Autora: Cristina Sarraf
A reencarnação só oculta os fatos que vivemos nas vidas passadas, porque há sentimentos, emoções e atitudes que transparecem na personalidade atual.
Sobretudo situações mal resolvidas e fatos marcantes “sobem” da memória inativa, em momentos semelhantes aos já vividos ou quando se atinge a mesma idade em que ocorreram. “Sobem” como lembranças claras e breves ou como reações excessivas ao fato presente.
Heraldo e Arlindo, irmãos, sempre se deram bem, apesar de que na juventude de Arlindo, o mais novo, Heraldo começou a sentir alguma irritação e contrariedade com as maneiras de ser do irmão. Mas sabendo entender as diferenças individuais, não deu maior atenção a isso.
Adultos, circunstâncias familiares os puseram morando juntos, fazendo reaparecer a contrariedade, por causa da sem-cerimônia com que Arlindo se intrometia nas coisas e decisões de Heraldo. Ele falou, argumentou, colocou-se com a clareza possível, o que ao invés de amenizar a situação, fez o irmão interpretar que estava sendo humilhado, e reagir com rancor e mágoa.
Para o orgulho de Arlindo, o irmão deveria concordar que ele decidisse, porque suas opiniões eram melhores.
– Será que não vê que sei mais que ele? Claro que vê, mas quer ser mais que eu e me humilhar. Só que verá do que é capaz um homem humilhado….
A convivência foi complicando, apesar de ambos desejarem o oposto. Firmados em suas posições, queriam a paz, mas provocavam a guerra.
Choques sequenciavam momentos de trégua, que antecediam novos choques. A relação entre eles deteriorava trazendo dor recíproca.
Heraldo sentia perder o autocontrole, na medida que as energias emitidas, de ambas as partes, eram agressivas. Lidava mal com isso, muito pior que Arlindo, cujo poder mental era acionado pelo rancor crescente.
– Mas não penso e nem tenho intenção de humilhar você! Só quero que entenda minha posição e vontade.
– Quer sim!!! Você não era assim.
– Mas agora sou!
E o tom de voz aumentava e ninguém mais se ouvia.
– Estou no inferno, pensava Heraldo.
Umbral, dizia o protetor espiritual, já que não é uma punição e sim um estado onde convivemos com nossos fantasmas, para haver a condição de uma reação positiva.
E foi o que houve.
Heraldo tanto buscou socorro, que sonhou com um tempo muito antigo, onde ele era dono de terras e o irmão de hoje, uma espécie de colono. Ambos estavam “de olho” numa moça, mas tinham um bom relacionamento.
Certo dia, no meio de todo o povo que morava ali, senhor e colono buscavam solução para um problema com pragas na plantação. Vendo a aproximação da moça, o hoje Arlindo se enche de empáfia. Esquece o respeito e a conveniência e com soberba apresenta críticas e condenações aos métodos de plantio. Orgulhoso de sua inteligência, mostra como solucionar a questão com argumentos incontestáveis, apresentados com ironia, humilhando, de verdade, o dono das terras.
O povo ri, depois se cala e vai se afastando temeroso, arrastando consigo o rapaz prepotente e imprudente.
Todos esperam uma reação que não vem.
Bom tempo depois, esse colono morre envenenado, sem que haja qualquer suspeita em relação ao senhor das terras. Ao contrário, ela recai sobre a moça. Mas fora ele… embora a expulsasse do local, culpando-a.
Depois disso, gradativamente ele vai se isolando e se entregando ao álcool, que o leva à morte. Ingere para calar a consciência pesada, o arrependimento e a vergonha pela fraqueza da vingança.
Heraldo acorda do sonho, muito agitado, mas agradecido. Entendera a situação atual, podendo agora encontrar melhores formas de se conduzir. Fará o que puder, nem tanto pelo irmão preso aos hábitos mentais e aos fatos do passado, mas por si mesmo, por sua paz interior!