Autor: Joelson Pessoa
755 – Como se explica existirem, no seio da civilização mais avançada, seres algumas vezes tão cruéis quanto os selvagens?
Exatamente como numa árvore carregada de bons frutos há os que ainda não amadureceram, não atingiram o pleno desenvolvimento. São, se o quiserdes, selvagens que têm da civilização apenas o hábito, lobos extraviados no meio de ovelhas. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar em meio a homens avançados na esperança de avançarem; mas, sendo a prova muito pesada, a natureza primitiva os domina. (Livros dos Espíritos)
Nos últimos tempos os veículos de comunicação têm noticiado crimes e ações humanas que parecem bater todos os recordes de crueldade.
Quando um fato horrível vem à tona, deixando perplexas as multidões, mal o caso ameaça a cair no esquecimento popular, outro fato escandaloso surge ainda mais hediondo, como que para não nos deixar esquecer o quanto ainda mantemo-nos distante do Céu.
Uma madrasta atira uma criança pela janela do edifício, com a cumplicidade do pai desta mesma criança; Um homem desejando vingar-se de sua ex-mulher leva consigo os três filhos, assassina-os um a um, num quarto de hotel e finaliza o pavoroso espetáculo com o suicídio; Um amante golpeia a mulher que parecia não mais o querer, e empurra seu carro, com a infeliz inconsciente para dentro de uma represa; Outro, buscando evadir-se das obrigações de uma pensão alimentícia, decorrente de uma paternidade reivindicada, planeja a execução daquela que seria a mãe do seu filho, e o corpo da infeliz teria sido desossado e entregue aos cães como alimento. Nem todos se esqueceram do crime do casal da alta sociedade em que a filha tramou o assassinato dos pais, juntamente com o amante, pois aqueles não endossavam o relacionamento. Autoridades Civis, Militares e Religiosas se organizam em perversas quadrilhas de prostituição de menores e/ou pedofilia. Frequentemente uma mulher é assassinada por decidir pelo término do relacionamento. Um cidadão é morto a tiro dentro de um coletivo porque recusou-se a fechar uma janela; Outro é assassinado, também num coletivo porque esbarrou em uma senhora. Um profissional de segurança patrimonial saca a sua arma e mata o cliente de um banco, que não conseguia adentrar ao edifício porque a porta-eletrônica bloqueava ao detectar seu marca-passo.
E muitas e muitas páginas não seriam suficientes para enumerar somente os episódios dos últimos anos.
O que acontece com os homens?
O que é que acontece com a gente?
Pequenas Crueldades Nossas de Cada Dia
Estaríamos qualquer um de nós isentos de, num rompante de desequilíbrio, cometer uma barbaridade? Um crime? Uma crueldade?
Grandes tragédias à parte, talvez nós, pessoas comuns, sem ficha na polícia, espíritas que somos, cometamos também as nossas crueldades dentro dos nossos círculos de convivência.
Vou narrar uma historieta real que eu testemunhei faz poucos dias:
No meu setor de trabalho a maioria das pessoas está preocupada com a boa forma, interessadas em corrigir o sobrepeso e por isso, habitualmente conversam sobre dietas, regimes o que podem ou não comer.
Uma moça, gordinha, que não faz regime e nem manifesta esta preocupação como os demais colegas, leva para a hora do intervalo um pacote de biscoitos fritos… Um rapaz (em boa forma) se interessa e pede um, mas, em segundos arrepende-se e justifica para si mesmo: nossa! Não posso. Este biscoito deve ter muita caloria… Tenho de manter a dieta… A moça gordinha, sentindo-se ofendida rebate sem pensar: Ora fulano, que bobagem, eu quero mais é ser feliz… De que adianta ser magro e infeliz?
O rapaz muito constrangido nada comentou.
A moça e algumas pessoas ali presentes sabiam que o rapaz vivia um momento de grande dificuldade em sua vida pessoal. A moça referiu-se veladamente ao sofrimento que aquele rapaz estava passando pelo término do seu relacionamento afetivo.
Alguns exemplos das consequências da crueldade
Para com os pobres e às classes mais baixas:
Julianne Marie – A Mendiga
Previstes, sob o ponto de vista social, a superioridade das minhas antecedentes encarnações, pois, se voltei à Terra com a prova da pobreza, foi para punir-me do vão orgulho com o qual repelia os pobres, os miseráveis. Assim, passei pela pena de talião, fazendo-me a mais horrenda mendiga deste país; mas, ainda assim, como que para certificar-me da bondade de Deus, nem por todos fui repelida: e esse era todo o meu temor.
Max – O Mendigo
Há mais ou menos um século e meio eu era um rico e poderoso senhor desta região, mas vão, orgulhoso e enfatuado de minha nobreza. Minha imensa fortuna jamais serviu senão para os meus prazeres, e apenas bastava, porque era jogador, debochado e passava a vida em orgias. Meus vassalos, que julgava criados para meu uso como animais de fazenda, eram oprimidos e maltratados para contribuir para as minhas prodigalidades. Eu ficava surdo às suas lamentações, como às de todos os infelizes e, em minha opinião, deviam sentir-se muito honrados de servir aos meus caprichos.
Alguns anos depois nasci de novo, mas esta vez de uma família de pobres camponeses. Meus pais morreram deixando-me criança, e fiquei só no mundo sem apoio. Ganhei a vida como pude, ora trabalhador, ora como criado de fazenda, mas sempre honestamente, porque desta vez acreditava em Deus. Aos quarenta anos, uma moléstia me tornou entrevado de todos os membros e tive que mendigar por mais de cinquenta anos nas mesmas terras das quais tinha sido dono absoluto; que receber um pedaço de pão nas fazendas que tinham sido minhas e onde, por amarga ironia, me tinham apelidado Senhor Conde.
Do homem para com a mulher:
Antonio B… Escritor de estimadíssimo merecimento, pelo ano de 1.850 caiu aparentemente morto, de um ataque apoplético. A sua morte foi considerada real, concorrendo para isso os vestígios de decomposição assinalados no corpo. Quinze dias depois do enterro, uma circunstância fortuita determinou a exumação do cadáver, a pedido da família. Desejavam recuperar uma jóia esquecida no caixão. Qual não foi, porém, o espanto dos assistentes quando, ao abrir este, notaram que o corpo havia mudado de posição, voltando-se de bruços e – coisa horrível – que uma das mãos havia sido comida em parte pelo defunto.
Evocado na Sociedade de Paris, em Agosto de 1861, a pedido de parentes, deu a seguinte explicação:
Ah! Mas por que querem avivar essa lembrança do castigo? Assim deveria acontecer comigo… Porém, a ninguém devem culpar pelo acontecido, aquilo que me já estava reservado desde que nasci. Que dolorosa provação sentir me sufocado entre quatro tábuas, tolhido, absolutamente tolhido! Gritar! Impossível, pela falta de ar e espaço, que não produz eco. Oh! Cruel punição de cruel e feroz existência! Mas por que interrogar-me sobre esse passado doloroso que só eu e os bons Espíritos enviados do Senhor conhecíamos? Mas, visto que assim é preciso, dir-vos-ei que numa existência anterior eu enterrara viva uma mulher – a minha mulher, e por sinal, numa cova (…).
Instrução do Guia do médium:
O desfecho desta história assim se deu por solicitação dele próprio (o culpado) com o objetivo de abreviar a sua erraticidade e alcançar mais rápido as esferas superiores.
Das arbitrariedades e abuso de autoridade:
Letil
Este industrial, que residiu nos arredores de Paris, morreu em Abril de 1864, de modo horroroso. Incendiando-se uma caldeira de verniz fervente, foi num abrir e fechar de olhos que o seu corpo de cobriu de matéria candente. Quando lhe puderam prestar os primeiros socorros, já as carnes dilaceradas caíam aos pedaços, desnudos os ossos de uma parte do corpo e da face. Em toda a cruel agonia não lhe ouviram um só gemido, um só queixume, e morreu orando a Deus.
Evocação: O meu bom guia fez-me ver a causa da morte horrível que tive, e eu, a fim de vos instruir, vou contá-la para vós:
Vai para dois séculos mandei queimar uma jovem, inocente como se pode ser na sua idade – 12 a 14 anos. Qual a acusação que lhe pesava? A cumplicidade numa conspiração contra a política clerical. Eu era então italiano e juiz inquisidor; como os algozes não ousaram tocar o corpo da pobre criança, fui eu mesmo o juiz e o carrasco (…).
Do mau religioso:
Benoist
Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium com o nome de Benoist, dizendo ter morrido em 1.704 e padecer horríveis sofrimentos:
Evocação:
P: Que fostes na Terra?
R: Frade sem fé.
P: Foi a descrença a vossa única falta?
R: Só ela é bastante para acarretar outras.
Pobre e indolente, ordenei-me para ter uma posição, sem pendor, aliás, para encargo dessa natureza. Inteligente, consegui essa posição; Influente, abusei do meu poderio; Vicioso, corrompi aqueles que tinham por missão salvar; Cruel, persegui aqueles que me pareciam querer denunciar os meus excessos; os pacíficos foram por mim inquietados. Agora sofro todas as torturas do inferno e as vítimas me ateiam fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciáveis perseguem-me; abrasa-me a sede os lábios escaldantes sem que uma gota caia neles como refrigério. Orai pelo meu Espírito. As preces que os meus me fazem tem pra mim o mesmo efeito daquelas que eu fingia fazer. Não trabalhei, e assim este é o salário que recebo.
Contra a própria vida:
O Suicida da Samaritana
A 7 de Abril de 1858, pelas 7 horas da noite, um homem de cerca de 50 anos e decentemente trajado apresentou-se no estabelecimento da Samaritana (hospedaria), de Paris, e mandou que lhe preparassem um banho. Decorridas perto de 2 horas, o criado de serviço, admirado pelo silêncio do freguês, resolveu entrar no seu cômodo, a fim de verificar o que ocorria. Deparou-se então com um quadro horroroso: o infeliz degolara-se com uma navalha e todo o seu sangue misturava-se à água da banheira. E como a identidade do suicida não pôde ser averiguada, foi o cadáver removido para o necrotério.
Evocação: Dizei-me se vivo, pois este ambiente me sufoca. Não sabeis como sofro!… Sufoco-me… Oxalá que mão compassiva me matasse de vez! Estou abandonado, fugi ao sofrimento para entregar-me à tortura. Era um desprezado… Ninguém me amava. Um homem quando ninguém o preza, pode viver abandonado no seio da família. Ansiava pela morte… Esperava repousar. Era um desiludido quanto ao futuro. Mas a vida não se extinguiu… Minha alma está ligada ao corpo… Sinto os vermes a corroer-me (…).
¹Depoimentos extraídos da 2ª parte de O Céu e o Inferno – Allan Kardec