Autor: Anselmo Ferreira Vasconcelos
Na literatura, de modo geral, dificilmente nos depararemos com alguma restrição ou advertência quanto ao ato de sonhar, já que se trata de uma potencialidade à qual praticamente todos estamos sujeitos. É curioso observar que até mesmo os animais são dotados dessa faculdade e, em algumas espécies, como os cachorros, é bem pronunciada. O fato é que ao sonhar nos libertamos parcialmente do corpo. Em princípio, é como se o Espírito recebesse uma trégua para se refazer das refregas da vida, desligando-se, assim, momentaneamente dos seus problemas, aflições e angústias, embora outras situações possam ocorrer.
Na obra A Gênese, Allan Kardec se debruça sobre o assunto, identificando a existência de dois tipos possíveis de sonhos: (1) os referentes às previsões, pressentimentos e avisos; e (2) os ligados às criações fluídicas do pensamento, geralmente associadas a certas imagens complexas sem nenhuma conexão com a vida material. No segundo caso, conforme Kardec, podem decorrer de crenças; de simples lembranças retrospectivas; de gostos, desejos, paixões, temor, remorsos, preocupações habituais, necessidades do corpo ou mau funcionamento do organismo; e, por último, por outros Espíritos com intenções amistosas ou não.
Notem que aí encontramos uma ampla faixa de possibilidades, que cabe investigar, a fim de que se possa dar sentido ao que o sonho abarcou. Mas, como nos adverte o Evangelho: “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mateus, 6: 20). Portanto, pode-se inferir que, a depender do que agasalhamos no terreno dos sentimentos e aspirações, nossos sonhos provavelmente hão de ecoá-los de alguma forma.
Desse modo, pessoas realmente bem intencionadas e de conduta equilibrada não tendem a abrir espaço para situações exóticas ou escabrosas em suas experiências oníricas. A simples motivação pela busca do ideal superior e o desejo de realizações nesse patamar devem naturalmente impedir que pensamentos obscuros turbem seus melhores propósitos.
Ainda segundo o Codificador, sonhos sempre tiveram um papel importante nos meandros de todas as religiões. Ademais, vale ressaltar que, livre temporariamente das amarras do corpo, o Espírito obtém, por meio do sono, a oportunidade de se encontrar com os seus conhecidos (desta e da outra dimensão além-túmulo). Aliás, é nessas ocasiões que os Espíritos protetores nos dão determinados conselhos e advertências.
Kardec também esclarece que “São numerosos os casos de avisos em sonho, porém, não se deve inferir daí que todos os sonhos são avisos, nem, ainda menos, que tem uma significação tudo o que se vê em sonho. Cumpre se inclua entre as crenças supersticiosas e absurdas a arte de interpretar os sonhos”. Com efeito, não raro, sonhamos com coisas aparentemente descabidas ou sem nenhum nexo ou ligação conosco.
No entanto, na questão 402 d’O Livro dos Espíritos encontra-se a observação de que frequentemente declaramos ter tido um sonho permeado por conteúdo extravagante ou mesmo terrível e, por isso, denotando algo assaz inverossímil. Com base nisso, as entidades espirituais advertem: “Enganas-te. É amiúde uma recordação dos lugares e das coisas que viste ou que verás em outra existência ou em outra ocasião. Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou no futuro”.
Em outras ocasiões, o sonho vem impregnado de alta carga simbólica, dificultando a sua interpretação e sentido pelo menos num primeiro momento. À guisa de ilustração, vale recordar um caso muito interessante vivido por uma amiga minha recentemente. Ela relatou-me que teve um sonho muito singular com pessoa de sua relação e com a qual colheu imensa decepção. Sem querer adentrar certos detalhes eminentemente desagradáveis e que nada acrescentariam ao assunto, cumpre ao menos destacar que atitudes ignominiosas da parte do indivíduo mencionado foram determinantes para a separação, além de revelar o seu caráter cambaleante.
Prosseguindo o seu relato, confessou-me ela ainda ter visto essa pessoa em uma feira de rua – perto de uma casa onde ela morou por muitos anos – em frente a determinada barraca de cereais. Acrescentou que não chegaram a conversar, mas apenas trocaram intenso olhares enquanto ela passava pelo citado estabelecimento comercial. Avançando alguns passos, ela estacou e olhou para trás, não mais vendo o referido indivíduo. Todavia, chamou-lhe profundamente a atenção o fato de que a estatura dessa pessoa havia sido consideravelmente diminuída (menor do que, segundo ela me afirmou, a sua altura normal). Frisou que algum tempo atrás havia rompido seu relacionamento com tal pessoa, aliás, o que muito lhe magoara devido à maneira como tudo se sucedeu.
Mas pelas suas descrições e observações fui levado a crer que o causador do abrupto e inesperado rompimento não apresentava uma condição espiritual, digamos, saudável e/ou equilibrada. Muito pelo contrário. De fato, a vida é uma abençoada escola na qual uns se agigantam diante das dificuldades e adversidades, ao passo que outros se apequenam em razão das suas insanidades, mesquinhez e maldades. No Evangelho encontramos, a propósito, a sábia advertência: “Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mateus, 6:23). Com efeito, percebi que a pessoa em questão não havia ainda erigido a sua luz interior. Ao que tudo indicava, seguia uma trajetória tortuosa e infeliz com graves prejuízos à sua própria evolução sem se dar conta.
Posto isto, enxerguei nele um ser espiritualmente doente e, nessa lamentável condição, altamente comprometido com as leis divinas. Em outras palavras, a sua encarnação, como importante oportunidade de elevar-se como filho de Deus, já havia sido, ao meu ver, desperdiçada. E a sua atitude indigna perante a minha amiga sedimentou minhas conclusões. Com base nisso, entendi que o suposto encolhimento de sua estrutura física simbolizava, essencialmente, um exemplo claro de uma alguém que se apequenou em termos espirituais. Depreendi, por fim, que essa pessoa retornará à pátria espiritual carregando um – talvez mais um – enorme passivo, e que provavelmente terá um longo e amargo caminho a percorrer para se ajustar, um dia, à ordem das coisas estabelecida pela sabedoria divina.
O consolador – Ano 17 – N 832 – Artigos