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Casamento e divórcio

Autor: Paulo Artur Gonçalves

Pergunta-se o que exatamente Jesus quis dizer com “Não separe, pois, o homem o que Deus juntou” se os israelenses daquela época praticavam a poligamia em alta escala e uma mulher podia ser dispensada segundo regras de Moisés.

Mesmo entre os cristãos a poligamia persistiu parcialmente até o século V quando, segundo Santo Agostinho, a Igreja Católica Romana a proibiu para adequar-se à lei greco-romana, que prescrevia uma só esposa legal, tolerando concubinas e prostituição.

O tempo e a evolução dos costumes cuidaram para que a monogamia se estabelecesse, mesmo assim só em pouco mais de 2/3 (dois terços) da humanidade, visto que exclui o Islã, que tolera até 4 esposas.

Nos dois terços que adotam o casamento monogâmico as relações extraconjugais ainda são praticadas por pura sensualidade ou até mesmo por afinidade.

Para entender melhor o assunto, está transcrito a seguir o único trecho do Evangelho (Mateus, cap. XIX, vv. 3 a 9.) em que Jesus supostamente tratou do assunto, não por iniciativa própria, mas porque foi provocado:

“Também os fariseus vieram ter com ele, para o tentarem, e lhe disseram: Será permitido a um homem despedir sua mulher, por qualquer motivo? Ele respondeu: – Não lestes que aquele que criou o homem desde o princípio os criou macho e fêmea e disse: Por esta razão, o homem deixará seu pai e sua mãe e se ligará à sua mulher e não farão os dois senão uma só carne? Assim, já não serão duas, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus juntou.
 

Mas, por que então, retrucaram eles, ordenava Moisés que o marido desse à sua mulher um escrito de separação e a despedisse? Jesus respondeu: – Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés permitiu despedísseis vossas mulheres; mas, no começo, não foi assim. Por isso eu vos declaro que aquele que despede sua mulher, a não ser em caso de adultério, e desposa outra, comete adultério; e que aquele que desposa a mulher que outro despediu também comete adultério”.


Na segunda declaração grifada, Jesus diz ser lícito o divórcio em caso de adultério, o que é conflitante com a indissolubilidade da união dita na primeira.

Assim, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: “Foi por causa da dureza dos vossos corações que Moisés permitiu despedísseis vossas mulheres”?

O adultério era o grande mal da época de Moisés

Isso significa que, não sendo a afeição mútua a única determinante do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Nesta segunda declaração, Jesus ampliou o conceito de adultério em relação à lei de Iahweh ditada a Moisés.
 

O adultério era o grande mal da época. Em Deuteronômio, 22:22, está: “Se um homem é encontrado dormindo com uma mulher casada, ambos devem morrer. Deve-se expurgar o mal de Israel!”. A título de exemplo, Salomão teve 700 esposas e 300 concubinas (Reis, 11:13). Davi teve muitas esposas e concubinas (Samuel, 5:13).

Isto se deve ao primitivismo daquele povo, em que o instinto sexual era ainda predominante, incluindo-se aí o homossexualismo e as relações com animais. Por este motivo, Iahweh, Espírito-guia do povo de Israel, e na Bíblia qualificado como deus único de Israel (não confundir com Deus, “Inteligência Suprema do Universo e causa primária de todas as coisas”), estabeleceu restrições de relacionamento sexual que estão em Levítico, capítulo 20, de 7 a 21, como está transcrito a seguir:

7        “Dediquem-se completamente a mim e sejam santos, pois eu sou o SENHOR, o deus de vocês.

8        Obedeçam às minhas leis. Eu sou o SENHOR, e eu os separei dos outros povos para que vocês sejam somente meus.

10      Se um homem cometer adultério com a mulher de outro, ele e a mulher deverão ser mortos.

11      Se um homem tiver relações com uma das mulheres do pai, ele estará desonrando o pai, e ele e a mulher deverão ser mortos; eles serão responsáveis pela sua própria morte.

12      Se um homem tiver relações com a nora, os dois deverão ser mortos por causa desse ato imoral; eles serão responsáveis pela sua própria morte.

13      Se um homem tiver relações com outro homem, os dois deverão ser mortos por causa desse ato nojento; eles serão responsáveis pela sua própria morte.

14      Se um homem casar(*) com uma mulher e também com a mãe dela, isso é uma imoralidade grave, e os três deverão ser queimados vivos; essa imoralidade precisa ser eliminada do meio do povo.

15      Se um homem tiver relações com um animal, os dois deverão ser mortos.

16      Se uma mulher tiver relações com um animal, os dois deverão ser mortos; eles serão responsáveis pela sua própria morte. 

Moisés pôs limites nos relacionamentos sexuais 

17      Se um homem casar(*) com a irmã, seja por parte só de pai ou por parte de pai e mãe, os dois deverão ser expulsos publicamente do meio do povo. É uma vergonha um homem casar com a irmã; ele merece castigo.

18      Se um homem tiver relações com uma mulher durante a menstruação, os dois deverão ser expulsos do meio do povo. Os dois ficaram impuros, pois quebraram as leis da pureza a respeito da menstruação.

19      Se um homem tiver relações com a tia, os dois merecem castigo, pois são parentes.

20      E o homem que tiver relações com a tia envergonha o tio. O homem e a tia merecem castigo; eles nunca terão filhos.

21      Se um homem tiver relações com a cunhada, ele envergonha o irmão. É uma imoralidade, e os dois morrerão sem terem filhos”.

Com isto, Iahweh, através de Moisés, tão-somente estabeleceu limites nos relacionamentos sexuais praticados, bem como na formação do harém de cada um.

Jesus veio, colocou sua doutrina muito bem resumida no sermão da montanha, e certamente não se preocupou com o assunto poligamia, harém etc., porque sabia que o tempo e os costumes cuidariam disto.

Para finalizar e esclarecer bem o assunto, a seguir está parte do trabalho publicado pelo Grupo de Estudos Allan Kardec, que pode ser encontrado em www.luzdoespiritismo.com:      

“O ser humano é uma criatura sociável que necessita do convívio com outros seres para desenvolver-se e pôr em prática os ensinamentos adquiridos. A sociedade como a conhecemos é composta de várias outras sociedades menores que são as famílias. Uma sociedade sadia só existe com famílias sadias. E as famílias principiam no casamento.

No princípio da relação afetiva, o amor-paixão é muito forte, suplantando os demais. À medida que o tempo passa, vai perdendo a sua força, embora permaneça. É quando surge então o amor-companheirismo, aquele amor que se alegra com a alegria do outro, onde nos sentimos bem em privar da sua presença, é quando fazemos o bem sem esperar retribuição.

No futuro, restará apenas o amor-companheirismo que se chamará, então, Amor Universal.

O casamento representa um alto estágio de evolução do ser, quando se reveste de respeito e consideração pelo cônjuge, firmando-se na fidelidade. Naturalmente, o casamento civil é um dever a ser cumprido pelos espíritas, porque legitima a união perante as leis vigentes, que asseguram ao homem e à mulher direitos e deveres.”

Há cinco tipos distintos de casamento   

“Martins Peralva [Estudando a Mediunidade] apresenta uma divisão didática dos diferentes tipos de casamento, em 5 tipos distintos:

Transcendentais: São casamentos afins entre almas enobrecidas que, juntas, vão dedicar-se a obras de grande valor para a Humanidade. Raros os casos aqui na Terra.

Afins: São aqueles formados por parceiros simpáticos, afins, onde há uma verdadeira afeição da alma. Geralmente, eles sobrevivem à morte do corpo e mantém-se a afeição em encarnações diversas. Pouco comuns na Terra.

Provacionais: São uniões entre almas mutuamente comprometidas, que estão juntas para pacificarem as consciências ante erros graves perpetrados no passado, e simultaneamente desenvolverem os valores da paciência, da tolerância e da resignação. São os mais comuns.

Sacrificiais: São aqueles que se caracterizam por uma grande diferença evolutiva entre os cônjuges.  Um Espírito de mais alta envergadura que aceita o consórcio com outro menos adiantado para ajudá-lo em seu progresso espiritual.

Acidentais: São os casamentos que não foram programados no mundo espiritual. Obedecem apenas à afeição física, sem raízes na afetividade sincera.

Não sabemos em qual categoria nos achamos, mas não existe o acaso, ninguém se acha sob o mesmo teto por mera casualidade. ‘Deus permite, nas famílias, encarnações de Espíritos antipáticos ou estranhos com o duplo fim de servir de prova a uns e de avanço aos outros’.”  

É clara a posição espírita ante o divórcio 

“A posição espírita ante o divórcio está plenamente estabelecida nas duas obras mais conhecidas da codificação espírita: O Livro dos Espíritos e O Evangelho segundo o Espiritismo.

Em L.E., questão 697, Kardec pergunta se a indissolubilidade do casamento pertence à Lei de Deus ou se é apenas uma lei humana. Os Espíritos responderam: ‘A indissolubilidade do casamento é uma lei humana muito contrária à lei natural’.”

Os casamentos transcendentais e afins, que são poucos, se caracterizam pela estabilidade total, por imperar a lei do amor. Neles a preocupação com divórcio e ligações extraconjugais inexiste. O mesmo se pode dizer do cônjuge de alta envergadura nos casamentos sacrificiais.

A preocupação com divórcio e ligações extraconjugais cabe nos demais tipos de casamento. Por se tratar de ligações provacionais, a probabilidade de falha existe e, dependendo das desavenças ocorridas, é melhor que haja a separação que em muitos casos preserva a amizade criada, o que já é um avanço. Além disso, existem os casos em que a relação se esgotou e ambos ficam juntos, como amigos, por mera conveniência.

Neste caso, uma relação de afeto fora do casamento poderia ser até aceitável se não houvesse o risco de azedar tudo e fazer a relação de amizade desandar.

Para terminar, está transcrita a instrução contida em O Evangelho segundo o Espiritismo:

Na união dos sexos, a par da lei divina material, comum a todos os seres vivos, há outra lei divina, imutável como todas as leis de Deus, exclusivamente moral: a lei de amor. Quis Deus que os seres se unissem não só pelos laços da carne, mas também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos se lhes transmitisse aos filhos e que fossem dois, e não um somente, a amá-los, a cuidar deles e a fazê-los progredir.

À medida que avançamos no caminho da evolução, os tipos de casamento tendem a ser transcendentais e afins e aí a afirmativa de que “não separe, pois, o homem o que Deus juntou” passa a ser uma verdade absoluta, porque o amor impera.  

O casamento acidental, uma das maiores causas de divórcio 

Não objetiva este artigo a defender o divórcio nem a infidelidade. A infidelidade é uma das grandes causas das desuniões. Ela pode e deve ser evitada. O sexo nos é altamente salutar, porém, para tal, basta um homem e uma mulher.

Hoje, diferentemente do passado, se podem fazer testes. Testar não é sair ficando com qualquer um. É namorar e, assim, o namoro deve ser um teste também para a fidelidade.

O casamento provacional, por ser uma prova, é sinônimo de problemas futuros que só podem ser vencidos sem egoísmo. É o egoísmo que nos leva a querer resolver os problemas querendo que o parceiro mude. Errado. A gente só pode mudar a gente mesmo. Entretanto, se pelo egoísmo as relações se tornarem um inferno, é melhor que se separe e se preserve, no mínimo, a amizade.

Um dos maiores causadores do divórcio é o casamento acidental. Nesses não há o compromisso de provas ou ajuste e não há laços do carma. Casamentos vapt vupt, via de regra, são acidentais, e na maioria das vezes nascem com o ficar indiscriminado e também com objetivos vazios.

Tanto os casamentos provacionais como os acidentais que desandaram podem ser chamados de casamentos de fachada. Em alguns casos os cônjuges respeitam e se tornam amigos, em outros só se toleram, e em outros mais chegam a odiar-se. Aí vem o lado da fidelidade, do companheirismo. Como ser fiel e companheiro de alguém que não se suporta ou odeia? Impossível isso. É união “sem união”. Isso acarreta desajustes que, pela lei de causa e efeito, deverão ser ajustados, mais provavelmente em vidas futuras, pois, quando dois seres se unem, são responsáveis pela felicidade um do outro. É um comprometimento.

Agora vem o lado do “mito”: não é certo o divórcio, a separação, perante Deus. O que não é certo perante Deus é a infelicidade. A maioria destes desajustes pode ser evitada com o namoro longo, onde se testa também a fidelidade.

Se no tempo de Moisés as uniões se davam dos 13 aos 15 anos, era porque a expectativa de vida era curta, por volta dos 40 anos. Hoje a expectativa de vida já passa dos 70 anos. Assim, sobra tempo para um namoro responsável. O namoro é a base sólida para qualquer união e uma duração maior do mesmo reduz a ação da paixão, deixando as partes se conhecerem melhor.
 

(*) O verbo casar é usado aí no sentido de tomar a mulher para seu harém.

O consolador – Ano 7 – N 308

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