Autor: Rogério Coelho
A verdadeira caridade constitui um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo
Isabel de França[1]
Por iniciativa de alguns detentos evangélicos, foi criado um movimento intitulado: “Igreja nas Grades”. Trata-se de uma assembleia religiosa criada pelos/e para os prisioneiros que se enviscaram nas malhas do crime.
Mesmo que tal iniciativa se circunscreva à propagação da “letra que mata”, já é um ponto de luz que emerge do lodaçal da marginalidade, e praza aos Céus que empreendimentos similares se alastrem pelos presídios do mundo inteiro!…
Em belíssima e esclarecedora mensagem vinda a lume em 1862, no Havre, Isabel de França conclamou1: “(…) deveis amar os desgraçados, os criminosos, como criaturas, que são, de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a vós, pelas faltas que cometeis contra Sua Lei. Considerai que sois mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem negardes perdão e comiseração, pois, as mais das vezes, eles não conhecem Deus como O conheceis, e muito menos lhes será pedido do que a vós.
Não julgueis, oh! não julgueis absolutamente, meus caros amigos, porquanto o juízo que proferirdes ainda mais severamente vos será aplicado e precisais de indulgência para os pecados em que sem cessar incorreis. Ignorais que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer como faltas leves considera? A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem, mesmo, nas palavras de consolação que lhe aditeis. Não, não é apenas isso o que Deus exige de vós. A caridade sublime, que Jesus ensinou, também consiste na benevolência de que useis sempre e em todas as coisas para com o vosso próximo. Podeis ainda exercitar essa virtude sublime com relação a seres para os quais nenhuma utilidade terão as vossas esmolas, mas que algumas palavras de consolo, de encorajamento, de amor, conduzirão ao Senhor.
(…) Permite Deus que entre vós se achem grandes criminosos, para que vos sirvam de ensinamentos. Em breve, quando os homens se encontrarem submetidos às verdadeiras leis de Deus, já não haverá necessidade desses ensinos: todos os Espíritos impuros e revoltados serão relegados para mundos inferiores, de acordo com as suas inclinações.
Deveis, àqueles de quem falo, o socorro das vossas preces, pois isso é a verdadeira caridade. Não vos cabe dizer de um criminoso: “é um miserável; deve-se expurgar da sua presença a Terra; muito branda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem”. Não, não é assim que vos compete falar. Observai o vosso modelo: Jesus. Que diria Ele, se visse junto de Si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podeis fazer o mesmo; mas, pelo menos, podeis orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja de passar na Terra. Pode ele ser tocado de arrependimento, se orardes com fé. É tanto vosso próximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada e revoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele”.
Em uníssono com Isabel de França, aduz Emmanuel[2]: “(…) contempla os sofredores que te procuram, por mais desarvorados, na categoria de irmãos que trazem na própria dor o sinal da altura a que não puderam chegar.
Diante de todos aqueles que o mundo reprova, pensa no supremo esforço que fizeram para serem bons, sem que pudessem atingir o ideal a que se propunham.
À frente dos companheiros incursos em faltas graves, medita na extrema luta que sustentaram consigo mesmos, antes que se arrojassem à delinquência. Perante os que se mergulharam na corrente do vício, imagina-te à beira das armadilhas em que caíram sem perceber. Encontrando a mulher que te parece desprezível, reflete nas longas noites de aflição que atravessou, padecendo na resistência moral para não cair no infortúnio, e, surpreendendo o celerado que se te afigura cruel, mentaliza o seio maternal que o acalentou, entre preces e lágrimas, supondo amamentar a boca de um anjo.
Se os problemas do próximo surgem obscuros e inconfessáveis, pede à simpatia te ajude a resolvê-los, porque, em verdade, não lhes conheces o início e nem sabes que forças da sombra se ocultam por trás dos que tombam, chagados de sofrimento.
Seja qual for o necessitado, compadece-te; e, se esse mesmo necessitado te fere e injuria, compadece-te ainda mais. Não julgueis ninguém tão excessivamente culpado que não careça de apoio e entendimento, recordando que a Bondade de Deus, cada manhã, retira a alvorada vitoriosa das trevas da meia-noite”.
Ensina ainda Emmanuel[3]: “(…) todas as criaturas que resvalam na estrada, decerto pedem palavras que as esclareçam e braços que as levantem, pois tanto quanto nós, na travessia das trevas interiores, reclamam compaixão e socorro em vez de espancamento e censura…
A compaixão e o socorro não devem significar aplauso e conivência para com as ilusões de que devemos desvencilhar-nos. Em verdade, exortou-nos Jesus a deixar conjugados, o trigo e o joio, na gleba da experiência, vez que a Divina sabedoria separará um do outro, no dia da ceifa, mas não nos recomendou sustentar reunidos a planta útil e a praga que a destrói. À vista disso, a compaixão e o socorro expressam-se no cultivador, através da bondade vigilante, com que libertará o vegetal proveitoso da larva que o carcome.
O papel da compaixão é compreender; a função do socorro é restaurar… Entanto, se a compaixão acalenta o mal reconhecido, a título de ternura, converte-se em anestesia da consciência, e se o socorro suprime o remédio necessário ao doente, a pretexto de resguardar-lhe o conforto, transforma-se na irresponsabilidade fantasiada de carinho, apressando-lhe a morte. Portanto, silencia, compadece, mas ampara sempre, estendendo – incansável e perseverantemente – os braços para a obra do auxílio.
Assim como existem pessoas, aparentemente sadias, carregando enfermidades que apenas no futuro se farão evidentes para a intervenção necessária, há criaturas supostamente normais, portadoras de estranhos desequilíbrios, aos quais se lhes debitam os gestos menos edificantes. Muitos daqueles que tombaram na indisciplina e na violência, acabando segregados nas casas de tratamento moral, guardam consigo os braseiros de angústia que lhes foram impostos, em dolorosos processos obsessivos, pelas mãos imponderáveis dos adversários desencarnados de outras existências… E quase todos os que esmoreceram no caminho das próprias obrigações, rendendo-se ao assalto da crueldade e do desespero, sustentaram, por tempo enorme, na intimidade do próprio ser, a agoniada tensão da resistência às forças do mal, sucumbindo, muitas vezes, à míngua de compreensão e amor.
Para todos os nossos irmãos caídos em delinquência, volvamos o pensamento e ação tocados de simpatia, a exemplo de Jesus que não cogita de nossas imperfeições para sustentar-nos, e, certos de que também nós, pela extensão das próprias fraquezas, não logramos, em verdade, saber em que obstáculos do caminho os nossos pés tropeçarão.
Reconhecendo, pois, que todos somos suscetíveis de queda, saibamos estender incessantemente compaixão e socorro, onde estivermos, sem escárnio para com as nossas feridas e sem louvor para com as nossas fraquezas, agindo por irmãos afetuosos e compassivos, mas sinceros e leais uns dos outros, a fim de continuarmos, todos juntos, na construção do Bem Eterno, trabalhando e servindo, cada qual de nós, em seu próprio lugar”.
Referências
[1] KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. XI, item 14.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. Seara dos médiuns. 11. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1998, p. 211-212.
[3] XAVIER, Francisco Cândido. Livro da esperança. 20. ed. Uberaba: CEC, 2008, capítulos 32 e 33.
O consolador – Ano 9 – N 440