Autor: Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Democracia: para uns, trata-se de uma palavra mágica, que poderá significar liberdades ilimitadas, poder dizer e fazer tudo o que se deseja, criticar tudo e todos, reivindicar o possível e o impossível, não ter de assumir responsabilidades pelos atos, enfim, será cada um concretizar o que muito bem lhe apetecer, sem prestar contas a ninguém; isto é, um regime em que a vontade popular se manifesta, sem regras, independentemente das capacidades de cada um, para assumir cargos políticos e a partir destes impor a vontade individual e indisciplinada de um qualquer líder popular. Não é esse o conceito de Democracia que neste trabalho de investigação, e reflexão, se pretende defender.
Para outros, porventura menos radicais, a Democracia será um regime político, assente na vontade popular do povo que, livremente, escolhe, através de eleições livres e justas, os seus representantes, para os diversos órgãos do poder político central, regional e local, em relação aos quais, não são exigíveis, à partida, na seleção desses candidatos, requisitos especiais para o cargo a que concorrem, pelo contrário, para além das exigências legais, o importante é que a pessoa, a encabeçar uma determinada lista, seja popular, bem aceite no seu meio social e comunitário, que garanta uma forte captação de votos para a força política que representa. Igualmente, não é este o perfil que, neste trabalho, mais se apreciará, num candidato a um lugar de responsabilidade executiva, ou deliberativa, embora se admita que uma ou outra caraterística seja favorável à população.
Um conceito moderno de Democracia não se compadece com populismos, com os “caça-votos”, com uma militância fanática, subserviente, amorfa e acrítica. A Democracia, num mundo moderno, complexo, cada vez mais globalizado, não se compatibiliza com o improviso, com soluções casuísticas, que não garantem a estabilidade no futuro, com pessoas que não conseguem defender as fragilidades do regime, e que permitem que outras beneficiem e protagonizem, através da manifestação dos seus egos, situações a que, democraticamente, não teriam direito, para tentarem obter um estatuto que, por outros métodos e méritos próprios, muito dificilmente conseguiriam.
Pretende-se, neste século XXI e, desejavelmente nos seguintes: uma Democracia moderna, no sentido de implementar valores que são deste tempo, verdadeiramente humanos, solidários e tolerantes intercidadãos; uma Democracia moderada em tudo o que facilite o diálogo, o debate aberto e franco, sem sofismas nem traições; uma Democracia que não discrimine ninguém, por causa das ideias, opiniões, crenças, etnias e valores individuais de cada cidadão; uma Democracia que respeite a fé, a religião, a liberdade com responsabilidade humanamente atribuída e assumida; uma Democracia cujo conceito não ignore a tradição e civilização ocidentais, obviamente do ponto de vista de toda uma cultura milenar ocidentalizada, indiscutivelmente, no respeito pelas outras culturas; uma Democracia cujo: «(…) conceito cristão de Democracia parte da ideia do homem como pessoa, livre e responsável, com destino próprio e transcendente, mas essencialmente solidário dos outros homens. Esta solidariedade exprime-se pela natural integração em grupos sociais, desde a família ao estado, passando pela escola, empresa, sindicato, Igreja, comunidades cívicas, etc.». (CARTA PASTORAL DO EPISCOPADO PORTUGUÊS, 1974 in: Dicionário Político, 1974:83).
A Democracia do século XXI, num mundo de feroz competição, onde os valores como: a produtividade, a mobilidade, a flexibilidade (a que se pretende acrescentar agora a flexisegurança), a especialização complementada pela polivalência, bem como o domínio de conhecimentos tecnológicos, constituem requisitos fundamentais para se vencer profissionalmente: seja como trabalhador; seja como empresário; e até como político. Também a Democracia política postula qualidades pessoais, técnicas, cognitivas e socioculturais que, por enquanto, não estão reunidas em todos os cidadãos, potenciais candidatos ao exercício de cargos políticos.
A busca de uma ideia de Democracia, que seja coerente com algumas das atuais exigências, pode-se desenvolver, justamente, a partir da capacidade de diálogo que cada cidadão seja capaz de incrementar. Segundo uma certa ótica: «O debate livre, a livre escolha e o consentimento genuíno requerem, pois, um nível de educação (que pode não ser uma educação formal) em compreensão social de modo a que as pessoas possam entender que estão a ser alvo de persuasão e propaganda e assim sejam capazes de resistir a essas pressões.» (ARBLASTER, 1988:143). Educação, formação, treino, experiência e competência, serão os próximos requisitos que a nova e moderna Democracia vão exigir aos candidatos a funções executivas e deliberativas, no decurso deste novo século.
Independentemente das ideologias político-partidárias, existentes em cada sociedade, e respetivos governantes, em determinados períodos da sua história, há necessidade de se definirem regras bem claras, rigorosas e eficazes para eleitores e eleitos, para governados e governantes, para candidatos a lugares políticos, principalmente para aqueles que vão exercer funções executivas, legislativas e sociais.
A Democracia, por uma das suas definições tradicionais, também é considerada um regime político frágil: «O pior dos regimes com a excepção de todos os ouros», porque: «Não sendo impositivo, está exposto ao crivo da análise e da crítica; não visando perpetuar o exercício do poder, possibilita a instabilidade; apregoando o pluralismo, torna-se, aparentemente, mais débil.» (GIRÃO & GRÁCIO, 1996:86).
A Democracia exige que os seus apologistas tenham condições para a servir e defender com competência. Nesse sentido não basta a qualidade de “bem-falante” e saber apregoar, em comícios e intervenções eleitorais, apenas as teorias que foram memorizadas, ou meia dúzia de “palavras de ordem” e conceitos ideológicos, constantes dos estatutos e programas das forças políticas, para se formar um democrata.
A sociedade, em todos os seus elementos constituintes, tem responsabilidades na preparação do cidadão-democrata: este deve assumir-se como um igual aos seus concidadãos, em tudo o que respeita à sua condição de pessoa humana; sujeito de valores e de princípios; respeitador dos direitos e cumpridor dos deveres.
Com efeito, a Democracia pretende-se: «Como sistema, pressupõe um envolvimento humano a fim de que cada indivíduo tenha a todo o instante acesso às necessidades e desejos dos outros. (…). Uma sociedade democrática deve conseguir tudo o que cada homem tem para dar. Esta fé na visão construtiva de uma sociedade coletiva dá o valor mais integral ao indivíduo, considera o valor individual como a base da democracia, a afirmação individual como seu processo e a responsabilidade individual como sua força motora. Sua tarefa caracteriza-se pela libertação do espírito criativo do homem porque a doutrina da verdadeira democracia é que todo o homem é e deve ser um cidadão criativo …» (CARVALHO, 1979:57).
A Democracia, enquanto sistema que é vivenciado por toda uma comunidade, tem, antes de atingir o plano coletivo, um espaço adequado, um mundo específico, que é o próprio indivíduo humano. A Democracia tem que existir: primeiramente, em cada pessoa que a pratica no inter-relacionamento quotidiano; no desempenho dos diversos papeis ao longo da vida; porém, para que ela frutifique em cada cidadão, é necessário que as diversas instituições, que integram a sociedade, dêem o seu contributo, destacando-se entre aquelas: a família, a escola, a Igreja, a comunidade de integração do indivíduo, a comunicação social, o Estado.
As instituições, não sendo a essência da Democracia, podem congregar-se em torno da escola, para que esta, recetora e depositária dos valores comunitários, possa transmitir à criança, ao jovem, ao adulto e ao idoso uma verdadeira praxis democrática: «A escola, sendo uma instituição crítica do status quo, não pode ser estática e formal, devendo dar ensejo ao treinamento para a democracia no pequeno grupo. (…) Este treino para a democracia deve ser desenvolvido, como dissemos, em toda a actividade da vida …» (Ibid.:63).
A escola existe para o indivíduo e este para a Democracia, enquanto sistema que permite construir: «Uma sociedade melhor organizada na qual o indivíduo pudesse viver uma vida mais plena e satisfatória.» (FOLLETT, M.P., Dynamic Administration, Pág. 14, in: CARVALHO, 1979:62).
Apesar de tudo, acredita-se que a pessoa que nasce num regime político-cultural, onde os valores da Democracia, da Liberdade e da Cidadania são o suporte dessa sociedade, as possibilidades de crescer e viver com mais autonomia e responsabilidade são bem maiores e a qualidade de vida, certamente, diferente, desejavelmente, para melhor, porque aqueles valores são o fundamento para que toda a pessoa humana se possa assumir, com dignidade, no seio da sociedade, interpretando os diversos papeis sociais, a vários níveis, e, possivelmente, não sofrerá represálias, nem perseguições e correspondentes punições, pelo facto de expressar as suas ideias e participar, livre e democraticamente, na vida cívica da sua comunidade, aliás, esta característica, de livre expressão da opinião, já vem da antiguidade helénica
Na verdade: «(…) em Atenas a liberdade de opinião era inerente à Democracia, porque o processo de autogoverno pelos cidadãos era necessariamente conduzido por debates abertos na assembleia e no conselho. Nem existia nada de parecido com a moderna organização partidária, por meio da qual as vozes dissidentes pudessem ser disciplinadas ou silenciadas. A Democracia e o debate aberto eram inseparáveis.» (ARBLASTER, 1988:39).
Bibliografia
ARBLASTER, Anthony, (1988). A Democracia, Trad. M.F. Gonçalves de Azevedo, Lisboa: Editorial Estampa, Temas Ciências Sociais. (7) Pp. 11-23.
CARVALHO, Maria Lúcia Rocha Duarte, (1979). Escola e Democracia, Subsídio para um Modelo de Administração segundo as ideias de M.P. Follet, São Paulo: E.P.U., Editora Pedagógica Universitária, Lda., Campinas: Universidade Estadual de Campinas.
DICIONÁRIO POLÍTICO, (1974). Os Bispos e a Revolução de Abril, Lisboa: ISPAGAL, Apud. Carta Pastoral do Episcopado Português: in O contributo dos cristãos para a vida social e política, 16-07-74)
GIRÃO, José Manuel dos Santos; GRÁCIO, Rui Alexandre, (1996) Área de Integração, Vol. I, Ensino Profissional, Nível 3, Porto: Texto Editora, Ltda.
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