Revista Espírita, dezembro de 1858
O fenômeno das aparições se apresenta hoje sob um aspecto de alguma sorte novo, e que lança uma luz viva sobre os mistérios da vida além-túmulo. Antes de abordarmos os fatos estranhos que vamos relatar, cremos dever retornar sobre a explicação que deles foi dada, e completá-la.
Não se pode perder de vista que, durante a vida, o Espírito está unido ao corpo por uma substância semi-material que designamos sob o nome de perispírito. O Espírito tem, pois, dois envoltórios: um grosseiro, pesado e destrutível: é o corpo; o outro etéreo, vaporoso e indestrutível: é o perispírito. A morte não é senão a destruição do envoltório grosseiro, é a veste de cima usada que se deixa; o envoltório semi-material persiste, e constitui, por assim dizer, um novo corpo para o Espírito. Essa matéria etérea não ó a alma, anotemos bem, não é senão o primeiro envoltório da alma. A natureza íntima dessa substância, ainda, não nos é perfeitamente conhecida, mas a observação nos colocou no caminho de algumas dessas propriedades. Sabemos que ela desempenha um papel capital em todos os fenômenos espíritas; depois da morte ó o agente intermediário entre o Espírito e a matéria, como o corpo durante a vida. Por aí se explicam uma multidão de problemas até agora insolúveis. Ver-se-á, num artigo subsequente, o papel que ela desempenha nas sensações do Espírito. Também a descoberta, se assim se pode exprimir, do perispírito, fez dar um passo imenso à ciência espírita; fê-la entrar num caminho todo novo. Mas esse perispírito, direis, não é uma criação fantástica da imaginação? Não é uma dessas suposições como, frequentemente, faz se na ciência para explicar certos efeitos? Não, não é uma obra de imaginação, porque foram os próprios Espíritos que o revelaram; não é uma ideia fantástica, porque pode ser constatada pelos sentidos, porque se pode vê-lo e tocá-lo. A coisa existe, só a palavra é nossa. São necessárias palavras novas para exprimirem coisas novas. Os próprios Espíritos a adotaram nas comunicações que temos com eles.
Por sua natureza e em seu estado normal, o perispírito é indivisível para nós, mas pode sofrer modificações que o tomem perceptível à visão, seja por uma espécie de condensação, seja por uma mudança na disposição molecular é então que nos aparece sob forma vaporosa. A condensação (não é preciso tomar essa palavra pela letra, empregamo-la na falta de uma outra), a condensação, dizíamos, pode ser tal que o perispírito adquire as propriedades de um corpo sólido e tangível; mas ele pode, instantaneamente, retomar seu estado etéreo e invisível. Podemos entender esse efeito pelo do vapor, que pode passar da invisibilidade ao estado brumoso, depois líquido, depois sólido, e vice-versa. Esses diferentes estados do perispírito são o produto da vontade do Espírito, e não de uma causa física exterior. Quando nos aparece, é que dá ao seu perispírito a propriedade necessária para torná-lo visível, e essa propriedade ele pode estender, restringi-la, fazê-la cessar à sua vontade.
Uma outra propriedade da substância do perispírito é a da penetrabilidade. Nenhuma matéria lhe faz obstáculo: atravessa todas, como a luz atravessa os corpos transparentes.
O perispírito, separado do corpo, afeta uma forma determinada e limitada, e essa forma normal é a do corpo humano, mas não é constante; o Espírito pode dar-lhe, à sua vontade, as aparências mais variadas e até a de um animal ou de uma chama. De resto, isto se concebe muito facilmente. Não se veem homens darem, ao seu rosto, as expressões mais diversas, imitarem, ao ponto de enganarem, a voz, o rosto de outras pessoas, parecerem corcundas, coxos, etc.? Quem reconheceria na cidade certos atores que não se vira senão caracterizado no palco? Se, pois, o homem pode assim dar ao seu corpo material e rígido aparências tão contrárias, com mais forte razão o Espírito pode fazê-lo com um envoltório eminentemente flexível, e que pode prestar-se a todos os caprichos da vontade.
Os Espíritos nos aparecem, pois, geralmente sob uma forma humana; em seu estado normal, essa forma nada tem bem característica, nada que os distingue uns dos outros, de um modo bem-marcado; nos bons Espíritos, ela é ordinariamente bela e regular: os longos cabelos flutuam sobre os ombros, roupagens envolvem o corpo. Mas, se querem dar-se a conhecer, tomam exatamente todos os traços sob os quais foram conhecidos, e até a aparência das vestes, se isso for necessário. Assim, Esopo, por exemplo, como Espírito não é disforme, mas se for evocado, enquanto Esopo, tivesse mesmo várias existências depois, apareceria disforme e corcunda, com o costume tradicional. Esse vestuário, talvez, é o que mais espanta; mas considerando-se que faz parte integrante do envoltório semi-material, concebese que o Espírito possa dar, a esse envoltório, a aparência de tal ou tal vestuário, como a de tal ou de tal rosto.
Os Espíritos podem aparecer seja em sonho, seja no estado de vigília. As aparições no estado de vigília não são nem raras nem novas; houve-as em todos os tempos; delas a história narra um grande número; mas, sem remontar tão alto, em nossos dias elas são muito frequentes, em muitas pessoas que as tiveram, à primeira vista, tomaram-nas pelo que se convencionou chamar de alucinações. São frequentes, sobretudo, nos casos de morte de pessoas ausentes, que vêm visitar seus parentes ou amigos. Frequentemente, elas não têm objetivo determinado, mas pode-se dizer que, em geral, os Espíritos que nos aparecem assim são seres atraídos a nós pela simpatia. Conhecemos uma jovem senhora que via, muito frequentemente, em sua casa, em seu quarto, com ou sem luz, homens que ali penetravam e dali se iam apesar das portas fechadas. Com isso estava muito atemorizada, e isso a tornara de uma pusilanimidade que se achava ridícula. Um dia, ela viu distintamente seu irmão, que estava na Califórnia, e que não estava morto de todo: prova que o Espírito dos vivos pode também transpor as distâncias e aparecer em um lugar ao passo que o corpo está alhures. Depois que essa senhora se iniciou no Espiritismo, não tem mais medo, porque tem consciência de suas visões, e sabe que os Espíritos que vêm visitá-la, não podem fazer-lhe mal. Quando seu irmão lhe apareceu, provavelmente estava adormecido; se ela entendesse a sua presença, poderia conversar com ele, e este último, em seu despertar, ‘poderia disso conservar vaga lembrança. É provável, além disso, que nesse momento ele estivesse sonhando que estava perto de sua irmã.
Dissemos que o perispírito pode adquirir a tangibilidade; disso falamos a propósito das manifestações produzidas pelo senhor Home. Sabe-se que, várias vezes, fez aparecer mãos que se podiam apalpar, como mãos vivas, e que, de repente, se esvaneciam como uma sombra; mas não se vira, ainda, corpo inteiro sob essa forma tangível; isso não é, todavia, uma coisa impossível. Numa família do conhecimento íntimo de um de nossos assinantes, um Espírito se ligou à filha da casa, criança de 10 a 11 anos, sob a forma de um lindo rapaz da mesma idade. Era visível por ela como uma pessoa comum, e se tornava, à vontade, visível ou invisível a outras pessoas; prestou-lhe todas as espécies de bons ofícios, trouxe-lhe brinquedos, bombons, fez serviço da casa, vai comprar o que se tem necessidade, e o que é mais, lhe paga. Isto não é uma lenda da mística Alemanha, nem é uma história da Idade Média, é um fato atual, que se passa, no momento em que escrevemos, em uma cidade da França, e numa família muito honrada. Fomos capazes de fazer, sobre esse fato, estudos plenos de interesse e que nos forneceram as revelações mais estranhas e as mais inesperadas. Dele proveremos nossos leitores, de modo mais completo, em um artigo especial que publicaremos brevemente.