Revista Espírita, maio de 1858
Um dos nossos assinantes nos comunica as duas conversas seguintes que ocorreram com o Espírito de Mozart. Não sabemos nem onde e nem quando essas conversas tiveram lugar; não conhecemos nem os interrogadores, nem o médium; nelas somos, pois, completamente estranhos. Apesar disso, notar-se-á a concordância perfeita que existe entre as respostas obtidas e as que foram dadas por outros Espíritos, sobre diversos pontos capitais da Doutrina, em circunstâncias diferentes, seja a nós, seja a outras pessoas, e que narramos em nossos fascículos precedentes, e em O Livro dos Espíritos. Chamamos, sobre essa semelhança, toda a atenção dos nossos leitores, que dela tirarão a conclusão que julgarem a propósito. Aqueles, pois, que poderiam ainda pensar que as respostas às nossas perguntas podem ter o reflexo de nossa opinião pessoal, verão por aí se, nessa ocasião, pudemos exercer uma influência qualquer. Felicitamos as pessoas que fizeram essas entrevistas pela maneira com que as perguntas estão postas. Apesar de certas faltas que decorrem da inexperiência dos interlocutores, em geral, estão formuladas com ordem, clareza e precisão, e não se afastam da linha séria: é uma condição essencial para se obter boas comunicações. Os Espíritos elevados vão às pessoas sérias que querem se esclarecer de boa-fé; os Espíritos levianos se divertem com as pessoas frívolas.
Primeira conversa
1. Em nome de Deus, Espírito de Mozart, estás aqui? – R. Sim.
2. Por que antes Mozart do que um outro Espírito? – R. Foi a mim que haveis evocado: eu vim.
3. O que é um médium? – R. O agente que une o meu Espírito ao teu.
4. Quais são as modificações, tanto fisiológicas quanto anímicas, que, sem o saber, o médium sofre quando entra em ação intermediária? – R. Seu corpo não sente nada, mas seu Espírito, em parte desligado da matéria, está em comunicação com o meu e me une a vós.
5. O que se passa nele, nesse momento? – R. Nada para o corpo; mas uma parte do seu Espírito é atraída para mim; faço sua mão agir pelo poder que meu Espírito exerce sobre ele.
6. Assim, o indivíduo médium entra, então, em comunicação com uma individualidade espiritual outra que a sua? – R. Certamente; também tu, sem seres médium, estás em relação comigo.
7. Quais são os elementos que concorrem para a produção desse fenômeno? – R. Atração dos Espíritos para instruírem os homens; leis de eletricidade física.
8. Quais são as condições indispensáveis? – R. É uma faculdade concedida por Deus.
9. Qual é o princípio determinante? – R. Não posso dizê-lo.
10. Poderias dele nos revelar as leis? – R. Não, não, não no presente; mais tarde sabereis tudo.
11. Em quais termos positivos poder-se-ia enunciar a fórmula sintética desse maravilhoso fenômeno? – R. Leis desconhecidas, que não poderiam ser compreendidas por vós.
12. O médium poderia se pôr em relação com a alma de um vivo, e em que condições? – R. Facilmente, se o vivente dorme (1- (1) Se uma pessoa viva for evocada no estado de vigília, pode adormecer no momento da evocação, ou pelo menos experimentar um entorpecimento e uma suspensão das faculdades sensitivas; mas, muito frequentemente, a evocação não dá resultado, sobretudo se não for feita com uma intenção séria e benevolente.).
13. Que entendes pela palavra alma? – R. A centelha divina.
14. E por Espírito? – R. O Espírito e a alma são uma mesma coisa.
15. A alma, enquanto Espírito imortal, tem consciência do ato da morte, e consciência dela mesma, ou do eu, imediatamente depois da morte? – R. A alma nada sabe do passado e não conhece o futuro senão depois da morte do corpo; então vê sua vida passada e suas últimas provas; escolhe a sua nova expiação, por uma vida nova, e a prova que vai suportar; também não deve se lamentar do que se sofre na Terra, e deve suportá-la com coragem.
16. A alma se encontra, depois da morte, desligada de todo elemento, de todo laço terrestre? – R. De todo elemento, não; ela tem ainda um fluido que lhe é próprio, que haure na atmosfera do seu planeta, e que representa a aparência da sua última encarnação; os laços terrestres não lhe são mais nada.
17. Ela sabe de onde vem e para onde vai? – R. A questão décima-quinta responde a isso.
18. Não leva nada com ela deste mundo? – R. Nada senão a lembrança de suas boas ações, o arrependimento de suas faltas, e o desejo de ir para um mundo melhor.
19. Ela abarca, de um golpe de vista retrospectivo, o conjunto da sua vida passada? – R. Sim, para servir à sua vida futura.
20. Ela entrevê o objetivo da vida terrestre e a significação, o sentido dessa vida, assim como o curso que lhe fornecemos com respeito à vida futura? – R. Sim; ela compreende a necessidade de depuração para chegar ao infinito; quer se purificar para alcançar mundos bem-aventurados. Sou feliz; mas não estou eu já nos mundos onde se goza da visão de Deus!
21. Existe na vida futura uma hierarquia de Espíritos, e qual é sua lei? – R. Sim: é o grau de depuração que a define; a bondade, as virtudes são os títulos de glória.
22. É a inteligência, enquanto força progressiva, que lhe determina a marcha ascendente? – R. Sobretudo as virtudes: o amor ao próximo acima de tudo.
23. Uma hierarquia de Espíritos fará supor uma outra de residência; esta última existe e de que forma? – R. A inteligência, dom de Deus, é sempre a recompensa das virtudes: caridade, amor ao próximo. Os Espíritos habitam diferentes planetas, segundo o seu grau de perfeição: neles gozam de mais ou menos felicidade.
24. O que é preciso entender por Espíritos superiores? – R. Os Espíritos purificados.
25. Nosso globo terrestre é o primeiro de seus degraus, o ponto de partida, ou viemos de mais baixo? – R. Há dois globos antes do vosso, que é um dos menos perfeitos.
26. Qual é o mundo que habitas? És feliz? – R. Júpiter. Nele gozo de uma grande calma; amo todos aqueles que me cercam; não temos mais ódio.
27. Se tens lembrança da vida terrestre, deves lembrar dos esposos A…, de Viena; haveis revisto todos os dois depois da morte, em qual mundo e em quais condições? – R. Não sei onde estão; não posso dizer-te. Um é mais feliz do que o outro. Por que me falas deles?
28. Podes, por uma única palavra indicativa de um fato capital da vida, que não podes haver esquecido, fornecer-me uma prova certa dessa lembrança. Eu te suplico dizer essa palavra – R. Amor; reconhecimento.
Segunda conversa
O interlocutor não é o mesmo. Julga-se, pela natureza da conversação, tratar-se de um artista músico, feliz por conversar com um mestre. Após diversas questões que cremos inútil relatar, Mozart diz:
1. Acabemos com as perguntas de G…: falarei contigo; dir-te-ei o que entendemos por melodia em nosso mundo. Por que não me evocaste mais cedo? Eu teria respondido.
2. O que é a melodia? – R. Frequentemente, é para ti uma lembrança da vida passada; teu Espírito se lembra do que entreviu num mundo melhor. No planeta onde estou, Júpiter, a melodia está por toda parte, no murmúrio da água, o ruído das folhas, o canto do vento; as flores murmuram e cantam; tudo emite sons melodiosos. Sé bom; ganha esse planeta pelas tuas virtudes; escolheste bem cantando Deus: a música religiosa ajuda a elevação da alma. Quanto gostaria poder vos inspirar o desejo de ver esse mundo onde se é tão feliz! está pleno de caridade; tudo ali é belo! A Natureza tão admirável! Tudo vos inspira o desejo de estar com Deus. Coragem! Coragem! Crede bem em minha comunicação espírita: sou bem eu que lá estou; alegro-me em poder dizer-vos o que experimentamos; que eu possa vos inspirar bastante o amor ao bem para vos tornar dignos dessa recompensa, que nada são perto das outras às quais aspiro!
3. Nossa música é a mesma nos outros planetas? – R. Não; nenhuma música pode vos dar a ideia da música que temos ali; é divina! Ó felicidade! merece gozar de semelhantes harmonias: luta; coragem! Não temos instrumentos; são as plantas, os pássaros que são os coristas; o pensamento compõe e os ouvintes desfrutam sem audição material, sem o recurso da palavra, e isso a uma distância incomensurável. Nos mundos superiores isso é ainda mais sublime.
4. Qual é a duração da vida de um Espírito encarnado em outro planeta, que não seja o nosso? – R. Curta nos planetas inferiores; mais longa nos mundos como aquele onde tenho a felicidade de estar; em média, em Júpiter, ela é de trezentos a quinhentos anos.
5. Há uma grande vantagem em voltar a habitar na Terra? – R. Não, a menos que seja em missão; então, se avança.
6. Não se seria mais feliz permanecendo Espírito? – R. Não, não! estacionar-se-ia; pede-se ao ser reencarnado para avançar para Deus.
7. É a primeira vez que estou na Terra? – R. Não; mas não posso falar-te do passado de teu Espírito.
8. Poderia ver-te em sonho? – R. Se Deus o permitir, far-te-ei ver minha casa em sonho, e dela te recordarás. (ver abaixo)
9. Onde estás aqui? – R. Entre ti e tua filha, eu vos vejo; estou sob a forma que tinha quando vivo.
10. Eu poderia ver-te? – R. Sim; crê e verás. Se tivesses maior fé, ser-nos-ia permitido dizer o porquê; tua própria profissão é um laço entre nós.
11. Como entraste aqui? – R. O Espírito atravessa tudo.
12. Estás ainda bem longe de Deus? – R. Ó! sim!
13. Compreendes melhor do que nós o que é a eternidade? -R. Sim, sim, não podeis compreendê-la tendo um corpo.
14. Que entendes pelo Universo? Teve começo e terá um fim? – R. O Universo, segundo vós, é vossa Terra! Insensatos! O Universo não teve começo e não terá fim; pensai que é a obra inteira de Deus; o Universo é o Infinito.
15. O que se deve fazer para ficar calmo? – R. Não te inquietes tanto pelo teu corpo; terás o Espírito perturbado; resiste a essa tendência
16. O que é essa perturbação? – R. Temes a morte.
17. Que fazer para não temê-la? – R. Crê em Deus; crê sobretudo, que Deus não arrebata sempre um pai útil à sua família.
18. Como chegar a essa calma? – R. O querer.
19. Onde haurir essa vontade? – R. Distrai teu pensamento disso pelo trabalho.
20. Que devo fazer para aperfeiçoar meu talento? – R. Podes me evocar; obtive a permissão de te inspirar.
21. Isso quando trabalhar? – R. Certamente! Quando quiseres trabalhar, algumas vezes estarei perto de ti.
22. Ouvirás minha obra? (uma obra musical do interrogador) -R. És o primeiro músico que me evoca; venho a ti com prazer e escuto as tuas obras.
23. Como ocorre que nunca foste evocado? – R. Fui evocado, mas não por músicos.
24. Por quem? – R. Por várias damas e amadores, em Marseille.
25. Por que a Ave…me toca até às lágrimas? – R. Teu Espírito se desliga e se junta ao meu e ao de Per-golèse, que me inspirou essa obra, mas esqueci esse pedaço.
26. Como podes esquecer a música composta por ti? – R. A que existe aqui é tão bela! Como lembrar-se daquilo que era todo matéria?
27. Vês minha mãe? – R. Ela está encarnada na Terra.
28. Em que corpo? – R. Disso nada posso dizer.
29. E meu pai? – R. Está errante para ajudar ao bem; fará tua mãe progredir; estarão reencarnados juntos, e serão felizes.
30. Vem me ver? – R. Frequentemente; tu lhe deves os movimentos caridosos.
31. Foi minha mãe quem pediu para estar reencarnada? – R. Sim; disso tinha um grande desejo, para subir por uma nova prova e entrar num mundo superior à Terra; ela já deu um passo imenso.
32. Que queres dizer com isso? – R. Ela resistiu a todas as tentações; sua vida na Terra foi sublime em comparação com o seu passado, que era o de um Espírito inferior; também subiu vários degraus.
33. Tinha, pois, escolhido uma prova acima das suas forças? -R. Sim, é isso.
34. Quando sonho que a vejo, é ela mesma que vejo? – R. Sim, sim.
35. Se tivesse evocado Bichat no dia da ereção de sua estátua, teria respondido? Estava lá? – R. Estava, e eu também.
36. Porque ali estavas? – R. Com vários outros Espíritos que se alegram com o bem, e que ficam felizes em ver que glorificais aqueles que se ocupam com a Humanidade sofredora.
37. Obrigado, Mozart; adeus. – R. Crede, crede que ali estou… Sou feliz… Crede que há mundos acima do vosso… Crede em Deus… Evocai-me mais frequentemente, e em companhia de músicos; estarei feliz por vos instruir e contribuir para o vosso adiantamento, e de vos ajudar a subir até Deus. Evocai-me; adeus.