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Destruição recíproca dos seres vivos

Revista Espírita, abril de 1865

A destruição dos seres vivos uns pelos outros é uma das leis da Natureza que à primeira vista parece conciliar-se menos com a bondade de Deus. Pergunta-se por que teria ele estabelecido como lei a necessidade se destruírem mutuamente para se alimentarem uns à custa dos outros.

Para aquele que apenas vê a matéria, que limita sua visão à vida presente, isto parece, com efeito, uma imperfeição na obra divina, e daí os incrédulos tiram a conclusão que não sendo Deus perfeito, não há Deus. É que eles julgam a perfeição de Deus a partir de seu ponto de vista. Seu próprio julgamento é a medida de sua sabedoria, e eles pensam que Deus não poderia fazer melhor do que eles próprios fariam. Não lhes permitindo sua curta visão julgar o conjunto, não compreendem que um bem real possa derivar de um mal aparente. Só o conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e da grande lei de unidade que constitui a harmonia da criação, pode dar ao homem a chave desse mistério, e mostrar-lhe a sabedoria providencial e a harmonia precisamente onde ele não via senão uma anomalia e uma contradição. Dá-se com esta verdade o mesmo que se dá com muitas outras, pois o homem não é apto para sondar certas profundezas senão quando seu Espírito chega a um suficiente grau de maturidade.

A verdadeira vida, tanto do animal quanto do homem, não está mais no envoltório corporal do que na roupa. Ela está no princípio inteligente que preexiste e sobrevive ao corpo. Esse princípio necessita do corpo para se desenvolver pelo trabalho que ele deve realizar sobre a matéria bruta. O corpo se desgasta nesse trabalho, mas o Espírito não; ao contrário, dele sai cada vez mais forte, mais lúcido e mais capaz. Que importa, pois, se o Espírito muda mais vezes ou menos vezes de envoltório? Ele não deixa de ser Espírito por esse motivo. Acontece absolutamente como se um homem renovasse o seu vestuário cem vezes em um ano. Nem por isso ele deixaria de ser o mesmo homem. Pelo espetáculo incessante da destruição, Deus ensina aos homens o pouco caso que devem fazer do envoltório material, e neles suscita a ideia da vida espiritual, fazendo-os desejá-la como uma compensação.

Perguntarão se Deus não poderia chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem submeter os seres vivos a se destruírem mutuamente. Bem esperto aquele que pretendesse penetrar os desígnios de Deus! Se tudo é sabedoria em sua obra, devemos supor que essa sabedoria não esteja mais ausente neste ponto do que nos outros. Se não o compreendemos, devemos culpar o nosso pouco adiantamento. Contudo, podemos tentar encontrar a razão disto tomando por bússola este princípio: Deus deve ser infinitamente justo e sábio. Busquemos, pois, em tudo, sua justiça e sua sabedoria.

Uma primeira utilidade que se apresenta dessa destruição, utilidade sem dúvida puramente física, é esta: Os corpos orgânicos não se mantêm senão à custa de matérias orgânicas, as únicas que contém os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Como os corpos, instrumentos de ação do princípio inteligente, precisam ser incessantemente renovados, a Providência faz com que eles sirvam à sua mútua manutenção. É por isso que os seres se nutrem uns dos outros, isto é, que o corpo se nutre do corpo. No entanto, o Espírito não é aniquilado nem alterado. Ele apenas é despojado de seu envoltório.

Além disso há considerações morais de ordem mais elevada.

A luta é necessária ao desenvolvimento do Espírito, porque é na luta que ele exercita suas faculdades. Aquele que ataca para obter seu alimento e aquele que se defende para conservar sua vida fazem exercícios de astúcia e de inteligência e aumentam, consequentemente, suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe. Mas o que foi que, na realidade, o mais forte ou mais apto tirou do mais fraco? Sua vestimenta de carne, e nada mais. O Espírito, que não morreu, mais tarde tomará outra.

Nos seres inferiores da criação, naqueles em que o senso moral não existe, nos quais a inteligência ainda está no estado de instinto, a luta não poderia ter por móvel senão a satisfação de uma necessidade material. Ora, uma das mais imperiosas necessidades materiais é a da alimentação. Assim, eles lutam unicamente para viver, isto é, para apanhar ou defender uma presa, pois não poderiam ser estimulados por um móvel mais elevado. É nesse primeiro período que a alma se elabora e se prepara para a vida. Quando atingiu o grau de maturidade necessário à sua transformação, ela recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o senso moral, numa palavra, a centelha divina, que dá um novo curso às suas ideias, dotando-a de novas percepções. Mas as novas faculdades morais de que ela é dotada só se desenvolvem gradativamente, pois nada é brusco na Natureza; há um período de transição, no qual o homem mal se distingue do bruto. Nas primeiras idades domina o instinto animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das necessidades materiais. Mais tarde, o instinto animal e o sentimento moral se contrabalançam; então o homem luta, não mais para se alimentar, mas para satisfazer sua ambição, seu orgulho, a necessidade de dominar. Para isto ainda lhe é necessário destruir. Mas, à medida que o senso moral prepondera, desenvolve-se a sensibilidade e diminui a necessidade de destruição, acabando mesmo por se tornar odiosa e apagar-se. O homem adquire horror ao sangue. Contudo, a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do Espírito porque, mesmo tendo chegado a esse ponto, que nos parece culminante, ele está longe de ser perfeito; só ao preço de muita atividade ele adquire conhecimentos e experiência, e se despoja dos últimos vestígios da animalidade. A luta, que era sangrenta e brutal, se torna puramente intelectual. O homem, então, luta contra as dificuldades e não mais contra os seus semelhantes.

NOTA: Esta explicação, como se vê, se liga ao grave problema do futuro dos animais. Nós trataremos desse problema proximamente e a fundo, porquanto nos parece que ele está suficientemente elaborado, e cremos que se pode, desde já, considerá-lo como resolvido, em princípio, pela concordância do ensino.

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