Autora: Eugênia Pickina
O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a primeira lei da natureza
Voltaire
Os conflitos fazem parte de todas as relações, incluindo, na infância, o dia a dia dos irmãos, pois é natural que as pessoas, desde pequenas, manifestem necessidades e gostos distintos, por vezes incompatíveis, e isso não é necessariamente mal.
É sabido que muitas variáveis influenciam a relação dos irmãos: os pais, o ambiente, a cultura, a própria personalidade, a ordem de nascimento, as doenças ou acidentes de infância que cada criança experimenta etc. Contudo, estudos distintos concordam que o conflito entre irmãos é normal, comum e, por isso, participa de modo espontâneo da história individual de quem não é filho único.
Em casa, no dia a dia, as crianças pequenas vão, é óbvio, precisar da ajuda do adulto para enfrentar as situações de divergências, aprendendo, com esse auxílio materno ou paterno, a entender pouco a pouco os conflitos de um modo (mais) positivo. Imaginemos que temos uma criança que gosta de jogar futebol e o irmão mais novo gosta de andar de bicicleta. Os dois podem ter gostos diferentes, e nenhum deles está errado. Os pais precisam, então, aprender a dizer: “o seu irmão gosta mais de jogar bola e você gosta mais de bicicleta, há momentos em que vou jogar bola e outros em que vou estar com você para andarmos juntos de bicicleta”. Em termos simples: não tem de ser um contra o outro. A atitude dos pais é que sinaliza aos pequenos uma maneira de ver as diferenças em um contexto mais conciliatório do que competitivo e, em consequência, conviver sem a ameaça constante de ciúmes ou antagonismos.
Os pais não podem ter medo do conflito. No entanto, como muitos pais se assustam diante de um conflito entre irmãos, costumam falar coisas como “vocês são irmãos, precisam se dar bem” em vez de dizer-lhes que precisam lidar com as diferenças e ainda assim se respeitarem.
A maioria dos pais tem um segundo filho para que os irmãos cresçam na companhia de uma pessoa de confiança para a vida inteira. No entanto, sabemos que os filhos são distintos, têm histórias próprias e, já na infância, vão entrar em choque. O que fazer então? Os pais podem, sim, se envolver no cotidiano das rusgas entre irmãs pequenos, mas sempre convidando as crianças a resolver as situações por si próprias e para que alcancem um patamar de compreensão e respeito.
Sem esquecer que todas as crianças merecem ser amadas da forma que precisam de ser amadas, a principal obrigação dos pais é criar um ambiente de paz em casa, evitando, por exemplo, as comparações entre os filhos. Vamos a uma cena comum: há dois irmãos, um com 8 e outra com 5 anos; a de cinco anos acabou de comer o prato de macarrão, ao contrário do irmão de oito, que tem mais resistência para comer. A mãe ou pai diz: “Olha só, João! Alice é mais nova do que você e já acabou de comer, quem é o bebê da família?” Qual é a intenção de um adulto ao dizer isso a uma criança? Que o irmão precisa comer mais depressa que a irmã, porque é o mais velho? Claro que essa atitude não tem o menor fundamento do ponto de vista educativo e, no plano prático, apenas fará com que o irmão mais velho se sinta diminuído, incapaz, humilhado e exposto, promovendo entre os irmãos um espírito de competição, desunião e intolerância.
Aos pais que queiram educar os filhos com base no afeto e no respeito, é sempre aconselhável se informarem sobre as necessidades de cada filho, adquirindo ainda noção do desenvolvimento de cada criança, pois é extremamente injusto pedir certas coisas que os filhos ainda, por imaturidade, não conseguem dar…
A família é sumamente importante em nossas vidas, pois assume a condição de agente socializador imprescindível para o nosso desenvolvimento. Na infância (e na adolescência), as brigas entre irmãos fazem parte do crescimento – e os pais, na retaguarda, devem dar oportunidade de os irmãos resolverem o conflito sozinhos, estimulando, com persistência, tolerância, respeito e autonomia.
Notinha
Na infância, o filho único, mais sujeito à solidão, depende de que os pais promovam atividades que o coloque em contato com outras crianças. E filho único pode, sim, ser uma criança amável e tolerante se os valores da sua educação forem devidamente estruturados na convivência familiar.
O consolador – Ano 12 – N 582 – Cinco-marias