Desde que o mundo passou a ser habitado, houve sempre da parte do homem a preocupação, aliás justa e explicável, de saber o destino da alma depois de morto o corpo físico.
Muitos escritores de nomeada tentaram descrever os lugares para onde são encaminhadas as almas após a cessação da vida orgânica, estabelecendo, ao mesmo tempo, imaginárias penas e recompensas.
Desses escritores, um apenas conseguiu impressionar fortemente a sensibilidade humana, por meio da obra que é, inegavelmente, um repositório de beleza poética, e talvez mesmo sua beleza maior esteja na subjetividade de seus conceitos, obra que ainda mais se impõe quando nos atemos à época em que foi escrita – século XIII – século em que ao homem era defeso o direito de pensar e, por conseguinte, de expandir ideias que, de certo modo, pudessem ferir os postulados da religião dominante. Esse poeta gigante foi Dante Alighieri, com sua obra-prima intitulada “A Divina Comédia”.
E qual foi o seu objetivo ao escrever obra tão notável? Ele mesmo o disse: – Tirar a Humanidade do seu estado de miséria e conduzi-Ia a um estado de felicidade!
Esse gênio, um dos maiores de seu gênero, nasceu em Maio de 1265, na cidade de Florença, na Itália. Em virtude do então cerceamento de liberdade, no tocante principalmente às coisas do espírito, tudo quanto discrepasse do pensamento-fôrma, da Idade Média, levava o autor a sofrer as consequências inevitáveis de suas atitudes. Bem se pode avaliar quão grande foi o sacrifício do notável florentino, obrigado, como estava, a represar a pujante fonte de sua inspiração, ocultando, por vezes” o seu pensamento, por meio de imagens camufladas, cujo real sentido hoje facilmente se descobre. “A Divina Comédia”, na opinião de abalizado crítico, “leva-nos em viagem por meio dos horrores do Inferno, cruza as regiões do Purgatório e chega às glórias do Céu”.
Tão viva era a sua imaginação, melhor diríamos, sua mediunidade, e tão profundamente se lhe marcava, no rosto, o pensamento, isto é, as impressões advindas da sua sensível inspiração, que um amigo observou certa vez: _ “Este homem parece, na realidade, ter saído diretamente do Inferno.”
Esse seu amigo, sem o saber, proferiu grande verdade. Quem já teve ensejo de ler as notáveis obras de André Luiz não desconhece, absolutamente, as terríveis situações por que passam, no Espaço, os Espíritos responsáveis por crimes, deboches, homicídios, usura, suicídio, etc., etc. O Espírito de Dante desprendia-se do corpo físico e ia, em companhia de seu Guia espiritual, e que ele figurou como sendo Vergílio, visitar essas regiões tenebrosas, e, ao voltar ao corpo somático, a sua impressão de angústia e pavor se lhe refletia no rosto.
Dante era um espírito forte, corajoso, desassombrado e, por isso, sofreu muito. Dizem que incumbido, certa ocasião, de uma missão junto ao Papa Bonifácio VIII, teve a ousadia de discordar dessa autoridade da Igreja e dizer-lhe o que está consignado na História, isto é, que o Papa se interessava mais pelo poder temporal do que pela sua salvação eterna! Daí o ter sido Dante banido de sua cidade natal, sob pena de ser queimado vivo se lá aventurasse pôr os pés!
Por força dessa sentença, tornou-se “um andarilho sem lar, silencioso, solitário, amargurado”, ou, para citar suas próprias palavras: “um peregrino a seguir por caminho desconhecido, acreditando ver em cada casa, ao longe, uma estalagem, para logo depois verificar seu engano e continuar, de engano em engano, até alcançar um lugar onde pudesse descansar a cabeça”.
Fizemos esse breve relato de sua vida errante e atormentada, para evidenciar que a ele faltavam tempo, calma e recursos para estudar e aprofundar-se nos conhecimentos da época.
Mas a verdade é que ele os assimilou, e mais, os ultrapassou, a ponto de Pier-Angelo Fiorentino dizer que “A Divina Comédia” não é somente uma obra-prima de poesia e de estilo, é, também, uma imensa enciclopédia de todos os conhecimentos humanos”.
Só mesmo um Espírito possuidor de grande bagagem de sabedoria, haurida em vidas pregressas e auxiliado por manifesta e prodigiosa mediunidade de inspiração, poderia ter escrito o que escreveu.
Certa vez, quando afinal já se havia tornado um tanto conhecido como poeta, um nobre perguntou-lhe por- que os homens prestavam mais atenção aos bufões do que a ele. Dante logo replicou:
– É porque amam os que lhes são semelhantes.
Por meio dos maravilhosos versos de “A Divina Comédia”, Dante abordou vários temas e ideias aceitos pelo Espiritismo.
Para citarmos todos esses pontos de contacto, teríamos de alongar-nos demasiadamente. Focalizaremos apenas alguns deles, como, por exemplo: o da penetração da matéria pela matéria. Uma questão de tal monta como esta, ventilada numa época em que a Ciência se encontrava ainda em fase tão primária, mostra-nos não apenas a superioridade de seu Espírito, mas especialmente o seu poder medianímico.
A Ciência de hoje, conforme Joviano Torres em suas dissertações sobre a matéria, afirma que “toda a concreção e corporificação da substância, a estrutura, o volume, a rigidez, a forma da matéria, tudo isso nada mais é, em face das novas teorias, dia a dia confirmadas, nada mais é do que a estabilização atômica da rapidez! Velocidade e massa são, agora, coisas idênticas; rapidez e matéria são termos análogos, quase sinônimos, em atomismo moderno”.
Dante abordou também a tese do livre arbítrio.
Vejamos o Canto V: “O maior dom, por Deus, em sua sabedoria, concedido ao homem, ao cria – lo, o que mais se conforma com sua bondade e o que mais Ele preza, é a liberdade da vontade, liberdade essa de que todas as criaturas inteligentes foram dotadas.”
O poeta esclarece, outrossim, sobre a possibilidade de os Espíritos se transportarem de um lugar para outro, com a velocidade do próprio pensamento.
Para ele, portanto, nesse particular, não existiam as restrições do tempo e do espaço, como acontece para nós encarnados.
O professor Arnaldo S. Tiago, em sua obra “Dante Alighieri – o último apóstolo”, escrita, aliás, com muita inteligência, aponta-nos os versos finais do Canto VIII, que encerram, realmente, eloquente lição de moral e de sociologia. Eis a sua tradução: – “Sempre a Natureza se mostra estéril, se contrária lhe é a fortuna, como a toda semente acontece, quando lançada fora de seu apropriado terreno. E se o mundo de lá abaixo”, isto é, a Terra, “observasse os fundamentos postos pela Natureza, neles apoiando-se, teria melhores homens. Mas vós torceis para a religião aqueles que nasceram para cingir a espada, e faz eis rei de quem devia ser pregador; eis que andais, assim, fora do caminho .”
Outro ponto também focalizado por esse confrade, é o de ter Dante cantado o poder, de que se achavam investidos os puros Espíritos, de ler os pensamentos alheios.
Para ressaltar ainda mais a grandiosidade da força inspiradora que em Dante se manifestava, citaremos mais esta passagem: – “E com lira e harpa, que em suas muitas cordas retezadas produzem som agradável àqueles mesmos que não distinguem as notas, assim das luzes, que ali me apareceram, se desprendia pela cruz suave melodia que me arrebatava, sem que eu entendesse o hino .”
Nesses versos há referências ao fenômeno, hoje explicável pela Ciência, o da transmutação da luz em melodia.
Dante não podia admitir que Deus, sendo a infinita justiça, bondade, perdão, misericórdia, condenasse seus filhos às penas eternas do Inferno, onde as almas, para esse poeta, “são purgadas de seus pecados e preparadas para sua viagem final no Paraíso”.
Ele, em seus passeios mediúnicos pelas etéreas regiões, ficava de tal modo maravilhado acerca do que via, que confessou sua incapacidade de descrever toda a glória dessas regiões, e que, no seu entender, era o Céu, o Paraíso inundado de luz que é Beleza, luz que é Amor.
E diz então:
“Todas as almas do Paraíso estão reunidas dentro de um oceano infinito de Luz e de Amor. Todas se tornam Uma na verdadeira presença a Deus. Um universal sorriso de inexprimível alegria.”
O inspirado poeta, empolgado e seduzido pelas magnificências da vida espiritual, nesses planos luminosos e refulgentes de amor, bem compreendeu, como nos ensina a Doutrina Espírita, que a Terra, sendo, como é, uma oficina de burilamento das arestas de nossas imperfeições, só nos cabe, com todo o afã, aproveitar o máximo possível da nossa permanência temporária em tal oficina, para que amanhã possa o nosso Espírito singrar o espaço infinito, em busca da luz santificante do amor de Jesus!
Só mesmo os insensatos desperdiçam esses momentos preciosos, entregando-se aos prazeres efêmeros e às conquistas falíveis do mundo!
Foi sentindo tudo isso que, com o pensamento perdido nas alturas do Paraíso, de lá lançou um olhar piedoso para a Terra e cantou:
O insensato afã da humana gente.
Quão falho são os falsos argumentos .
Que ao barro vil da terra vos tem presos!
Uns são legistas, outros medicastros.
Sacerdotes aqueles, por cobiça.
Por força ou por sofisma outros governam,
Fraudulentos uns são, outros ladrões,
Há da luxuria escravos deleitados
E os da preguiça amantes gozadores.
“A Divina Comédia” é fonte inesgotável de grandes verdades à luz do Espiritismo, documentário positivo, eloquente e grandioso de quanto é capaz a força mediúnica para a transmissão da eterna sabedoria de Deus!
Fonte: Grandes vultos da humanidade.