Autor: Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Com o suor do teu rosto comerás o teu pão
Gênesis 3:19
Workaholic, Burnout, assédio, condições análogas à escravidão, teletrabalho, colaborador, uberização, empreendedor, desemprego… a gramática do mundo do trabalho do século XXI é permeada de novas roupagens para velhos conceitos, alguns destes, inclusive, que deturpam a essência do trabalho, a faculdade do espírito que mais o aproxima do criador.
Realização, prazer, utilidade, bem comum, sustento, aprendizado, lazer…outras expressões que deveriam aparecer mais no mundo do trabalho, mas a despeito de toda a tecnologia que nos cerca, nosso meio de vida continua sendo uma das fontes de sofrimento para o espírito encarnado, pelo excesso, pela falta ou pela alienação no seu desempenho.
O fato de o trabalho ser um valor universal, algo eminentemente positivo, não faz dele uma questão acrítica. O equilíbrio nessas relações, entre empregados e entre empregadores, os excessos, o desrespeito, e toda uma gama de distorções, são pontos de pauta, como lições de uma vida melhor, a luz da lei de justiça, amor e caridade.
Dado que o trabalho é tão importante, em especial na visão comungada por nós, espíritas, os seus limites e desvios também devem ser objeto de nossas discussões. Não nos aspectos legislativos ou políticas dessas relações, que guardam fóruns específicos para tal, mas no sentido dos papeis reencarnatórios que ocupamos nessas relações, e de que somos sim, responsáveis pelo bem ou pelo mal que propiciamos nessa seara.
A nossa maior vergonha histórica, a escravidão, tratada de forma relevante nas questões 829 a 832 de O livro dos espíritos, ainda se apresenta, passado tanto tempo, em formas sutis de submissão, de tratamento desumano, onde se morre pelo trabalho, como resquício daquele suor que ainda escorre hoje em dia nas frontes cansadas.
A escravidão, nas suas diversas derivações modernas, como o tráfico de mulheres, o trabalho infantil, o trabalho para pagar dívidas infinitas, bem como o trabalho desregulado e desamparado, são questões que afetam o tecido social, em especial daqueles mais vulneráveis, e merecem seu espaço de reflexão como espíritas e como cidadãos.
O trabalho, como dever, tem seus limites, como lembra a questão 683 da obra já citada. Não vivemos para o trabalho, mas este sim é a fonte de uma vida melhor, seja pelo aspecto material, seja pela construção de relações e de realidades. O trabalho está no contexto da encarnação, mas não é a sua finalidade. Mesmo o trabalho no bem, tão importante para nós, não é um fim, e sim um meio de nossa evolução.
No que se refere ao trabalho, além de um sentido amplo, entendido como a ação do espírito para modificar a sua realidade, no emprego de suas forças, existe o significado mais utilizado, aquele do ganha pão, do sustento, que pode ser objeto de exploração de quem nos emprega, mas também pode ser força hipnótica que nos cega pelas águas da ambição.
A sanha de ganhar mais, de se ter mais, de destaque, de holofotes, pode nos conduzir a outras formas de escravidão, na qual nos tornamos prisioneiros de um modo de vida. Claro que a excelência profissional, a qualidade das entregas, o desenvolvimento na carreira são valores que nos trazem realização e felicidade. Para nós, para os que nos cercam e para a sociedade. Mas, como tudo, demanda equilíbrio em relação as outras dimensões da nossa vida.
O suor que nos dá o sustento, que propicia a realização de tantas coisas boas na humanidade, é o mesmo que patrocina situações deploráveis, do homem em relação ao próprio homem, ou ainda, das suas próprias jaulas mentais que ele mesmo constrói em sonhos de transitoriedade.
Ao fim da encarnação, no país da luz, o trabalho continuará sendo um valor, um meio de progresso, mas os pressupostos que o qualificam são diferentes da realidade que ainda temos no plano material. Uma visão mais alargada de uma vida que prossegue, e que torna esse trabalho, como valor, algo a ser pensado hoje nesse contexto do mais além.
O consolador – Artigos