fbpx

Conversando com Pestalozzi

A tarefa de educar é a mais importante que podemos exercer na atual encarnação. Primeiro, educando-nos, ou seja, realizando esforços para melhorarmo-nos, pois somente educa quem, de fato, consegue exemplificar em palavras e atos o que ensina.

Nesta entrevista, apresen­tamos uma conversa que realizamos com o mestre Pestalozzi, naturalmente utilizando-nos de seus escritos para montagem do texto, na verdade a Carta de Stans, documento muito importante para a educação, onde ele revela suas ideias, seus prin­cípios e sua metodologia de trabalho. A Carta de Stans é verdadeiro documento pedagógico, onde temos Pestalozzi com todo sentimento, com todo ardor pela educação, e onde encontramos a base de tudo o que ele viria posteriormente a desenvolver no Instituto de Iverdon. Vamos à entrevista:

REE – A política exercida pelos homens pode mudar o cenário da educação?

Pestalozzi – Nunca acreditei na exterioridade da forma política, mas acredito que alguns concei­tos trazidos pelos políticos à ordem do dia e al­guns interesses suscitados, podem acarretar aqui e ali alguma coisa verdadeiramente boa para a humanidade.

Pestalozzi – Trouxe à baila, o quanto pude, meus velhos anseios de educação popular e confiei-os, primorosamente, com toda a envergadura em que os concebia, ao Diretório (governo provisó­rio da Suíça). Eu e Legrand (membro do Dire­tório) concordávamos que a formação popular podia ter maior eficácia, atingindo um número apreciável das crianças mais pobres, dando-lhes educação completa, se essas crianças não fossem retiradas do seu meio, mas se tornassem, ao con­trário, por meio da educação, muito mais atadas a ele. O governo me apoiou quando da tragédia de Unterwalden (1798), e pude ali instalar um Instituto (Orfanato de Stans), mas logo perdi o apoio governamental, era preciso investir o dinheiro em outras ações, e não na educação.

REE – Essa experiência foi dramática, edu­cando crianças órfãs, pobres, abandonadas, vítimas da guerra…

Pestalozzi – A completa ausência de forma­ção escolar era o que menos me preocupava. Confiante nas faculdades da natureza humana, que Deus colocou também nas crianças mais pobres e mais desprezadas, eu não tinha ape­nas aprendido em experiências anteriores que essa natureza desdobra as mais formosas po­tencialidades e capacidades em meio ao lodo da rudeza, do embrutecimento e da ruína, mas via nas minhas próprias crianças irromper essa força viva, mesmo em meio a toda sua brutali­dade. Eu sabia o quanto a própria miséria e as necessidades da vida contribuem para mostrar aos homens a relação essencial das coisas, para desenvolver a mente sadia e o bom senso e para estimular energias – que parecem estar no fundo da existência, cobertas de imundície, mas que, se limpas do lodo ao redor, brilham intensamente.

REE – E qual era seu objetivo nesse instituto, na verdade um orfanato de crianças pobres?

Pestalozzi – Elevar as crianças da lama e trans­plantá-las para um ambiente simples, mas puro, doméstico, onde as relações fossem as de uma família. Eu estava convencido de que apenas isso era preciso, e essas disposições naturais despon­tariam num sentido elevado, com energia su­perior, para se provarem capazes de tudo o que satisfaz o espírito e corresponde à mais profunda tendência do coração.

REE – E o senhor teve apoio acadêmico?

Pestalozzi – Não havia ninguém nessa terra de Deus que quisesse partilhar o meu ponto de vista a respeito das aulas e da orientação das crianças. Quanto mais instruída e cultivada era a maior parte das pessoas, menos me entendiam e menos se mostravam capazes de se firmar, nem ao menos teoricamente, nos pontos inciais a que eu procurava retornar. Todas as suas ideias a respeito da organização, das necessidades do empreendimento, etc., eram totalmente estra­nhas às minhas. Resistiam sobretudo à ideia e à possibilidade de não se recorrer a nenhum recurso artificial, de se usar apenas como re­curso educativo a natureza à volta das crianças, as necessidades diárias e sua atividade, sempre animada.

REE – Pelo que entendemos o senhor usou o Orfanato de Stans como um laboratório para provar a certeza de sua teoria. Foi isso mesmo?

Pestalozzi – Eu pretendia provar, com minha ex­periência, que as vantagens da educação familiar devem ser reproduzidas pela educação pública e que a segunda só tem valor para a humanidade se imitar a primeira.

REE – E como o senhor define o ensino esco­­lar?

Pestalozzi – Aos meus olhos, ensino escolar que não abranja todo o espírito, como exige a educa­ção do homem, e que não seja construído sobre a totalidade viva das relações familiares, conduz apenas a um método artificial de encolhimento de nossa espécie.

REE – Ou seja, mais do que o ensino impor­tante é a educação? E os professores devem ser verdadeiros pais?

Pestalozzi – Toda a boa educação exige que o olho materno acompanhe, dentro do lar, a cada dia, a cada hora, toda a mudança no estado de alma de seu filho, lendo-o com segurança nos seus olhos, na sua boca, na sua fronte. E exige essencialmente que a força do educador seja pura força paterna, animada pela presença, em toda a extensão, das circunstâncias familiares.

REE – E foi assim que o senhor fez no institu­to?

Pestalozzi – Sobre isso eu construí. Que o meu coração preso às crianças, que a sua felicidade era a minha felicidade; a sua alegria, a minha alegria; elas deviam ler isso na minha fronte; perceber isso nos meus lábios, desde manhã ce­dinho até tarde da noite, a cada instante do dia.

REE – Como discípulo de Rousseau, o senhor sempre acreditou no desenvolvimento da bondade da criança. No processo educacional como isso pode ser trabalhado?

Pestalozzi – O homem quer o bem com tanto gosto, a criança tem tanto prazer em abrir os ou­vidos para o bem! Mas ela não o quer por causa do professor, ela não o quer por causa do educa­dor, ela o quer por si mesma. O bem para o qual o professor deve conduzi-la, não deve ter ne­nhuma relação com os caprichos e as paixões do professor. É preciso que a natureza da coisa seja boa em si e pareça boa aos olhos da criança. Ela precisa sentir a necessidade da vontade do pro­fessor, conforme sua situação e suas carências, antes que ela queira a mesma coisa. Ela quer tudo o que a torna amável, tudo o que lhe traz reconhecimento, tudo o que excita nela grandes expectativas, tudo o que nela gera energias, que a faça dizer: “eu sei fazer”. Mas toda essa vontade não é produzida por palavras, e sim pelos cui­dados que cercam a criança e pelos sentimentos e forças gerados por esses cuidados. As palavras não produzem a coisa em si, mas apenas o seu significado.

REE – Desde o início do trabalho no Instituto de Stans sua teoria foi aprovada pela prática?

Pestalozzi – Não. O primeiro efeito dessa teoria e dessa prática, no geral, não foi nada satisfatório, e não poderia sê-lo. As crianças não acreditavam tão facilmente no meu amor. Acostumadas à ociosidade, a uma vida de abandono e embrute­cimento, se queixavam de tédio e não queriam ficar.

REE – Nem todas as crianças eram órfãs. Os pais apoiavam seu trabalho?

Pestalozzi – O estado doentio de várias crianças durou longo tempo, e era agravado pela influên­cia dos pais. Retiravam as crianças do instituto e a levavam para a rua, para esmolar. Os pais pensaram logo que me faziam um favor pessoal se seus filhos ficassem, pois acreditavam que aceitara esse trabalho por miséria, por não ter outra coisa melhor a fazer.

REE – Quais foram suas primeiras ações edu­cativas no Orfanato de Stans?

Pestalozzi – Minha meta principal direcionou­-se, antes de mais nada, a tornar as crianças irmãs, cultivando os primeiros sentimentos da vida em comum e desenvolvendo suas primei­ras faculdades nesse sentido. Com isso, minha intenção era fundir a casa no espírito simples de uma grande comunidade familiar e, sobre a base de tal relacionamento e da predisposição por ele gerada, suscitar em todos um sentimento de justiça e moralidade.

REE – E como conseguiu cultivar esse senti­mento?

Pestalozzi – Eu despertava os sentimentos das virtudes antes que se fizessem discursos sobre elas, pois considerava prejudicial tratar com as crianças de alguma coisa enquanto não soubes­sem do que falavam. Além disso, ligava esses sentimentos a exercícios de autodomínio, para lhes dar imediata aplicação na conduta da vida. Essas experiências me ensinaram que o habi­tuar-se simplesmente às atitudes de uma vida virtuosa faz mais por uma verdadeira educação da capacidade moral que todos os ensinos e pre­gações não assentados sobre esses recursos.

Revista Educação Espírita – Ano 1 – Número 2

spot_img