Entrevistador: Orson Peter Carrara
Autor de um TCC sobre Cairbar Schutel na conclusão do curso de Jornalismo, o estudioso paulista fala-nos sobre o legado e o exemplo que nos deixou o saudoso seareiro
David Conrado Liesenberg (foto), espírita desde os anos 80, nasceu na capital paulista e reside em Matão (SP) com sua esposa Sonia. Jornalista e pós-graduado em Comunicação Organizacional, é integrante de estudos do Centro Espírita O Clarim e da Comunidade Espírita Cairbar Schutel, na cidade onde reside. Tendo morado na Suécia entre o ano 2000 até 2006, onde foi um dos fundadores da UniãoEspírita Sueca (Svenska Spiritistiska Förbundet), foi de 2002 a 2006 responsável pelo Departamento de Pesquisas Históricas do Conselho Espírita Internacional (CEI) Europa. Como o seu TCC na conclusão do curso de Jornalismo focalizou a obra de Cairbar Schutel, esse foi o assunto central da entrevista que gentilmente nos concedeu.
De onde o seu interesse pela produção literária de Cairbar e pelo legado do grande seareiro?
Desde quando passei a me considerar espírita – pouco mais de trinta anos – já ouvia falar em Cairbar Schutel. Por intermédio do médium e orador espírita Reynaldo Leite, que me iniciou nos estudos da Doutrina Espírita, tive acesso aos periódicos fundados por Cairbar, Jornal O Clarim e Revista Internacional de Espiritismo (RIE). Fiquei surpreso ao saber que existia um órgão informativo espírita ativo desde o início do século XX. À medida que me aprofundava no conhecimento do Espiritismo, a obra de Schutel ficava cada vez mais interessante. Fiquei sabendo que Cairbar Schutel, mesmo depois de sua desencarnação, continuava trabalhando pela divulgação do Espiritismo no mundo. Não bastasse isso, no período em que morei no Exterior, graças a Cidinha Bergman (*), muito ligada a Cairbar, consegui perceber a extensão da obra do grande espírita da cidade de Matão, SP.
Seu TCC na formação acadêmica versou sobre Cairbar Schutel. Por que escolheu esse vulto espírita? Como foi a pesquisa e quais as repercussões?
Eu desejava levar esse vulto espírita para a universidade. Pelas razões acima expostas, e por estar morando em Matão, cidade onde Cairbar Schutel se notabilizou como homem público, farmacêutico e principalmente como grande divulgador do Espiritismo, achei que ele poderia ser conhecido também nos meios acadêmicos. Assim, para o meu TCC em Jornalismo resolvi escrever um livro-reportagem biográfico sobre Schutel. Este trabalho foi possível graças a pesquisas realizadas na própria instituição fundada pelo biografado – Casa Editora O Clarim (Matão/SP) – e no CCDPE – Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo (São Paulo, SP), que generosamente me franquearam seus arquivos históricos. Pesquisas documentais em cartórios e entrevistas também fizeram parte desse trabalho. A repercussão foi ótima, porque Cairbar Schutel passou a ser conhecido pela coordenação do curso de jornalismo (UNIARA), professores e alunos. Por ter obtido a nota máxima em meu TCC, o livro ainda é recomendado para outros alunos utilizarem como base de estudo e referência para livros-reportagem.
Como você vê atualmente a influência de Schutel na realidade atual do movimento espírita?
Assim como Cairbar Schutel, muitas personalidades que se destacaram no Movimento Espírita do passado são pouco conhecidas na atualidade. Infelizmente. A influência de Schutel ocorre por intermédio de sua obra literária e pelos periódicos (Jornal O Clarim e a RIE – Revista Internacional de Espiritismo), que circulam até hoje, graças ao esforço daqueles que continuam à frente da instituição fundada por ele. Quem segue o Espiritismo baseado em Allan Kardec, e Jesus como modelo e guia, está seguindo o mesmo caminho de Schutel.
Sob o ponto de vista histórico, na vida de Cairbar o que mais lhe chama atenção?
O que mais me chama a atenção é a sua grande capacidade de trabalho. Cairbar, em pleno início de século XX, tinha uma capacidade de realização diferenciada. À medida que Cairbar se aprofundava no trabalho de divulgação do Espiritismo, ele crescia, e o trabalho avançava, se multiplicava. Imagine um espírito com a capacidade de Cairbar Schutel vivendo nos dias de hoje, com as facilidades tecnológicas e de comunicação, trabalhando na seara espírita? A produção literária de Cairbar Schutel era constante: todo o processo de edição de um jornal e uma revista. Não bastasse isso, ele tinha farto material em outros idiomas para tradução. Cairbar ainda escrevia artigos para outros jornais e publicava livros. Como farmacêutico, atividade que à época tinha influência expressiva na sociedade, atendia a população local e nas fazendas, independente de cor, credo ou classe social. Conferencista, Cairbar realizava palestras em centros espíritas onde era chamado, inclusive na cadeia de Matão. Como homem público, foi o primeiro intendente da cidade. Como espírita, defendia os preceitos doutrinários perante os incrédulos, os ignorantes, mas também perante aqueles que combatiam o Espiritismo. Trabalho com amor. Isso me chamou muito a atenção.
Qual, na sua opinião, foi o maior legado e o maior exemplo deixados por Schutel como contribuição à expansão do pensamento espírita?
O maior legado foi a sua convicção na imortalidade. Essa convicção foi o combustível para mantê-lo irredutível na caminhada. Com todas as dificuldades e percalços, seus ideais se mantiveram sempre elevados, conectados com a espiritualidade superior. Esse legado ele mesmo fez questão de deixar registrado em seu epitáfio, por intermédio de comunicação mediúnica logo depois de sua morte: “Vivi, vivo e viverei, porque sou imortal”.
O maior exemplo deixado por Schutel como contribuição à expansão do pensamento espírita foi a sua fidelidade a Jesus. Essa fidelidade se expressava na sua humildade, no seu desinteresse pelas coisas do mundo, no seu coração totalmente ligado ao bem. Dedicou-se ao próximo curando os enfermos do corpo e da alma, sem distinção. Com esses valores, tornou-se incansável divulgador da Terceira Revelação. Com o magnetismo dos grandes homens, aglutinou uma fiel equipe de trabalhadores, que não somente o acompanharam durante sua estada terrena, como deram continuidade à sua obra depois de sua desencarnação em 1938.
Sobre os livros que Cairbar Schutel escreveu, quais você recomenda ao leitor?
Recomendo a leitura de todas as obras de Cairbar Schutel. Todas possuem conteúdo altamente doutrinário. Mesmo tendo sido escritas há praticamente um século, mantêm a atualidade. Eu recomendaria em especial a leitura do livro Parábolas e Ensinos de Jesus. Esta obra, publicada em 1928, é um verdadeiro tratado sobre as parábolas de Jesus. As explicações de Cairbar colocam luzes ao entendimento evangélico. Para quem pratica a leitura d’ O Evangelho segundo o Espiritismo, o Parábolas enriquece o entendimento do leitor.
Para você, residindo na cidade onde laborou Schutel, e também com a experiência internacional que acumulou quando residiu no exterior, que ângulo de visão lhe oferece o trabalho de Schutel visto com a ótica do conhecimento espírita e da atualidade do movimento espírita?
A experiência de seis anos residindo na Suécia foi muito valiosa. A convivência com espíritas de vários países europeus permitiu-me viver num cenário onde o Espiritismo ainda é desconhecido pela maioria. Diante dessa situação, pude testemunhar o início do trabalho de divulgação espírita. Um terreno árido, onde não existia literatura espírita, nem espíritas. Consegui imaginar o que Cairbar vivenciou nos primórdios da divulgação espírita no Brasil. Tivemos a oportunidade de “esquecer” exemplares d’ O Evangelho segundo o Espiritismo nos trens de Estocolmo (lembrando que Cairbar fazia o mesmo com os exemplares do jornal O Clarim), na esperança de que alguém pudesse se interessar. Participamos da organização de palestras, com a ida de oradores como Divaldo Franco, com pouquíssima adesão popular nos seus primórdios, mas que aos poucos as barreiras foram sendo vencidas. Enfim, o trabalho de Schutel é inspirador em qualquer lugar do mundo!
Algo marcante que gostaria de ressaltar aos leitores, seja da literatura produzida por Schutel, seja dos exemplos deixados pelo grande seareiro?
Sim, eu gostaria de trazer mais exemplos deixados pelo grande seareiro.
Ao conhecer o Espiritismo, Cairbar passou a divulgá-lo nos seus periódicos, distribuindo-os em cemitérios, trens, enfrentando seus opositores com inteligência e maestria.
Cairbar construiu barracos no terreno de sua casa para abrigar desamparados, doentes e miseráveis. Ele não somente acolhia, mas ajudava a alimentá-los, por vezes sentando-se à mesa junto com seus assistidos.
Colocou sua farmácia à disposição dos mais necessitados, atendendo e medicando sem exigir nada em troca. Não à toa foi considerado o Pai da Pobreza de Matão.
Schutel amava os animais, protegia-os, tratando-os como irmãos menores que mereciam atenção e carinho.
Cairbar foi grandioso no exemplo cristão. Ele não se deixou vencer pela vaidade nem pelo orgulho, pois que se manteve – repito – fiel a Jesus.
Suas palavras finais
Cairbar é um modelo de espírita a ser conhecido e imitado. Num mundo repleto de “celebridades” e ídolos de barro, esse espírita é o bom exemplo que segue, imortal, no coração de todos os homens de bem!
Nota
(*) Cidinha é neta de Francisco Velloso, que foi confrade e contemporâneo de Cairbar Schutel. Cidinha Bergman foi fundadora do primeiro centro espírita na Suécia.
O consolador – Ano 10 – N 468 – Entrevista