Autora: Maria de Lurdes Duarte
“Mens sana in corpore sano”, diz a expressão latina que o poeta romano Juvenal usou num dos seus poemas. Apesar de tão antiga, esta expressão adequa-se completamente ao que se entende por saúde, nos dias de hoje.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), trata-se de um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças. Embora, de certa forma contestável esta definição, porque pressupõe um estado de perfeição que, sabemos bem, não se adequa ao estado evolutivo da humanidade atual, o que importa, para esta nossa reflexão, é realçar a importância inegável da relação entre corpo/mente/ser social, para a harmonia e o equilíbrio do Ser.
Do ponto de vista apresentado pela Doutrino dos Espíritos, e muito bem desenvolvida por Allan Kardec na Codificação, este conceito de saúde/equilíbrio é de suprema importância, quer para a vida física, quer em termos de continuidade na vida além-túmulo.
Senão, vejamos. Em cada reencarnação, traçamos para nós mesmos, com a ajuda dos Benfeitores Espirituais, planos bem delineados, com um conjunto de tarefas a cumprir, sejam elas provas, expiações, lições a aprendizagens, quer morais, quer sociais, quer intelectuais. Cada existência física é uma oportunidade valiosíssima que a Misericórdia Divina nos concede, pois objetiva uma subida na escalada evolutiva, já de si longa, em que não nos interessa estacionar, sob pena de permanecermos indefinidamente como retardatários, situação que sempre acarreta maior dose de sofrimento. Cada oportunidade de regresso à vida material visa ao combate a vícios e defeitos bem concretos que ainda possuímos e que, mais uma vez, temos a chance de afastar da nossa personalidade, aprendendo mais um pouco e preparando-nos para seguir adiante mais libertos do que nos pesa na consciência.
Somos caminheiros milenares e já perdemos muito tempo em reencarnações que não soubemos aproveitar devidamente. Em muitas delas, debilitámos o nosso corpo; noutras, até, partimos antes da hora prevista, qual cavaleiro que desistiu do combate ou simplesmente não se conseguiu precaver contra o inimigo e se entregou desregradamente à luta. Em todos esses casos, o regresso à Pátria Espiritual acabou por se dar em circunstância de grande debilidade espiritual. Não saímos vencedores, mas sim vencidos por um inimigo que somos nós e apenas nós, com todos os defeitos e vícios e erros a que permanecemos acorrentados.
O nosso corpo físico, em cada uma dessas reencarnações foi projetado ao pormenor, de modo a que cumprisse na perfeição tudo aquilo a que voluntariamente nos propusemos. Se era um corpo “perfeito” ou detentor de alguma possível “deficiência”, “belo” ou “feio” etc., sempre teve como molde o corpo espiritual que leva e traz em si impressas todas as marcas da forma como a nossa personalidade se apresenta. Os genes dos nossos progenitores foram escolhidos escrupulosamente, por forma a imprimir ao corpo físico as caraterísticas que lhe eram necessárias. Jamais poderemos culpar a pobre habitação do insucesso do mau inquilino.
O corpo é a vestimenta, a habitação do Espírito, nós somos o Ser, o habitante que dele se serve bem ou mal. Podemos ler na epístola de Paulo aos Coríntios o seguinte “Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” – Coríntios, 6:19-20. Devemos entender o “Espírito Santo”, das versões modernas da Bíblia, como o “Espírito” das versões originais.
Paulo foi bem claro: o corpo é a habitação do Espírito, devemos glorificar (agradecer, bendizer) a Deus, não só em espírito, mas também no corpo. A Deus pertencem ambos. Mas como poderemos glorificar a Deus no corpo? Nisto reside um grave engano, incutido pelas religiões ritualistas de que temos feito parte pelos séculos afora. Achámos, durante muito tempo, que a Deus agradariam sacrifícios corporais, ideia esta que nos vem dos remotos tempos da adoração aos deuses do politeísmo, que se considerava que assim o exigiam. Nessa ideia, usamos mal o corpo, oferecemo-lo em sacrifício a um Deus que de nada necessita porque tudo Lhe pertence, infligimos dores, doenças, martírios, atrocidades de toda a espécie, a essa vestimenta física, como se fosse ela a culpada da pequenez evolutiva que nos impele ao mal, ao egoísmo, ao orgulho. Atormentámos o corpo, pensando elevar o espírito, em vez de o tomarmos como aliado dos nossos objetivos. Tudo isto pensando homenagear um Deus de Amor, de Misericórdia, que apenas quer a nossa felicidade e para isso nos criou.
Falamos destas atitudes como pertencendo ao passado, mas, sem querer ferir seja quem for nas suas crenças, apenas ajudar a refletir na conveniência dos nossos hábitos, somos forçados a reconhecer que não estamos muito longe da adoção de ritos que ainda têm como base a flagelação do corpo. Eles permanecem em algumas religiões tradicionais. Se, por um lado, os condutores espirituais das religiões em geral já não aconselham a sua prática, também é verdade que nada fazem pelo esclarecimento das almas que os procuram. E que lugares e santuários próprios para o efeito continuam a ser aproveitados e frequentados por tantos e tantos que, ao fazê-lo, continuam a achar que estão cumprido o seu dever religioso.
O que deseja Deus, afinal, de nós, em termos de sacrifício? Sim, porque, dizem os adeptos desses rituais, o céu não se conquista sem sacrifícios. Sem dúvida. E os sacrifícios que nos são pedidos são bem mais difíceis do que isso. É o sacrifício de lutarmos para pôr de lado as imperfeições que fazem de nós seres atrasados do ponto de vista espiritual. O sacrifício do egoísmo, do orgulho, da ganância, da preguiça, da maledicência, e tantos outros defeitos humanos de que não nos libertamos ainda. São esses os verdadeiros sacrifícios. E para o conseguir, precisamos dessa bênção que é o corpo, sem o qual não podemos operar na vida física.
Reflitamos ainda na questão sob outro aspecto: o suicídio, seja ele consciente ou inconsciente. Como diz Paulo, o corpo não nos pertence, é de Deus. A Ele teremos de dar contas, assim como perante a nossa consciência culpada, se abandonarmos a vida física antes do que estava programado. (Reforcemos a ideia de que essa programação foi feita por nós, ou pelo menos, com o nosso conhecimento e aquiescência.)
Se partirmos pelo suicídio por desistirmos das lutas e destruirmos o corpo voluntária e conscientemente, tendo isso como ato de coragem (ignorância), grave será o débito que decorrerá dessa má decisão. A vida é eterna, somos Seres imortais, nada pode, realmente, destruí-la, apenas destruímos a vestimenta. Tomaremos outra, oportunamente, para retomar o trabalho de que desistimos. O suicídio, nessas circunstâncias, é, pois, um ato perfeitamente inútil, que só agrava a situação que o provocou.
Se partirmos antecipadamente por termos contribuído para a degeneração do corpo, contraindo doenças decorrentes de comportamentos desregrados, tratar-se-á de um suicídio inconsciente, mas igualmente gravoso e com consequências danosas no outro lado da vida.
Resumindo, não devemos de modo nenhum fazer do corpo um santuário de todos os prazeres, descurando a vida do Espírito. A ideia não é viver em função do corpo. É usar o corpo como esse santuário que permite ao Espírito (que somos nós) todo o gênero de vivências e aprendizagens enriquecedoras que contribuirão para sairmos de cada existência física mais fortalecidos no bem, detentores de maior dose de conhecimento, mais moralizados, mais aptos a viver a nossa espiritualidade em toda a plenitude. Da harmonia que conquistarmos hoje depende em muito as boas oportunidades de crescimento futuro, quer no Plano Espiritual, quer nas próximas reencarnações. Corpo e Espírito em sintonia, auxiliando-se mutuamente no grandioso trabalho de aperfeiçoamento, contribuindo para o equilíbrio da Vida. É isso que Deus quer de nós.
Bibliografia
O Livro dos Espíritos: 68 a 70, 136, 348 a 350, 367 a 385, 730.
O Evangelho segundo o Espiritismo: Cap. 5, item 26. Cap. 17, item 11.
O Céu e o Inferno: Cap. 7, item 1.
O consolador – Artigos