Autor: Juan Carlos Orozco
Em O Livro dos Espíritos, na Parte Quarta, Capítulo I – “Das penas e gozos terrestres”, na questão 939, Allan Kardec pergunta: “Uma vez que os Espíritos simpáticos são induzidos a unir-se, como é que, entre os encarnados, frequentemente só de um lado há afeição e que o mais sincero amor se vê acolhido com indiferença e, até, com repulsão? Como é, além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e mesmo em ódio?”
A resposta dos Espíritos é:
“Não compreendes então que isso constitui uma punição, se bem que passageira? Depois, quantos não são os que acreditam amar perdidamente, porque apenas julgam pelas aparências, e que, obrigados a viver com as pessoas amadas, não tardam a reconhecer que só experimentaram um encantamento material! Não basta uma pessoa estar enamorada de outra que lhe agrada e em quem supõe belas qualidades. Vivendo realmente com ela é que poderá apreciá-la. Tanto assim que, em muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas, acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque assente na estima! Cumpre não se esqueça de que é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade.
Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com frequência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”
A questão 939 trata da união e desunião de pessoas que, de início, estabeleceram relação aparentemente simpática e amorosa, mas, com o convívio, começaram a ocorrer situações de indiferença, repulsão e antipatia, passando da afeição de amor para ódio.
Pela resposta, no caso da pergunta, há uma punição, embora passageira, porquanto as pessoas se julgavam amar fervorosamente pelas aparências materiais. Mas, com o tempo de relacionamento, perceberam que houve encantamento de supostas qualidades que ruiu com as experiências do cotidiano. Por outro lado, muitas uniões, que pareciam destinadas a antipatias, prosseguiram com relacionamento duradouro, inclinado ao amor, ao afeto e à amizade, porque houve estima, enfrentando a realidade do convívio.
A resposta complementa: “… é o Espírito quem ama e não o corpo, de sorte que, dissipada a ilusão material, o Espírito vê a realidade.”
É o Espírito quem ama, pois o ser humano integral possui três coisas: o corpo físico ou material, análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; a alma, ou o Espírito encarnado no corpo; e o perispírito, o primeiro envoltório do Espírito, sendo o laço que prende a alma ao corpo, sendo elo entre a matéria e o Espírito.
O Espírito é sede da inteligência e dos sentimentos, pensamentos, desejos, vontades, consciência, lembranças e memória. O corpo físico, por ser material, obviamente, não tem sentimentos. Por outro lado, o corpo físico, como qualquer bem material, pode despertar interesse, desejo, paixão, cobiça, prazer, apego, posse, dentre outros tantos.
O Espírito precisa do corpo físico, por meio da encarnação, para evoluir, dominando e depurando imperfeições e sentimentos inferiores, tais como: egoísmo, orgulho, ganância, vaidade, paixão, apego, inveja, ambição, cobiça, desejo, prazer, tentação, indiferença. O Espírito encarnado sofre as vicissitudes e necessidades que a matéria proporciona, o que não seria possível enquanto no plano espiritual. Logo, o corpo físico não ama, pois ele representa um bem material.
A resposta da questão 939 diz mais: “Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma, acontecendo com frequência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Daí vem que, muitas vezes, os que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se desfaça.”
Por esse esclarecimento, as pessoas podem se afeiçoar tanto pelo corpo como pela alma, em que a afeição material é efêmera e a espiritual duradoura.
Na afeição do corpo ou material, as ilusões iniciais dissipam-se diante da realidade do convívio, as quais foram fundadas pela cega paixão, pelo simples prazer ou pelas aparências, que desaguaram em infelicidade pela difícil e truculenta experiência mútua,
Depois das ilusórias juras de amor, a perda de confiança, a infidelidade, a violência, o menosprezo, a indiferença, o egoísmo, o orgulho, o ciúme, o sentimento de posse, entre outras tantas atitudes que maculam o relacionamento, provocam ressentimentos, revolta, repulsa, ódio, antipatia, terminando com a união.
A relação dessas pessoas, desde o início, não se baseou no amor com o enlace de almas. Acreditavam que se amavam realmente até surgir obstáculos na relação, mudando o padrão de comportamento com reações em face da frustração vivenciada.
Já a afeição de almas é duradoura em decorrência da união de corações pelo mútuo conhecimento. Pela convivência, as almas se enxergam, os parceiros compreendem suas realidades e motivam outros sentimentos que mantêm o relacionamento pela compreensão, pelo respeito, pela consideração, pela tolerância, pela paciência, pelo perdão, pelo carinho, pela amizade, pela compaixão.
Esses seres entenderam que, mesmo diante das dificuldades e aflições, o amor continua presente nos corações para a edificação mútua, extraindo lições úteis em uma relação de conhecimento e crescimento.
O Espírito Emmanuel, no livro Vida e sexo, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, no Capítulo 11, em “Alterações afetivas”, esclarece:
“Muito comum se alterem as condições afetivas, depois que o navio do casamento se afasta do cais do sonho para o mar largo da experiência.
Converte-se, então, a esperança em trabalho e desnudam-se problemas que a ilusão envolvia.
Em muitos casos, a altura da afeição permanece intacta; entretanto, na maioria das posições, arrefece o calor em que se aquecia o casal nos dias primeiros da comunhão esponsalícia. (…)
Parceiro e parceira, nos compromissos do lar, precisam reaprender na escola do amor, reconhecendo que, acima da conjunção corpórea, fácil de se concretizar, é imperioso que a dupla se case, em espírito – sempre mais em espírito -, dia por dia. (…)
Extinta a fogueira da paixão na retorta da organização doméstica, remanesce da combustão o ouro vivo do amor puro, que se valoriza, cada vez mais, de alma para alma, habilitando o casal para mais altos destinos na Vida Superior.”
Emmanuel esclarece ser normal a mudança das condições afetivas depois de iniciar o convívio em decorrência das experiências vividas a dois.
Nessas experiências, as esperanças do início devem ser trabalhadas em face dos problemas que a ilusão as envolvia.
Para muitos, a afeição não muda, mas para outros esfria o relacionamento. Isso porque, pela convivência, é preciso reaprender as lições de amor nos compromissos do lar, reconhecendo que, acima dos interesses materiais, é imperioso viver em espírito na rotina diária.
Extinta a paixão, tem que permanecer o puro amor, que se valoriza de alma para alma, em que ambos se elevam moral e espiritualmente.
No mesmo sentido, o Espírito Miramez, no livro Filosofia espírita, na psicografia de João Nunes Maia, Volume XIX, Capítulo 21 – Antipatias, comenta a questão 939 de O Livro dos Espíritos:
“O ser humano se engana constantemente, principalmente no tocante ao amor. É preciso analisar mais a chamada sintonia que, no fundo, é o próprio amor. Ele faz parte de uma escala imensurável; cada degrau corresponde a um estado de alma, e a subida vai nos mostrando que ela é infinita, assinalando as posições das criaturas e fazendo-as sentir a verdade na sequência da subida.
Ao se encontrar uma criatura, principalmente do sexo oposto, pode-se sentir imediatamente uma grande afeição, que tanto pode ser pela presença física, quanto pela espiritual. Compete a cada indivíduo ser cauteloso em mostrar o que está pensando e sentindo naquele momento, para não cair em contradições.
Certamente que em muitos casos, encontramos pessoas pela primeira vez e sentimos antipatias por elas, no entanto, com o decorrer do tempo, modificamos nossos sentimentos, passando a amar tais criaturas, bem como se dá o contrário. A razão nos fala que tudo isso constitui processo de despertamento espiritual, e que não vamos permanecer sentindo antipatia; o nosso futuro é amar e nos confraternizar com todos os seres deste mundo em que moramos temporariamente e dos outros, tanto quanto de todos os reinos da natureza.
Devemos amar a Deus, como já falamos alhures, em todas as coisas, que essas coisas respondem a esse amor em sua dimensão de vida. Não deves te sentir culpado por teres antipatia por alguém; deves, sim, compreender esse sinal como sendo um aviso do que ocorre por dentro da tua vida. O que tens a fazer é buscar mudar na tua intimidade e esforçar-te para tal, que a própria natureza te ajudará na superação dos obstáculos naturais. Esses conflitos são normas de despertamento dos valores internos. Não deves tampouco culpar as entidades mal-informadas sobre a verdade. Elas estão igualmente procurando, como todos nós, a verdade para se libertarem das incompreensões.
Ao encontrares novos companheiros e a antipatia surgir, é um sinal pedindo para parares e meditar, até que se abram em teu entendimento, vários processos da vida para nos educar e instruir. O próprio amor à primeira vista deve ser moderado. Em tudo, a posição de equilíbrio nos mostra melhores resultados; todas as paixões ardentes vêm de fonte mal-informada, e todas as paixões desenfreadas nascem mais da matéria e pedem modificações. O homem elevado é sereno em tudo o que faz e pensa; ele ama, na mesma serenidade, a Deus em tudo.
Certamente que existem muitas modalidades de afeições, no entanto, tudo vem do Espírito. Somente ele, na posição de encarnado, ama ou odeia. Quando o Espírito se liberta do corpo na desencarnação, a matéria se funde na própria matéria, desfazendo-se da forma. Os elementos buscam seus iguais, fundindo-se e se transformando para a sua grandeza. Na própria matéria existe ‘antipatia’ dos elementos, que vibram em diferentes ordens.
Em muitos casos, que podem ser comprovados, muitos que amam e que se diziam felizes em tais momentos, passam a odiar. Entrementes, com a compreensão da vida, com o passar dos milênios, passam a amar novamente, eternamente, pois esse é o caminho, a verdade e a vida para todas as criaturas de Deus. O ódio é transitório; o amor é eterno, em tudo que existe.
Nestes jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. (João, 5: 3)
Na vibração do ódio somente existem cegos, coxos e paralíticos, mas, com Jesus, em se referindo ao amor, à simpatia, todos se curam da cegueira, das enfermidades e dos defeitos físicos, vivendo nas linhas da perfeita harmonia de vida.
Podemos afirmar que todos os acontecimentos contraditórios que se passam na vida da alma, são necessários para que ela chegue à região do amor, passando a amar. Não podemos julgar a ninguém porque deixou de amar determinada criatura de quem antes tanto gostava. As próprias ilusões são lições, para nos mostrar o verdadeiro caminho. Todos passam por essas diretrizes. Os Espíritos elevados sabem disso; por isso não julgam.”
Assim, é o Espírito quem ama e não o corpo, pois o Espírito é sede da inteligência, dos sentimentos, dos desejos e das ações.
Dependendo das situações vividas e da moral do ser humano, alguns passam do amor para o ódio.
Na afeição de almas, ante o amor que se conhece e descobre, a dificuldade torna-se desafio, a dor faz-se prova, a enfermidade constitui resgate, a luta se converte em experiência, a ingratidão ensina, a renúncia liberta, a solidão prepara e o sacrifício santifica.
Por isso, procuremos, pela tolerância fraterna, pela compreensão, pelo respeito, pela consideração, pela tolerância, pela paciência, pelo perdão, pelo carinho, pela amizade e pela compaixão, as lições sublimes para caminhar nas construções afetivas, simpáticas, edificantes e imperecíveis das almas entrelaçadas.
Seja qual for a circunstância, mantenha acesa a chama do amor ensinada e exemplificada pelo Mestre Jesus.
Bibliografia
1 – BÍBLIA SAGRADA.
2 – CONHECENDO O ESPIRITISMO. Centro Espírita online Casa de Jesus. Quais os tipos de casamento? Disponível no endereço eletrônico: LINK-1. Publicado em: 13 de janeiro de 2019. Acessado em 15 de outubro de 2023.
3 – KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.
4 – KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.
5 – MIRAMEZ (Espírito); na psicografia João Nunes Maia. Filosofia espírita. Volume XIX. 1ª Edição. Belo Horizonte/MG. Editora Fonte Viva, 1990.
6 – O LIVRO DOS ESPÍRITOS COMENTADO PELO ESPÍRITO MIRAMEZ. Filosofia espírita – Volume XIX – Questão 939 comentada. Disponível no endereço eletrônico: LINK-2. Acessado em 15 de outubro de 2023.
7 – PERALVA, Martins. Estudando a mediunidade. 27ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.
8 – PÉTALAS DO ESPIRITISMO. Pergunta 939 – O Livro dos Espíritos. Disponível no endereço eletrônico: LINK-3. Publicado em: 10 de setembro de 2020. Acessado em 14 de outubro de 2023.
O Consolador – Ano 17. N 864 – Artigos