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Conversas familiares de além-túmulo: Paul Gaimard

Revista Espírita, março de 1859

Médico da marinha e viajante naturalista, falecido em 11 de dezembro de 1858; evocado no dia 24 do mesmo más, com a idade de 64 anos, por um de seus amigos, o senhor Sardou.

1. Evocação. – R. Estou aqui; que queres tu?

2. Qual é teu estado atual? – R. Erro como os Espíritos que deixam a Terra e que têm o desejo de avançarem nos caminhos do bem. Nós procuramos, estudamos, e depois escolhemos.

3. Tuas ideias, sobre a natureza do homem, se modificaram? – R. Muito; bem pode avaliar.

4. Qual julgamento levas, agora sobre o gênero de vida que te conduziu durante a existência que vens de terminar neste mundo? – R. Estou contente, porque trabalhei.

5. Crês que, para o homem, tudo acaba no túmulo: daí teu epicurismo e o desejo que exprimias, algumas vezes, de viver séculos para gozar bem a vida? Que pensas dos vivos que não têm outra filosofia senão aquela? – R. Eu os lamento, mas isso, todavia, lhes serve: com um tal sistema, podem apreciar friamente tudo o que entusiasma os outros homens, e isso lhes permite julgarem sadiamente muitas coisas que fascinam os crédulos em excesso.

Nota. – É a opinião pessoal do Espírito; damo-la como tal e não como máxima.

6. O homem que se esforça moralmente, antes que intelectualmente, faz melhor que aquele que se apega sobretudo ao progresso intelectual e negligencia o progresso moral? – R. Sim; a moral passa adiante. Deus dá o espírito como recompensa aos bons, ao passo que a moral devemos adquiri-la.

7. Que entendes por espírito que Deus dá? – R. Uma vasta inteligência.

8. Entretanto, existem muitos maus que têm uma vasta inteligência. – R. Eu o disse. Perguntastes qual valia mais procurar adquirir; disse-vos que a moral é preferível; mas aquele que trabalha, para aperfeiçoar seu Espírito, pode adquirir um alto grau de inteligência. Quando, pois, entendereis as meias palavras?

9. Estás completamente desligado da influência do corpo material? – R. Sim; o que vos disseram, sobre isso, não compreende senão uma certa classe da humanidade.
Nota. Ocorreu, várias vezes, que Espíritos evocados, mesmo depois de alguns meses de sua morte, declararam estarem ainda sob a influência da matéria; mas esses Espíritos foram todos homens que não haviam progredido, nem moral nem intelectualmente. É da classe dessa humanidade que quer falar o Espírito que foi Paul Gaimard.

10. Tivestes, na Terra, outras existências além da última? – R. Sim.

11. Esta última é a consequência da precedente? – R. Não, tive um grande espaço de tempo entre as duas.

12. Apesar desse longo intervalo, não poderia nele haver, entretanto, uma certa relação entre essas duas existências? – R. Cada minuto de nossa vida é a consequência do minuto precedente, se o entendes assim.

Nota. O doutor B…, que assistia essa conversa, exprimiu a opinião de que certos pendores, certos instintos que, por vezes, despertam em nós, poderiam bem serem como reflexo de uma existência anterior. Cita vários fatos, perfeitamente constatados, de jovens mulheres que, na gravidez, foram impelidas a atos ferozes, como por exemplo, aquela que se atirou sobre o braço de um rapaz estúpido e deu-lhes belas dentadas; outra que cortou a cabeça de um menino, e ela mesma levou essa cabeça ao comissário de polícia; uma terceira que matou seu marido, cortou-o em pequenos pedaços e salgou, e com os quais se alimentou durante vários dias. O doutor perguntou se, em uma existência anterior, essas mulheres não haviam sido antropófagas.

13. Ouvistes o que acaba de dizer o doutor B…, é que esses instintos, designados sob o nome de vontade de mulheres grávidas, são consequências de hábitos contraídos em uma existência anterior? – R. Não; loucura transitória; paixão em seu mais alto grau; o Espírito é eclipsado pela vontade.

Nota. O doutor B… fez observar que, efetivamente, os médicos consideram esses atos como casos de loucura transitória. Partilhamos essa opinião, mas não pelos mesmos motivos, já que aqueles que não estão familiarizados com os fenômenos espíritas são, geralmente, levados a atribuí-los a causas que não conhecem. Estamos persuadidos de que devemos ter reminiscências de certas disposições morais anteriores; acrescentamos mesmo que é impossível ser de outro modo, não podendo o progresso cumprir-se senão gradualmente; mas isso não pode ser aqui o caso, e o que o prova é que as pessoas das quais se vem de falar não dão nenhum outro sinal de ferocidade fora de seu estado patológico: não haveria, evidentemente, entre elas, senão uma perturbação momentânea das faculdades morais. Reconhece-se o reflexo das disposições anteriores por outros sinais, de alguma sorte, inequívocos e que desenvolveremos em um artigo especial, com fatos em seu apoio.

14. Em ti, na última existência, houve, ao mesmo tempo, progresso moral e progresso intelectual? – R. Sim; sobretudo intelectual.

15. Poderias dizer-nos qual era o gênero de tua penúltima existência? – R. Ó! fui obscuro. Tive uma família que tornei infeliz; muito expiei mais tarde. Mas por que me perguntar isso? Já se passou muito e estou agora em novas fases.

Nota. P. Gaimard morreu celibatário com a idade de 64 anos. Mais de uma vez, lamentou-se por não ter um lar.

16. Esperas estar logo reencamado? – R. Não, quero pesquisar antes. Amamos este estado de erraticidade, porque a alma se domina melhor, o Espírito tem mais consciência de sua força; a carne pesa, obscurece, entrava.

Nota. Todos os Espíritos dizem que, no estado errante, eles procuram, estudam, observam para fazerem sua escolha. Não é a contrapartida da vida corpórea? Frequentemente, não procuramos durante anos antes de fixarmos nossa escolha na carreira que cremos a mais apropriada para criar o nosso caminho? Não a mudamos, algumas vezes, à medida que avançamos em anos? Cada dia não é empregado na procura do que faremos no dia seguinte?

Ora, o que são as diferentes existências corpóreas para o Espírito senão fases, períodos, dias da vida espírita que, como sabemos, é a vida normal, não sendo a vida corpórea senão transitória e passageira? Que de mais sublime que essa teoria? Não está em relação com a harmonia grandiosa do Universo? Ainda uma vez, não fomos nós que a inventamos, e lamentamos não termos disso o mérito; mas, quanto mais a aprofundamos, mais a encontramos fecunda em soluções de problemas até agora inexplicados.

17. Em qual planeta pensas, ou desejas, estar reencamado? – R. Não sei; dai-me o tempo para procurar.

18. Qual gênero de existência pedirias a Deus? – R. A continuação desta última; o maior desenvolvimento possível das faculdades intelectuais.

19. Pareces sempre colocar em primeira linha o desenvolvimento das faculdades intelectuais, fazendo menor caso das faculdades morais, apesar do que disseste precedentemente. – R. Meu coração não está bastante formado para apreciar bem as outras.

20. Vês outros Espíritos e estás em relação com eles? – R. Sim.

21. Entre esses Espíritos, há os que conheceste na Terra? – R. Sim; Dumont-d’Urville.

22. Vês também o Espírito de Jacques Arago com quem viajas-te? – R. Sim.

23. Esses Espíritos estão na mesma condição tua? – R. Não; uns mais altos, os outros mais baixos.

24. Queremos falar do Espírito de Dumont-d’Urville e de Jacques Arago. – R. Não quero especializar.

25. Estás satisfeito por te havermos evocado? – R. Sim, sobretudo por uma pessoa.

26. Podemos fazer alguma coisa por ti? – R. Sim.

27. Se te evocarmos em alguns meses, consentidas em responder ainda às nossas perguntas? – R. Com prazer. Adeus.

28. Tu nos dizes adeus; dá-nos o prazer de dizer para onde vais. – R. Nesse passo (para falar como o teria feito há alguns dias), vou atravessar um espaço mil vezes mais considerável que o caminho que fiz sobre a Terra em minhas viagens, que acreditava tão distantes; e isso em menos de um segundo, de um pensamento. Vou em uma reunião de Espíritos onde tomarei lições, e onde poderei aprender uma nova ciência, minha nova vida. Adeus.

Nota. Quem conheceu perfeitamente o senhor Paul Gaimard, confessará que esta comunicação está bem marcada com a marca de sua individualidade. Aprender, ver, conhecer, era sua paixão dominante: é o que explica suas viagens ao redor do mundo e às regiões do Pólo Norte, assim como suas excursões à Rússia e à Polônia, à primeira aparição do cólera em Europa. Dominado por essa paixão e peio desejo de satisfazê-la, conservava um raro sangue frio nos maiores perigos; foi assim que, com sua calma e com sua firmeza, soube sair das mãos de um bando de antropófagos que o surpreenderam no interior de uma ilha da Oceania.

Uma palavra sua caracteriza perfeitamente essa avidez de ver fatos novos, de assistir ao espetáculo de acidentes imprevistos: “Que felicidade! exclamou ele, um dia, durante o período mais dramático de 1848, que felicidade viver em uma época tão fértil em acontecimentos extraordinários e inesperados!”

Seu Espírito, voltado quase que unicamente para as ciências que tratam da matéria organizada, negligenciara as ciências filosóficas: também estava no direito de dizer que lhe faltava elevação nas ideias. Entretanto, nenhum ato de sua vida prova que haja menosprezado as grandes leis morais impostas à Humanidade. Em suma, o senhor Paul Gaimard tinha uma bela inteligência: essencialmente proba e honesta, naturalmente prestativo, era incapaz de fazer o menor mal a alguém. Não se pode censurá-lo, talvez, senão por ter sido muito amigo dos prazeres; mas o mundo e os prazeres não corromperam nem seu julgamento, nem seu coração: também o senhor Paul Gaimard mereceu o pesar de seus amigos e de todos aqueles que o conheceram.

Sardou.

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