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Eça de Queiroz

José Maria Eça de Queirós, no Brasil, é um dos escritores lusitanos mais lidos e diremos mesmo o mais popular. Justo e natural, portanto, que procuremos algo conhecer a respeito de seu psiquismo. 

Eça, talvez sem o saber, foi médium, embora um tanto descontrolado, porque todas as nossas aptidões carecem ser exercidas em obediência a certas normas e preceitos, para delas tirarmos o maior proveito possível. 

José Maria criou-se, formou-se e continuou a viver e a lutar sempre longe do convívio paterno, do lar amigo e acolhedor. Jamais experimentou o acariciante enlevo dos cuidados maternais! Viveu como se fora um órfão ou enjeitado!

Coisas do destino, dirão, desse destino que constitui provações delineadas antes do reingresso do Espírito à Terra, e tais provanças foram, quiçá, por ele mesmo aceitas ou escolhidas, porque o Espírito, antes de tomar nova vestimenta carnal, e desde que já disponha de algum esclarecimento, pode escolher, de conta própria, certas e determinadas provas, por vislumbrar nelas a oportunidade de se desvencilhar de faltas cometidas em existências passadas e, consequentemente, adiantar-se na escalada do progresso espiritual. 

Eça de Queirós votava grande e sincera admiração a Antero de Quental que, na época, era o símbolo “de toda a Academia Coimbrã”.

José Maria Eça de Queirós gravara em sua mente a seguinte frase de Antero: – “Abrir bem o coração à voz que vem de cima e cerrá-lo à das paixões da Terra.”  Que voz seria essa que vem de cima, senão aquela que os Espíritos guias nos sopram, nos incutem e nos inspiram?

E realmente Eça de Queirós só desenvolvia fluente e magnificamente os temas escolhidos, ou sugeridos pelo Alto, quando a voz que vem de cima se fazia sentir.

Ouçamos, por exemplo, o que a esse respeito escreveu o apreciado homem de letras, Gentil Marques: “O Sol da manhã inunda-lhe o quarto. Ele ergue-se, espreguiça-se um pouco, passa as mãos pelo rosto magro a afugentar as visões. Estivera sonhando acordado, afinal… Inspirado, numa excitação quase febril, Eça de Queirós volta à secretária, senta-se, liberta-se da papelada com um safanão brusco, escolhe algumas folhas branquinhas e bem cortadas do seu almaço favorito e começa a escrever a “Ladainha da Dor”, no rastro da ideia que a onda lhe encharca o espírito… Escreve então: “… O músico Berlioz, ao voltar das bandas moles da Itália e das ilhas da Grécia de lívidos escarpamentos, sem serenidades idílicas e sem mirtos – recebeu nas ruínas das Sorveiras, junto de Niza, onde trabalhava na sua sinfonia de Harold, toda cheia de mar, esta carta de França.” Lê uma, duas, três vezes o que escreveu.

Para tomar fôlego. Quer que essa carta, recebida por Berlioz, seja verdadeiramente excepcional, digna do seu respeito e da sua admiração por um Heine ou até pelo próprio Berlioz. De lábios entreabertos, de olhos colados ao fulgor do Sol, sem o ver, de mãos estendidas sobre o papel, Eça de Queirós deixa-se tomar aos poucos pelo Espírito autor dessa carta fantástica. Agora ele não faz mais paragens. Escreve sem hesitação, indiferente a repetições e a rimas. Tudo lhe vem no ar, espontâneo, de quem se sente iluminado por dentro.

“Eça de Queirós pensa terminar aí, também, a sua “Ladainha da Dor”. Mas, irresistivelmente, continua a escrever guiado pelo estranho impulso, de que nem ele próprio sabe a origem.”

Mas nós espiritistas conhecemo-la perfeitamente. Aí está na descrição insuspeita de Gentil Marques, uma das manifestações mediúnicas de Eça de Queirós. 

Conta-nos ainda esse escritor, que estudou a fundo a vida e a obra de Eça de Queirós, que ele “depois de lavar os dedos, para os “desempoeirar”, como costumava dizer, e de enrolar nervosamente um cigarro delgado, acomoda-se na cadeira e começa a escrever. Mas repete o mesmo princípio em cinco ou seis “linguados” diferentes. Apenas se mostra satisfeito na última vez.

Ele não sabe prosseguir, enquanto o início não estiver a seu contento, em absoluto. Uma palavra riscada, uma letra mal-feita, uma disposição pouco bonita – e pronto. 

A folha de papel fica inutilizada. Ê, por assim dizer, um balanço que ele ensaia. Logo que adquire o balanço, vai por aí fora, sem mais delongas, sem mais hesitações, como se tudo lhe saísse do cérebro, num jato, espontaneamente, tumultuosamente… “

Esse balanço, evidentemente, é a concentração, uma espécie de prelúdio de adestramento, prelúdio preparatório, até conseguir captar, em toda a sua nitidez, a voz que vem de cima: e quando essa voz canta em seus ouvidos psíquicos, “vai por aí, sem mais delongas, tumultuosamente… “

Há uma passagem, na vida do grande Eça, bastante significativa: concebe ele a ideia de escrever um livro intitulado “A Batalha de Caia”, romance por meio do qual pretendia descrever a invasão de Portugal pela Espanha. 

Em sua carta a Ramalho Ortigão, dá-nos conta da maneira porque lhe veio à mente escrever tal livro: 

“Concebi o livro, uma tarde, em casa duma senhora, estando só com ela; ela tocava ao piano a gavota favorita de Maria Antonieta – e eu, ao pé do lume, acariciava um cão. De repente, sem motivo, nem provocação – lembrou-me, ou antes, flamejou-me, por meio da ideia, todo esse livro. Singular, não?” 

Que se conclui desse “flamejou-me, por meio da ideia, todo esse livro”, quando ele, conforme afirmou, jamais pensara em tal assunto? Como explicar, portanto, o afloramento dessa ideia, assim de maneira tão singular? 

Num lampejar de segundos, visualizou ele, pelo pensamento, todas as minúcias e particularidades desse livro. 

Foi indubitavelmente a manifestação clara e positiva da sua mediunidade. É que um dos Espíritos que o assistiam em seus afazeres literários, dele se utilizou para transmitir-lhe toda essa ideia, aproveitando, assim, de seu estado de concentração involuntária, num ambiente calmo e tranquilo, favorecido, ademais, com os acordes delicados de uma gavota, pois bem sabemos que a verdadeira música exerce grande influência nas almas sensíveis, facilitando-lhes a percepção das coisas espirituais, transcendentes, divinas!

Há um caso típico na vida deste notável escritor, jornalista e romancista. Ao prefaciar o livro “Azulejos”, de seu amigo Bernardo Pindela, escrevera: “Nada há mais ruidoso e que mais vivamente se saracoteia com um brilho de lantejoulas – do que a Política.” 

Por causa disso sofreu críticas mordazes, até de seus próprios amigos. A de Camilo Castelo Branco sobrepujou a de todos. Em resposta a essa crítica, Eça de Queirós escreveu-lhe uma carta alegre, espirituosa, mas, depois, melhor pensando, preferiu silenciar, não lha enviando, deixando-a no fundo duma gaveta, muito embora a considerasse como uma de suas melhores cartas; e assim procedeu por julgar que não devia atormentar Camilo, justamente quando já lhe pesavam os anos, a par dos desgostos que lhe atormentavam a vida. Belo e nobre gesto!

Em uma de suas comunicações, por meio da mediunidade de Fernando de Lacerda, diz-nos ele que seu Espírito, ao ingressar no Espaço e após o balanço de suas atividades no plano físico, verificou surpreso que esse balanço acusava saldo negativo. Nessa conjuntura apelou para Deus, dele obtendo absolvição. E então explica: é que ele, “se cedia para os outros, como mercancia utilitária, o riso e a ironia, tinha para seu uso larga reserva de dor e de amarguras; e que, talvez, só ainda por amorável abnegação ele parcamente fazia extravasar o fel, espremido em doses homeopáticas, nas rajadas de troça com que chicoteava o seu preclaro semelhante ridículo”.

No declinar de sua existência, vivendo em Paris, como membro da Embaixada Portuguesa, Eça reflete que realmente emprestara à personagem Gonçalo, de seu livro “A Ilustre Casa de Ramires”, todos os seus erros, suas excentridades e todas as suas qualidades boas de então: – franqueza, doçura, bondade, imensa bondade, e também a vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, a ponto de dar, na rua, o braço a um mendigo …

Eça de Queirós enfrenta agora os seus derradeiros dias de vida e ele diz a seu amigo Ramalho Ortigão: – “Isto está muito mal. Muito mal… E’ o princípio do fim… Já vês, estou a seguir na linha do Destino.”

Aludia ele à fotografia tirada em Lisboa, em a qual figuravam, em meio de uma escada: Carlos Lobo de Ávila, Oliveira Martins e o Conde de Ficalho. “Quisera o destino, na opinião de Eça de Queirós, que esses três fossem tocados pelo dedo da morte.” –

E agora bem veem… Na fotografia fatídica sou eu – declara Eça – que estou a seguir.

E relata-nos Gentil Marques, esclarecido biógrafo de Eça: “O velho padre, que viera com a prima Conceição, inclinou-se sobre o vulto do moribundo, lançando-lhe a extremaunção. Mas, conta-nos o escritor patrício Viana Moog, que o padre lhe perguntou se o ouvia, e logo acrescenta: “Ele já não podia responder, não obstante recebeu a extrema-unção.” E como poderia ele escutar as palavras do padre, se, como escreveu Gentil Marques, seu Espírito já estava, nesse momento, longe dali?

As mãos de Eça encontraram, no Além, as outras mãos que se estendiam para ele. As mãos de Antero, de Oliveira Martins, do seu irmão Alberto, do Conde de Ficalho, do Carlinhos de Ávila.

– Aqui estou… – respondeu o Espírito de Eça. – Eu bem sabia o que ficara escrito pelo destino na fotografia que tiramos.

Começa a caminhar, na companhia dos outros. Nem ele sabe para onde. Mas vai confiado, sorridente, olhando para tudo, do alto do seu monóculo”. 

Fonte: Grandes vultos da humanidade e o espiritismo. 

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