Autor: Thiago Rosa
É fácil ir, difícil é voltar. 400 mil jovens com menos de 25 anos morrem nas estradas por ano.
Sexta-feira, início do final de semana. O dia mais esperado da semana, depois de tanto trabalho, compromissos e estudo, finalmente chegou. A espera foi ansiosamente demorada, mas a recompensa chegou. Seja um jovem de 15 ou de 40 anos, apesar desta grande faixa de diferença de idade, não há regras para quem quer se divertir.
Sábado e domingo são dias próprios para restabelecer as energias gastas pelo corpo durante uma semana inteira atribulada. É a oportunidade de reencontrar os amigos, namorar, dançar, se divertir, beber(!?). E todo este contágio festivo começa no início da noite das sextas.
São Paulo é uma cidade que não para nenhum segundo no tempo. A agitação das pessoas, a correria dos carros, os passos compromissados rápidos, as buzinas, os semáforos. Todos os dias da semana, durante 24h, pode ser de segunda a domingo, a agitação da vida paulistana não tem hora para acabar. Nas cercanias da cidade, nas regiões mais periféricas, o silêncio é maior. Mas nos centros comerciais, movimentados durante o dia com o trabalho, a noite continua com as baladas, os bares e a agitação do mundo que o jovem conhece na palma da sua mão. Este cenário não é para todos, apenas uma fatia da sociedade mais elitizada que ajuda a cidade ficar acordada durante toda madrugada.
O que acontece na maior cidade do país não é um privilégio apenas dos paulistanos, mas um sinônimo comum às grandes cidades e capitais brasileiras. Os estabelecimentos com a marca de “aberto 24h” só tem aumentado. E se isso é uma fonte para poucos durante a semana, nos finais de semanas e feriados a rotina da vida noturna é mais frequente. Uma roda de amigos, altos papos, uma cerveja aqui e outra destilada acolá, cigarros, música, chave do carro. Características comuns vistas de qualquer ângulo pelas ruas mais movimentadas.
A bebida alcoólica como maior droga consumida no mundo inteiro, isso todo mundo já sabe, inclusive já foi tema de nossa FM!. Também saber que os jovens têm cada vez mais acesso ao consumo de álcool, começando dentro do próprio lar, não é novidade pra ninguém. Nem que a bebida é cultural no país. Também não é novidade nenhuma que as propagandas incentivando o consumo do álcool são as mais divertidas, de pessoas mais felizes, de jovens com corpos esculturais e saudáveis mais perfeitos e que seu consumo tem resultado direto com sua vida afetiva e profissional, como maior fonte de divertimento.
Isso são alguns fatores fáceis de enxergar, sem contar a discussão atual de liberar bebida alcoólica em estádios de futebol devido a Copa do Mundo de Futebol sediada pelo país em 2014 e que deve contemplar este consumo nas arquibancadas, já que o maior patrocinador do evento é uma marca de cerveja.
Mas um índice que há mais de década vem chamando atenção e que cresceu ultimamente devido aos acidentes recentemente noticiados é o álcool X direção. Mesmo com leis um pouco mais severas, consumir bebida alcoólica e depois dirigir não parece botar medo nas pessoas e em especial nos jovens, grandes incentivados e incentivadores do consumo de cervejas e destilados.
De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2007, o álcool é uma das razões do envolvimento de jovens, entre 10 e 24 anos, em acidentes de trânsito. Anualmente, cerca de 400mil pessoas com menos de 25 anos morrem nas estradas. Muitas destas mortes envolvem outras pessoas como motociclistas, pedestres, ciclistas e usuários do transporte público. A estimativa mundial é de 1,2bilhões de pessoas mortas e cerca de 50milhões de feridos por ano.
O que sempre se ouve das pessoas que consomem álcool antes de pegar o carro é do tipo: “estou bem, bebi pouco”, “eu dirijo bem”, “não bebi quase nada”, “moro perto”, “sei me cuidar, você acha que vou bater o carro?”.
1,2 bilhões de pessoas mortas anualmente no mundo e 50 milhões de feridos por acidentes causados por embriaguez – fonte OMS 2007
Perda de habilidades necessárias para a direção são prejudicadas com o consumo de bebidas alcoólicas. Sensação de super-herói e de confiabilidade são presentes antes dos sinais efetivos de embriaguez, isso porque o álcool é estimulante e causa grande excitação. Quando realmente embriagado, os reflexos e perda de reação são prejudicados, além de possíveis sonolências e perda de consciência. Por isso é tão comum muitos não se lembrarem no dia seguinte o que realmente fizeram na noite anterior. O que pode gerar outros problemas, mais simples, porém com gravidade parecida como sexo descompromissado e falta do uso de preservativos, que pode levar a gravidez indesejada ou transmissão de doenças sexualmente transmissíveis como a AIDS, sem contar a violência.
Recentemente a revista científica “Addiction” publicou um estudo norte-americano com o levantamento de todos os acidentes automobilísticos fatais ocorridos entre 1994 e 2008, o que somou um total de 1.495.667 casos. O objetivo era a comparação entre consumo de álcool e acidentes de trânsito. O resultado mostrou que em comparação a motoristas sóbrios, os que beberam estavam mais propensos a dirigir em alta velocidade, não usar o cinto de segurança e ainda ser o condutor do veículo responsável pelo acidente. Outro dado mostra que quanto maior a concentração de álcool no sangue, maior é a velocidade média do automóvel e consequentemente maior a gravidade dos ferimentos. O estudo também mostrou que mesmo em quantidades pequenas de concentração de álcool no sangue (0,01%), estes consumidores têm risco significativamente maior de quem não ingeriu nada.
E não se pode falar que quem dirige alcoolizado não conhece os riscos que está colocando em sua vida e com a vida alheia. Nem quem pega carona pode justificar que está isento de conhecer os riscos. O que não faltam hoje são informações. Após a implantação da Lei Seca no país em 2009, a pesquisa “A balada, o carona e a Lei Seca” realizada pelo Denatran, com jovens entre 15 e 17 anos, revelou que 84,9% deles conhecem a Lei e que 88,5% defendem a proibição de beber antes de dirigir, porém 55% dos entrevistados afirmaram que já voltaram pra casa de carona com um condutor que havia ingerido bebida alcoólica.
No livro S.O.S. Família, de Divaldo Franco, Joanna de Ângelis enfatiza que o vício do álcool, por mais que seja um vício de iguais proporções como as drogas, tem sua faixa de tolerância, como se a sociedade o aceitasse de forma mais simples, mais comum, apesar de ter tirado mais vidas do que o câncer, a tuberculose e as enfermidades cardiovasculares. O vício do álcool “tem início através do aperitivo inocente, que se repete entre sorrisos e se impõe como necessidade, que logo se converte em dominação absoluta…”, enfatiza Joanna.
Há quem diga pelo ditado popular que só o peru morre na véspera, na incredulidade de que ninguém morre antes do tempo ou do seu destino temidamente guardado. A morte prematura, ou o suicídio indireto, é a pior conseqüência que se pode ter após um acidente ocasionado com a mistura do álcool e a direção. Isso quando o automóvel não vira uma arma contra as outras pessoas, ocasionando a morte de um amigo ou mesmo de um indivíduo qualquer que poderia estar cruzando sua vida na frente de um automóvel descontrolado. É inimaginável a sensação do sentimento de culpa.
Quando não acontece morte alguma do corpo físico, ainda há de se pensar nos possíveis ferimentos causados, alguns muitos graves, culminando com uma vida vegetativa de um jovem que tinha toda uma história sadia ainda para caminhar e crescer pela frente. E isso não é questão de destino, mas sim de livre arbítrio.
E também há quem diga que tudo isso pode ser reflexo do passado, carmas, provas ou expiações de vidas passadas. Não se pode esquecer que toda ação tem reação. Ao invés de olhar o passado, tem de se olhar o presente, o que estamos fazendo hoje que pode de alguma forma deteriorar a nossa vida ou vida de quem está ao nosso redor. Pode ser que nada aconteça conosco, diante de tal imprudência. É o que com certeza todas as pessoas que morreram decorrente ao uso do álcool e após pegar o carro também pensavam, afinal, ninguém (normalmente) tem intenção de morrer ou matar alguém.
O que fica ainda como pergunta é o que deve ser combatido primeiro. Será que é melhor combater o consumo do álcool? Tirar as propagandas de bebida do ar? Criar leis mais severas? Educar?
Quando se olha que o maior índice de consumo da bebida, e de iniciação da mesma, está dentro do próprio lar, será que a família não tem grande responsabilidade sobre estes índices de mortandade ocasionada pelo consumo do álcool?
Seja no vício ou numa simples imprudência de quem bebe socialmente, de uma hora pra outra podemos mudar a nossa vida. E se existe a possibilidade de mudar para pior, também existe grande possibilidade de mudar pra melhor. A mudança está dentro de cada um.
Também não podemos recriminar através de preconceitos. Esta não é a melhor forma e esta não é a intenção deste texto, de atacar quem bebe ou de colocar no mesmo balaio o indivíduo que conseguiu de alguma forma beber socialmente com responsabilidade com aquele que bebe viciosamente e pega o carro de forma imprudente colocando vidas em perigo. A intenção é apenas de sensibilização e conscientização.
Antes de fechar esta edição enquanto escrevia este texto acabei de ler mais uma notícia triste que o campeão de jiu-jitso , Kaio César Ribeiro, 23 anos, morreu atropelado por um Audi em alta velocidade que fazia racha com um Camaro, na cidade de Campinas. A motorista, uma empresária de 40 anos, estava embriagada conforme o teste do bafômetro.
A maior surpresa dos recentes acidentes com morte que aparecem nas mídias é que grande parte dos condutores destes carros são pessoas de classe-média e classe-média alta. Pessoas que teoricamente teriam maiores acessos a estudos e conhecimentos. Até quando encararemos o consumo de álcool como uma simples cultura passada de pai pra filho?