Revista Espírita, junho de 1861
Morte do Sr. Laferriêre, membro do instituto. – suícidio do Sr. Lêon L… – A viúva e o médico
Seriam necessários volumes para registrar todos os funestos acidentes causados pelo desespero, se tomássemos apenas aqueles que chegam ao conhecimento do público. Quantos suicídios, doenças, mortes involuntárias, casos de loucura, atos de vingança e até crimes não produz ele todos os dias! Uma estatística muito instrutiva seria a das causas primeiras que levaram aos desarranjos do cérebro. Ver-se-ia que nela entra o desespero, pelo menos com quatro quintos. Mas não é disto que queremos nos ocupar hoje.
Eis dois fatos relatados nos jornais, não a título de novidade, mas como assunto de observação.
Lê-se no Le Siècle de 17 de fevereiro último, reportagem sobre as exéquias do Sr. Laferrière:
“Terça-feira conduzíamos à sua morada final, com alguns amigos contristados, uma jovem de vinte anos, arrebatada por uma doença de alguns dias. O pai dessa filha única era o Sr. Laferrière, membro do Instituto, inspetor geral das Faculdades de Direito. O excesso da dor fulminou esse pai infeliz e a resignação da fé cristã foi impotente para o consolar.
“Num intervalo de trinta e seis horas, a morte vibrou um segundo golpe, e a mesma semana que havia separado pai e filha, os reuniu. Multidão numerosa e consternada hoje seguia o féretro do Sr. Laferrière.”
Diz o jornal que o Sr. Laferrière tinha sentimentos religiosos e com prazer o admitimos, pois não se deve crer que todos os sábios sejam materialistas. Contudo, esses sentimentos não o impediram de sucumbir ao desespero. Estamos convictos de que se tivesse ideias menos vagas sobre o futuro, ideias mais positivas, tais como as que dá o Espiritismo; se tivesse acreditado na presença da filha ao seu lado; se tivesse tido a consolação de comunicar-se com ela, teria compreendido só estarem separados materialmente e por determinado tempo, e teria tido paciência, submetendo-se à vontade de Deus quanto ao momento de sua reunião; ter-se-ia acalmado ante a ideia de que o seu próprio desespero era uma causa de perturbação para a felicidade do objeto de sua afeição.
Estas reflexões se aplicam ainda com mais razão ao seguinte fato, que se lê no Le Siècle de 1.º de março último:
“O Sr. Léon L…, de 25 anos, empresário que explora as linhas de ônibus de Villemonble a Paris, havia se casado, há dois anos, com uma jovem que ele amava apaixonadamente. O nascimento de um filho, hoje com um ano de idade, viera aumentar a afeição dos esposos. Como seus negócios prosperavam, tudo lhes parecia pressagiar um longo futuro de felicidades.
“Há alguns meses a Sra. L… foi subitamente atingida por uma febre tifoide e, apesar dos mais assíduos cuidados e de todos os recursos da Ciência, faleceu em pouco tempo. A partir desse momento, o Sr. L… foi tomado de tal melancolia que nada o distraía. Muitas vezes ouviam-no dizer que a vida lhe era odiosa e que iria unir-se àquela que tinha levado toda a sua felicidade.
“Ontem, voltando de Paris com o seu carro, pelas sete horas da noite, o Sr. L… entregou o cabriolé ao palafreneiro e, sem dar uma palavra a ninguém, entrou num cômodo no rés-do-chão contíguo à sala de jantar. Uma hora mais tarde uma criada veio avisar que o jantar estava à mesa. Ele respondeu que não precisava de mais nada. Estava debruçado sobre a mesa, a cabeça apoiada nas mãos e parecia tomado de uma prostração completa.
“A criada avisou os pais, que vieram para junto do filho. Ele tinha perdido a consciência. Correram a chamar o Dr. Dubois. Ao chegar, o médico constatou que Léon estava morto. Tinha-se envenenado com forte dose de láudano, que havia comprado para seus cavalos.
“A morte do jovem causou viva impressão na região, onde gozava de geral estima”.
Sem dúvida o Sr. Léon L… acreditava na vida futura, pois se matou para ir unirse à esposa. Se tivesse conhecido, pelo Espiritismo, a sorte dos suicidas, teria sabido que, longe de apressar o momento de seu encontro, este seria um meio infalível de afastá-lo.
A estes dois fatos opomos o seguinte, que mostra o domínio que podem ter as crenças espíritas sobre as resoluções dos que as possuem. Um dos nossos correspondentes nos transmite o que segue:
“Uma senhora do meu conhecimento perdeu o marido cuja morte foi atribuída à imperícia do médico. A viúva tomou-se de tal ressentimento contra ele, que o perseguia incessantemente com invectivas e ameaças, dizendo-lhe, por toda parte onde o encontrava: “Carrasco, não morrerás senão por minha mão!” Essa senhora era muito piedosa e boa católica. Mas foi em vão que, para acalmá-la, empregaram os socorros da religião. O caso chegou-se ao ponto em que o médico julgou dever dirigir-se à autoridade, para sua própria segurança.
“O Espiritismo conta numerosos adeptos na cidade onde ela mora. Um de seus amigos, bom espírita, disse-lhe um dia:
“─ Que pensaríeis se pudésseis ainda conversar com o vosso marido?
“─ Oh! disse ela, se soubesse que tal era possível! Se tivesse a certeza de não o haver perdido para sempre, consolar-me-ia e esperaria.
“Em breve lhe deram a prova. Seu próprio marido lhe veio dar conselhos e consolo e por sua linguagem ela não teve nenhuma dúvida quanto à presença dele ao seu lado. Desde então, uma revolução completa operou-se em seu espírito. A calma sucedeu ao desespero e suas ideias de vingança deram lugar à resignação. Oito dias depois ela foi à casa do médico, o qual estava temeroso quanto a essa visita; mas em vez de ameaçá-lo, estendeu-lhe a mão, dizendo: “Nada temais, senhor. Venho pedir perdão pelo o mal que vos tenho feito, como eu vos perdoo pelo que me fizestes involuntariamente. Foi meu próprio marido que me aconselhou a atitude que tomo no momento. Ele me disse que absolutamente não fostes a causa de sua morte. Aliás, agora tenho certeza de que ele está junto de mim, que me vê e vela por mim e que um dia estaremos unidos. Assim, senhor, não me queirais mal, como não vos quero mal, de minha parte.”
Inútil dizer que o médico aceitou logo a reconciliação e apressou-se em saber a causa misteriosa a que daí em diante devia a sua tranquilidade. Assim, sem o Espiritismo, essa senhora provavelmente teria cometido um crime, apesar de tão religiosa. Isto prova a inutilidade da religião? De modo algum. Mostra apenas a insuficiência das ideias que ela dá do futuro, apresentando-o tão vago que em muitos deixa uma espécie de incerteza, ao passo que o Espiritismo, fazendo, por assim dizer, tocá-lo com o dedo, faz nascer na alma uma confiança e uma segurança mais completas.
Ao pai que perdeu um filho; ao filho que perdeu seu pai; ao marido que perdeu a esposa adorada, que consolação dá o materialismo? Diz ele: Tudo acabou. Do ser que vos era tão caro nada resta, absolutamente nada além desse corpo que em pouco estará dissolvido. Mas de sua inteligência, de suas qualidades morais, da instrução adquirida, nada; tudo isto é o nada; vós o perdestes para sempre. Diz o espírita: De tudo isto nada é perdido; tudo subsiste; só há de menos o envoltório perecível; mas o Espírito, desprendido de sua prisão é radiante, está aí, junto de vós, vendo-vos, escutando e esperando. Oh! Quanto mal fazem os materialistas, inoculando por seus sofismas o veneno da incredulidade! Eles jamais amaram. Do contrário, poderiam ver com sangue frio os objetos de suas afeições reduzidos a um monte de pó? Assim, parece que para eles é que Deus reservou seus maiores rigores, pois nós os vemos todos reduzidos à mais deplorável posição no mundo dos Espíritos, e Deus é tanto menos indulgente para com eles quanto mais perto estiveram de se esclarecer.