fbpx

Considerações sobre o casamento

Autor: Gebaldo José de Sousa

Para que um casamento possa funcionar, necessário se faz que ambos os parceiros tenham o casamento e seu êxito como o aspecto mais importante de sua vida e merecedor, por conseguinte, de atenção e cuidados. É ilusão pensar que a relação prossegue sozinha, sem ser deliberada e cuidadosamente cultivada, ou ainda, que possa ficar aos cuidados de um só dos parceiros 

1 – DIAS DA SILVA, MA. Quem Ama Não Adoece

O livro Boa Nova 2 registra diálogos do Mestre com Joana de Cusa – uma de suas mais fiéis seguidoras.

Eis breve resumo dessa providencial conversa, na qual o Mestre sugere a ela permanecer no lar, junto ao esposo incompreensivo.

Vivia em Cafarnaum e “acompanhava a Jesus nas pregações do lago”.

Mulher dedicada e de nobre caráter, possuía verdadeira fé, mas não contava com o apoio do esposo – servidor dos ‘poderosos’ do dia –, mais vinculado aos interesses imediatistas.

Em casa de Simão, ela procura Jesus e expõe-Lhe suas amarguras e padecimentos domésticos. O marido não tolerava a nova doutrina, eis que não ‘aceitava as claridades do Evangelho’. Não devia impor-lhe sua fé?

Após ouvi-la pacientemente, Ele lhe responde:

“– (…) Teu esposo não te compreende a alma sensível? Compreender-te-á um dia. É leviano e indiferente? Ama-o, mesmo assim. Não te acharias ligada a ele se não houvesse para isso razão justa. Servindo-o com amorosa dedicação, estarás cumprindo a vontade de Deus. (…) Deves, pelo Evangelho, amá-lo ainda mais. Os sãos não precisam de médico. (…)

 Sê fiel a Deus, amando o teu companheiro do mundo, como se fora teu filho. (…) Volta ao lar e ama o teu companheiro como se fora o material divino que o céu colocou em tuas mãos para que talhes uma obra de vida, sabedoria e amor!

(…)

– Vai, filha!… Sê fiel!”

Essa ponderada diretriz dera-lhe resignação e nova dimensão para sua vida.

Buscou esquecer as características inferiores do marido e observar o que ele possuía de bom, estimulando-o a desenvolver suas virtudes potenciais.

Revelou, assim, que aquele que ama e compreende mais deve estender as mãos para auxiliar ao que é frágil na fé, descendo ao nível de sua compreensão.

Nasceu-lhe um filhinho, que lhe duplicou os trabalhos.

Com os anos, desenvolveu sua fé e seus conhecimentos.

Perseguições políticas levaram o marido às dívidas, ao sofrimento e à morte.

Joana suportou todos os infortúnios. Esqueceu o conforto da nobreza material.

Dedicou-se aos filhos de outras mães e ocupou-se com os mais subalternos afazeres domésticos, para que seu filhinho tivesse pão.

E a bela página segue comentando outros fatos relevantes da vida dessa extraordinária mulher, que soube viver como cristã e, ao final, em Roma, entregar-se ao martírio, por fidelidade a Jesus e à Sua Doutrina de Amor.

Que é um lar?

“O lar supõe um porto, um lugar de abrigo, a representação material de uma morada, um domicílio para o desenvolvimento das relações espirituais, mentais e morais daqueles que o habitam, como imagem do que será, mais adiante, o lar celestial, no reino dos céus.”  3

É possível construir o lar ideal? Há fórmulas? Há receitas?

Quais os objetivos do casamento?

Quais ideais acalentam os casais ao formarem os próprios lares? Que buscam?

Será apenas a perpetuação da espécie humana?

O casamento nos propicia a formação de um lar, que é laboratório onde Deus nos educa para o exercício do amor universal.

Não é algo acabado; é construção de todos os dias. Não se encerra ao final das cerimônias que o envolvem. É a partir daquele momento que ele efetivamente se inicia!

Embora sua importância para os casais e a comunidade, não nos preparamos devidamente para vivenciá-lo, como seria ideal, eis que requer ajustamentos constantes, porque reúne pessoas com formações diferentes e aproxima famílias até com ideias opostas sobre a vida. O que é natural para um, agride o outro.

Sem mútuas concessões, coisas banais viram pontos de discórdia.

Tudo se transforma em apreciação desfavorável.

A intolerância gera implicâncias quanto ao posicionamento à mesa; ao modo de mastigar; à altura da voz; à maneira de vestir-se ou de pentear-se.

A indisposição ao diálogo conduz à solidão a dois – talvez a mais perversa das formas em que ela se apresenta –, ou ao divórcio.

Bem compreendido, é instrumento que favorece a evolução moral dos seres.

Permite-nos vencer o egoísmo.

Antes dele, predomina o pronome “meu”; agora passa a ser o “nosso”.

Daí a importância do diálogo, para resolver conflitos, que se sucedem, ao longo da vida.

Nele, importa, também, dividir a atenção, treinar a renúncia, aprender a passar noites sem dormir, tropeçar em fraldas sujas, correr para o médico nas horas mais impróprias, perder o filme que gostaríamos de assistir; a novela; o telejornal ou o espetáculo esportivo. Enfim, devemos nos preparar para substituir hábitos arraigados.

O casamento e o espiritismo

Na Doutrina Espírita não há cerimônias de casamentos, batizados, ou formalismos de quaisquer natureza. Ele se efetiva pela união civil, na forma da Lei, que visa assegurar o direito das partes e de eventuais descendentes.

Nos casamentos, unimo-nos em preces, em favor do casal e de suas famílias.

“(…) os consórcios humanos estão previstos na existência dos indivíduos, no quadro escuro das provas expiatórias, ou no acervo de valores das missões que regeneram e santificam.” 4

“(…) há casamento de amor, de fraternidade, de provação, de dever (…).” 5

“Tão somente na base da indulgência e do perdão recíprocos (…) conseguirão o companheiro e a companheira do lar o triunfo esperado, nas lides e compromissos que abraçam, descerrando a si mesmos a porta da paz e a luz da libertação.” 6

O casamento “É um progresso na marcha da Humanidade”. 7

“O casamento, segundo as vistas de Deus, deve fundar-se na afeição dos seres que se unem.” 7

“(…) quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas aparências, mas que, quando obrigados a viver com as pessoas, não tardam a reconhecer que não passava de um entusiasmo material! (…)

Há duas espécies de afeição: a do corpo e a da alma, tomando-se muitas vezes uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é durável; a do corpo é perecível. Eis por que, com muita frequência, os que julgavam amar-se eternamente acabam por odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.” 7

“Quantas uniões infelizes, porque resultaram de um cálculo de interesse ou de vaidade, e nas quais o coração não tomou parte alguma!”  8

“(…) o casamento humano é um dos mais belos atos da existência na Terra.” 9        

“Nenhum coração pode viver normalmente sem companhia.

Olhar, gesto e palavra (…) têm significações profundas para a garantia da felicidade.”  10

O casamento e a reencarnação

O marido faltoso é o que inclinamos à crueldade e à mentira, no passado.

A esposa desequilibrada é a que relegamos à necessidade e à viciação, em outra existência física. 

Os filhos problemas são aqueles que prejudicamos, desfigurando-lhes o caráter, envenenando-lhes os sentimentos.

É o que nos ensina Emmanuel (Espírito), no cap. IV do livro Leis de Amor.

Ninguém foge à lei da reencarnação.

(…)

E, sejam quais sejam os teus obstáculos na família, é preciso reconhecer que toda construção moral do Reino de Deus, perante o mundo, começa nos alicerces invisíveis da luta em casa.      “ 11

Antes do casamento, há integração sublime entre os noivos. Os diálogos assumem singular encanto, embalados na melodia do sonho.

Após o casamento, em muitos casos, (…) “Não há concessões recíprocas; não há tolerância e, por vezes, nem mesmo fraternidade. E apaga-se a beleza luminosa do amor, quando os cônjuges perdem a camaradagem e o gosto de conversar.”

“(…) raros conhecem que o lar é instituição essencialmente divina e que se deve viver, dentro de suas portas, com todo o coração e com toda a alma.” 12

Como interpretar essas modificações?

Atingida a convivência no lar, surgem as obrigações do passado.

Muitas dificuldades domésticas são trazidas de outras existências.

Na família reencontram-se afetos e desafetos para ajustes e reajustes.

O divórcio

“(…) deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne (…) De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” Mt, 19: 5-6

Contudo, Jesus admitiu o divórcio em caso de adultério (Mt, 19:9).

“O divórcio é lei humana que tem por fim separar legalmente o que já está, de fato, separado. Não é contrário à Lei de Deus, pois apenas reforma o que os homens fizeram e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta a Lei divina.”13

Ele é admitido em último caso, para se evitar males maiores.

Mas os Espíritos alertam-nos para as responsabilidades que assumimos no casamento – aliás, concordando com as orientações de Jesus a Joana de Cusa, acima indicadas, que recomendam a renúncia, para preservá-lo:

“Quanto ao divórcio (…) somos de parecer não deva ser facilitado ou estimulado entre os homens, porque não existem na Terra uniões conjugais, legalizadas ou não, sem vínculos graves no princípio da responsabilidade assumida em comum.”14

O casamento na bíblia

“O que acha uma esposa, acha o bem, e alcançou a benevolência do Senhor.” Pv, 18:22.

“Os maridos devem amar as suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama a sua esposa, a si mesmo se ama.”  Paulo, Ef, 5:28.

Casamento e amor

“Só o que vem de Deus é imutável. Tudo o que é obra dos homens está sujeito a mudanças.

(…) na união dos sexos, ao lado da Lei divina material, comum a todos os seres vivos, há outra Lei divina, imutável como todas as Leis de Deus, exclusivamente moral: a lei de amor. Quis Deus que os seres se unissem não só pelos laços da carne, mas também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos se transmitisse aos filhos, e que fossem dois, e não somente um, a amá-los, a cuidá-los e a fazê-los progredir. Nas condições habituais do casamento, a lei de amor é levada em consideração? De modo nenhum. Não se leva em conta a afeição de dois seres que se atraem um para o outro por sentimentos recíprocos, visto que, na maioria das vezes, essa afeição é rompida. O que se busca não é a satisfação do coração, e sim a do orgulho, da vaidade, da cupidez; numa palavra: de todos os interesses materiais.

(…)

Quando Deus disse: ‘Não sereis senão uma só carne’, e quando Jesus falou: ‘Não separeis o que Deus uniu’, essas palavras devem ser entendidas com referência à união segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei mutável dos homens.” 15

Conclusão

Casais que se amam desenvolvem linguagem própria: gestos, olhares, sorrisos e piscadelas valem por discursos. Traduzem pensamentos que palavras não exprimem. Conduta que lhes dá alegria e paz. Seus corações se acham próximos – o que lhes favorece o diálogo sereno e constante, expondo, com clareza, os próprios sentimentos.

Os que não se amam cultivam tensões, com agressões e gritos – o que revela que seus corações estão distantes um do outro, ainda que próximos fisicamente. Fatores que lhes povoam a vida de tristeza e infelicidade.

Os primeiros suavizam as dores do caminho e constroem a felicidade possível neste mundo. Os últimos agravam as dificuldades naturais da vida.

No lar, cabe ao casal doar aos filhos amor, educação, amparo e exemplos.

Devem dedicar-se ao estudo do Evangelho, para ensiná-los a orar e a amar a Deus.

Não compreendemos, ainda, na Terra, a importância da oração sincera, em quaisquer circunstâncias, mas que assume extraordinário valor entre as quatro paredes de um lar!

Os cônjuges crescem, quando há real compromisso de um para com o outro e com as tarefas sagradas que abraçaram no lar, se investem no relacionamento; se fazem concessões mútuas; se não guardam mágoas, nem cultivam sentimentos de vingança; se revelam fraternidade, companheirismo; se compartilham alegrias, dores, sonhos e realizações; se expressam admiração e apoio recíprocos; se se elogiam, a sós ou em público.

E a união conjugal cumpre sua finalidade – que é o do crescimento de ambos e o daqueles que os cercam – quando se sentam frente a frente e se olham nos olhos.

O casamento, afinal, é uma conversa a longo prazo.

A vida a dois exige, sempre, renúncia de lado a lado. Em eventuais discórdias, alguém deve dar o primeiro passo, quebrar o gelo.

Requer permanente exercício da compreensão; da doação; do respeito recíproco e às individualidades, às inclinações, e aos hábitos do outro; fidelidade, paciência, e, sobretudo, o cumprimento dos deveres, por menores que sejam.

O apoio ao outro, para que expanda suas potencialidades, seus talentos, desenvolvendo-lhe a autoestima, aproxima o casal.

No casamento o exercício diuturno do amor, do carinho, da ternura, torna a doação algo natural, prazerosa e desenvolve a comunhão espiritual.

O amor deve ser maior que as dificuldades.

Expressões mágicas a favor da harmonia: errei; você tem razão; peço-lhe perdão; fui indelicado; prometo-lhe que mudarei minha conduta.

Que tal começar hoje mesmo a usar estas expressões a favor da paz no lar?

São fatores que criam atmosfera acolhedora e transformam casas (paredes) em lares.

Referências

1. DIAS DA SILVA, MA. Quem Ama Não Adoece. 5. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 283.

2. XAVIER, F. Cândido. Boa Nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1979.  Cap. 15, p. 99 a 104.

3. MCGAREY, Gladys y William. Revelaciones de Edgar Cayce sobre el amor y la familia. Madrid: EDITORIAL EDAF, S. A., 1989. Cap. 16, p. 245. Tradução livre, do Espanhol.

4. XAVIER, Francisco C. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB.1977. Q. 179.

5. XAVIER, Francisco C. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 25. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. Cap. 38, p. 212.

6. XAVIER, Francisco C. Vida e Sexo. Pelo Espírito Emmanuel. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. P. 60.

7. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1ª edição Comemorativa do Centenário. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Q. 695; 701 e 939, respectivamente.

8. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013. Cap. V, it. 4.

9. XAVIER, Francisco C. Os Mensageiros. Pelo Espírito André Luiz. 12. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980. Cap. 30, p. 160.

10. VIEIRA, Waldo. Sol nas Almas. Pelo Espírito André Luiz. 3. ed. Uberaba: CEC, 1974. Cap. 37, p. 111.

11. XAVIER, F. Cândido. Luz no Lar. Pelo Espírito Emmanuel. 7. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1991. Cap. 49, p. 124.

12. XAVIER, Francisco C. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz. 25. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982. Cap. 20, p. 112.

13. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013. Cap. 22, it. 5.

14.XAVIER, Francisco C. Evolução em dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1979. 2ª Parte, Cap. 8, p. 186/7.

15. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013. Cap. 22, it. 2 e 3.

O consolador – Ano 8 – N 405 e 406 – Especial

spot_img