Os arrebóis, as noites, as auroras;
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Hinos de amor, que os pássaros te elevem
Dos seus ninhos de plácida harmonia;
Que as fontes no seu doce murmúrio
Te bendigam com terna suavidade;
Que todo o ser no inundo se descubra
Perante a tua excelsa majestade,
Saturado do amor onipotente
Que promana abundante do teu seio!…
Senhor! que a minha voz altissonante
Se propague entre os homens; que a verdade
Resplandeça na terra da amargura!
Ó Pai! tu que removes o impossível,
Que transmudas em rosas os espinhos,
E que espancas a treva dos caminhos
Com a luz que afirma a tua onipotência,
Permite que minhalma seja ouvida
Na vastidão do mundo do desterro;
Que os meus irmãos da Terra me recebam
Como o ausente invisível, redivivo!…
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Irmãos, eis-me de novo ao vosso lado!
Venho de esferas lúcidas, radiosas,
Atravessei estradas tenebrosas
E sendas deslumbrantes e estelíferas,
Empunhando o saltério da esperança.
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Pude transpor abismos de ouro e rosas,
Sendas de sonho e báratros escuros,
Planetas como naus sem palinuros
Nos oceanos do éter Infinito!
Contemplei Vias-Lácteas assombrosas,
Visões de sóis eternos, confundidas
Entre estrelas igníferas, distantes;
Vastros portentosos, desferindo
Harmonias de amor e claridades,
E humanidades entre humanidades
Povoando o Universo esplendoroso…
*
Descansei sobre as ilhas de repouso,
Em lindos arquipélagos distantes,
Habitei os palácios encantados,
Em retiros de amor calmo e sereno,
Onde o solo é formado de ouro e neve,
Onde a treva e onde a noite são apenas
Recordações de mundos obscuros!
Onde as flores do afeto imperecível
Não se emurchecem como sobre a Terra.
Lá, nesses orbes lúcidos, divinos,
O amor, somente o amor, nutre e dá vida.
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Somente o amor é a vibração de tudo!
Vi céus por sobre céus inumeráveis,
Mundos de dor e mundos de alegria,
Em luminosidades e harmonias
Aos beijos arcangélicos da luz,
Que é mensagem de Deus por toda a parte!
E apenas conheci um pormenor,
Um detalhe minúsculo, um fragmento
Da Criação infinita e resplendente.
Ah! Morte!… A Morte é o anjo luminoso
Da liberdade franca, jubilosa,
Quando a esperamos tristes e abatidos;
Quando nos traz imácula e sublime
A chama da esperança dentro dalma,
Amando-se da vida os bens mais nobres,
Se o mundo abafa em nós toda a alegria,
Roubando-nos afetos e consolos,
Martirizando o coração dorido
Na cruz dos sofrimentos mais austeros.
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A morte corrobora as nossas crenças,
As nossas esperanças mais profundas,
Rompendo o véu que encobre à nossa vista
O eterno panorama do Universo,
E aponta-nos o céu, a imensidade,
Onde as almas ditosas se engrandecem,
Outras almas guiando em labirintos
Para a luz, para a vida e para o amor!
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Que representa a Terra, ante a grandeza
De tantos sóis e orbes luminosos?
É somente uma estância pequenina
Onde a dor e onde a lágrima divina
Modelam almas para a perfeição;
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É apenas um degrau na imensidade,
Onde se regenera no tormento
Quem se afasta da Luz e da verdade;
Ela é somente o exílio temporário,
Onde se sofre a angústia da distância
Dos que amamos com alma e com fervor.
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Morte! que te abençoem sofredores,
Que te bendiga o espírito abatido,
Já que és a terna mão libertadora
Dos escravos da carne, dos escravos
Das aflições, das dores, da tortura!
Bendigo-te por tudo o que me deste:
Pela beleza da imortalidade,
Pela visão dos céus resplandecentes,
Pelos beijos dos seres bem-amados.
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Senhor! Senhor! que a minha voz se estenda,
Como um canto sublime de esperança,
Sobre a fronte de todos quantos sofrem,
Ansiando mais luz, mais liberdade
No orbe da expiação e da impiedade!