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Conversas familiares de além-túmulo: Sra. Bertrand

Revista Espírita, março de 1861

Falecida a 7 de fevereiro de 1881

Evocada na Sociedade a 15 do mesmo mês

NOTA: A Sra. Bertrand havia feito um estudo sério do Espiritismo, cuja doutrina professava, compreendendo todo o seu alcance filosófico.

1. (Evocação).

─ Aqui estou.

2. ─ Tendo vossa correspondência nos levado a apreciar-vos, e conhecendo vossa simpatia pela Sociedade, pensamos que não vos seria desagradável chamar-vos tão cedo.

─ Vedes que estou aqui.

3. ─ Um outro motivo me determina pessoalmente a fazê-lo. Pretendo escrever à senhorita sua filha, a propósito do acontecimento que acaba de feri-la, e estou certo de que ela se sentiria feliz ao saber do resultado de nossa conversa.

─ Certamente, ela o espera, pois eu lhe havia prometido me revelar logo que me evocassem.

4. ─ Esclarecida como éreis sobre o Espiritismo e penetrada dos princípios desta doutrina, vossas respostas serão para nós duplamente instrutivas. Para começar, quereis dizer-nos se demorastes muito a vos reconhecer e se já recobrastes a plenitude de vossas faculdades?

─ A plenitude de minhas antigas faculdades, sim; a plenitude de minhas novas faculdades, não.

5. ─ É costume perguntar aos vivos como passam. Mas aos Espíritos perguntamos se são felizes. É com profundo sentimento de simpatia que fazemos esta última pergunta.

─ Obrigada, meus amigos. Ainda não sou feliz, no sentido espiritualista do vocábulo. Mas sou feliz pela renovação do meu ser deslumbrado em êxtase; pela visão das coisas que nos são reveladas, mas que ainda compreendemos imperfeitamente, por melhor médium ou espírita que sejamos.

6. ─ Em vida tínheis feito uma ideia do mundo espírita pelo estudo da doutrina. Podeis dizer-nos se encontrastes as coisas tais quais as tínheis imaginado?

─ Mais ou menos, assim como vemos os objetos na incerteza do lusco-fusco. Mas como são diferentes quando a luz brilhante o revela!

7. ─ Assim, o quadro que nos é feito da vida espírita nada tem de exagerado, nada de ilusório!

─ Ele é apequenado pelo vosso espírito, que não pode compreender as coisas divinas senão suavizadas e veladas. Agimos convosco como agis com as crianças, a quem apenas mostrais uma parte das coisas dispostas para o seu entendimento.

8. ─ Testemunhastes o instante da morte do vosso corpo?

─ Esgotado por longos sofrimentos, meu corpo não teve que passar por uma grande luta. Minh’alma destacou-se dele como o fruto maduro que cai da árvore. O aniquilamento completo de meu ser impediu-me de sentir a última angústia da agonia.

9. ─ Poderíeis descrever vossas sensações nos instantes do despertamento?

─ Não há despertamento, ou antes, pareceu-me que havia continuação. Como após curta ausência se volta para casa, pareceu-me que apenas alguns minutos me separavam do que eu acabava de deixar. Errante em volta do meu leito, via-me aumentada, transfigurada e não podia afastar-me, retida que era, ou pelo menos ao que me parecia, por um último laço àquele envoltório corporal que tanto me havia feito sofrer.

10. ─ Vistes imediatamente outros Espíritos vos cercar?

─ Logo vieram receber-me. Então desviei o pensamento do meu eu terrenoe o eu espiritual transportado abismou-se no delicioso prazer das coisas novas e conhecidas que eu reencontrava.

11. ─ Estáveis entre os membros da família durante a cerimônia fúnebre?

─ Vi levarem o meu corpo, mas logo afastei-me. O Espiritismo desmaterializa por antecipação e torna mais súbita a passagem do mundo terrestre para o mundo espiritual. Eu não havia trazido de minha migração na Terra nem vãos pesares nem curiosidade pueril.

12. ─ Tendes algo de particular a dizer à senhorita vossa filha, que partilhava de vossas crenças, e que me escreveu várias vezes em vosso nome?

─ Eu lhe recomendo que dê aos seus estudos um caráter mais sério; eu lhe recomendo que transforme a dor estéril em lembrança piedosa e fecunda; que ela não se esqueça de que a vida continua ininterrupta e que os frívolos interesses do mundo empalidecem ante a grande palavra Eternidade! Aliás, minha lembrança pessoal, terna e íntima, em breve lhe será transmitida.

13. ─ Em janeiro vos remeti um cartão-retrato. Como jamais me vistes, podeis dizer se me reconheceis?

─ Mas eu não vos reconheço. Eu vos vejo.

─ Não recebestes aquele cartão?

─ Não me lembro.

14. ─ Eu teria várias perguntas importantes a vos fazer sobre os fatos extraordinários que se passaram em vossa casa e de que nos informastes. Penso que a respeito poderíeis dar-nos interessantes explicações. Mas a hora avançada e a fadiga do médium me aconselham a adiar. Limito-me a algumas perguntas para terminar.

─ Embora vossa morte seja recente, já deixastes a Terra? Percorrestes os espaços e visitastes outros mundos?

─ O vocábulo visitar não corresponde ao movimento tão rápido quanto o é a palavra que nos faz, tão rapidamente quanto o pensamento, descobrir sítios novos. A distância é apenas uma palavra, como o tempo não é para nós senão um momento.

15. ─ Preparando as perguntas que devem ser dirigidas a um Espírito, temos geralmente uma evocação antecipada. Podeis dizer se, assim sendo, estáveis prevenida de nossa intenção, e se estáveis perto de mim ontem, quando preparava as perguntas?

─ Sim. Sabia tudo o que me diríeis hoje e responderei com desenvolvimento às perguntas que reservastes.

16. ─ Em vossa vida teríamos sido muito felizes se vos tivéssemos entre nós, mas desde que tal não foi possível, somos igualmente felizes por vos ter em Espírito, e vos agradecemos a atenção em responder ao nosso apelo.

─ Meus amigos, eu acompanhava os vossos estudos com interesse, e agora, que posso habitar entre vós como Espírito, eu vos dou o conselho de vos ligardes mais ao espírito do que à letra. Adeus.

A carta que segue nos foi enviada a propósito desta evocação:

“Senhor,

É com um vivo sentimento de profunda gratidão que venho agradecer-vos, em nome de meu pai e no meu, vos terdes antecipado ao nosso desejo de receber, por vosso intermédio, as notícias daquela que choramos.

As numerosas provações morais e físicas que minha querida e boa mãe teve que sofrer durante sua existência, sua paciência em suportá-las, seu devotamento, sua completa abnegação de si mesma, me faziam esperar que estivesse feliz. Mas a certeza que nos acabais de dar, senhor, é um grande consolo para nós que a amávamos tanto e queremos a sua felicidade mais do que da nossa.

Minha mãe era a alma da casa, senhor. Não preciso dizer-vos o vazio que sua ausência deixou; sofremos por não mais vê-la, mais do que poderia exprimir e, contudo, experimentamos uma certa quietude por não vê-la mais nas dores atrozes que sofria. Minha pobre mãe era uma mártir. Deve ter uma bela recompensa pela paciência e doçura com que suportou todas as suas angústias. Sua vida não passou de uma longa tortura de espírito e de corpo. Seus sentimentos elevados e sua fé numa outra existência a sustentaram. Tinha como que um pressentimento e uma lembrança velada do mundo dos Espíritos; muitas vezes eu a via olhando com piedade as coisas do nosso planeta e dizer-me: Nada aqui embaixo pode bastar-me; tenho a NOSTALGIA de um outro mundo.

Nas respostas que vos deu minha cara e adorada mãe, senhor, reconhecemos perfeitamente sua maneira de pensar e de se exprimir. Ela gostava de se servir de imagens. Somente estou admirada de que ela não se tenha lembrado do vosso cartão-retrato, que lhe havia dado tão grande e vivo prazer. Eu deveria ter-vos agradecido de sua parte. Minhas numerosas ocupações durante os últimos tempos da moléstia de minha venerada mãe não me permitiram fazê-lo. Creio que mais tarde ela se lembrará melhor. No momento, está embriagada nos esplendores da nova vida. A existência que acaba de completar não lhe aparece senão como um sonho penoso, já bem longe dela. Também esperamos, meu pai e eu, que ela venha dizer-nos algumas palavras de afeição, de que temos muita necessidade. Seria indiscrição, senhor, vos pedir que, quando minha mãe vos falar de nós, nos comunicásseis? Fizestes tanto bem, vindo falar dela, vindo dizer de sua parte que não sofre mais! Ah! Obrigada uma vez mais, senhor! Rogo a Deus, de alma e coração, que vos recompense por isto. Deixando-me, minha mãe querida me priva da melhor das mães, da mais terna das amigas. Preciso da certeza de sabê-la feliz e de minha crença no Espiritismo para ter um pouco de força. Deus a sustentou. Minha coragem foi maior do que eu esperava.

Recebei, etc.

OBSERVAÇÃO: Que os incrédulos riam quanto quiserem do Espiritismo. Que seus adversários mais ou menos interessados o ponham em ridículo. Que o anatematizem até, o que não lhe tirará essa força consoladora que faz a alegria do infeliz, e que o faz triunfar da má vontade dos indiferentes, a despeito de seus esforços para abatê-lo. Os homens têm sede de felicidade; quando não a encontram na Terra, não é um grande alívio ter a certeza de encontrá-la na outra vida, se se fez o que é preciso para o merecer? O que lhes oferece mais suavização aos males da Terra? É o materialismo, com a horrível expectativa do nada? É a perspectiva das chamas eternas, às quais não escapa um só em milhões? Não vos enganeis. Esta perspectiva é ainda mais horrível que a do nada, e é por isto que aqueles cuja razão se recusa a admiti-la são levados ao materialismo. Quando for apresentado aos homens o futuro de maneira racional, não haverá mais materialistas. Que não se admirem de ver as ideias espíritas acolhidas com tanto entusiasmo pelas massas, porque essas ideias aumentam a coragem, ao invés de abatê-la. O exemplo da felicidade é contagiante. Quando todos os homens virem em torno de si gente feliz por causa do Espiritismo, lançar-se-ão nos seus braços como numa tábua de salvação, porque preferirão sempre uma doutrina que sorri e fala à razão às que apavoram. O exemplo que acabamos de citar não é único no gênero; eles se nos oferecem aos milhares e a maior alegria que Deus nos reservou aqui na Terra é a de testemunhar os benefícios e os progressos de uma crença que nossos esforços tendem a espalhar. As pessoas de boa vontade que nela vêm beber consolação são tão numerosas que não poderíamos roubar-lhes nosso tempo ocupando-nos dos indiferentes que não têm o menor desejo de se convencer. Os que vêm a nós bastam para absorvê-lo, por isso não saímos em busca de ninguém. Eis por que também não o perdemos a respigar em campo estéril. A vez dos outros virá quando a Deus aprouver levantar o véu que os cega, e esse tempo virá mais cedo do que pensam, para a glória de uns e vergonha de outros.

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