Autor: Leonardo Marmo Moreira
Título original: Emancipação da alma, animismo e mediunidade: onde termina um fenômeno e começa o outro?
A determinação de uma “fronteira” definitiva que separe os fenômenos denominados “Emancipação da Alma”, “Animismo” e “Mediunidade” não se trata de uma tarefa trivial. Tais definições e, sobretudo, diferenciações, constituem estudos complexos, pois, provavelmente, não exista uma distância cabal entre esses fenômenos. Este contato, no mínimo “interfacial” entre os fenômenos em questão, ocorre devido ao fato de que estes três processos psíquicos têm sua fundamentação básica nas propriedades do Perispírito.
De fato, tais fenômenos estão calcados nas características de maleabilidade e expansibilidade do Perispírito. Alguns autores, como a própria Dona Yvonne Pereira, utilizam a expressão “Mediunidade de Sonhos”, denotando que, pelo menos em alguns casos, o sonho poderia se tratar de um fenômeno mediúnico, além de ser uma Emancipação da Alma. Realmente, a Emancipação da Alma e a Mediunidade são dois fenômenos muito correlacionados. Poderíamos dizer “fenômenos irmãos”.
Inicialmente, é importante registrar que Emancipação da Alma, Animismo e Mediunidade não são fenômenos excludentes, pois podem acontecer concomitantemente. A Emancipação da Alma assim como o Animismo poderiam, a priori, acontecer das duas formas, isto é, com ou sem a presença de uma atuação significativa de um Espírito desencarnado. A Mediunidade, todavia, sempre estaria associada a uma manifestação anímica, mesmo que tal contribuição anímica fosse muito pouco representativa.
Possivelmente, Kardec diferenciou a Emancipação da Alma da Mediunidade propriamente considerada para facilitar didaticamente o nosso aprendizado. Realmente, há fenômenos de bilocação (desdobramento), bem como de Dupla Vista (também chamada Clarividência), em que não existe a detecção de nenhum Espírito desencarnado. Neste caso, pode-se afirmar que se trata de fenômenos, em princípio, somente de Emancipação da Alma, pois não existe a participação ostensiva e detectável pelo encarnado de uma inteligência desencarnada.
No entanto, se nós sonhamos e contatamos um Espírito desencarnado, tendo, por exemplo, uma revelação espiritual, esse fenômeno não deixa de ser, realmente, mediúnico, pois está associado a um contato com um ser espiritual desencarnado. Seria, por conseguinte, um fenômeno misto, pois abrangeria Mediunidade e Emancipação da Alma, em concordância com Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos”. Se, por outro lado, ocorrer um desdobramento simples, sem nenhum contato com entidade espiritual desencarnada, podemos dizer que foi apenas uma Emancipação da Alma “simples”, o que não impede que, em outra oportunidade, o mesmo indivíduo apresente um fenômeno misto ou somente mediúnico, pois a predisposição aos dois fenômenos apresenta uma mesma raiz fundamental que é a facilidade de maleabilidade e expansão do Corpo Espiritual. Vale lembrar que Chico Xavier, Dona Yvonne do Amaral Pereira e Divaldo Pereira Franco, indiscutíveis referências doutrinárias em matéria de Mediunidade com Jesus, sempre apresentaram, concomitantemente aos fenômenos mediúnicos, extraordinários fenômenos de Emancipação da Alma.
De fato, a famosa afirmação “Todos são médiuns”, que é utilizada excessivamente nos centros espíritas, é apenas uma meia verdade. Todos são médiuns em potencial, como todos que saibam escrever são escritores em potencial; como todos os que saibam falar são oradores em potencial; como a semente de mangueira é uma mangueira em potencial etc. Entretanto, é importante convir que, dentro de um determinado momento específico no tempo, não é razoável considerar que uma enorme mangueira é exatamente a mesma coisa que uma semente de mangueira. Seria o mesmo que considerar que todas as colheitas são obtidas imediatamente após as plantações, independentemente do tipo de semente plantada.
O fato de todos serem médiuns em potencial não significa, portanto, que todos são “médiuns de ação”, ou seja, “médiuns ostensivos”. Quando nós dizemos de forma simples e objetiva “João é médium”, queremos dizer que sua mediunidade é significativamente ostensiva, isto é, que ele é um médium de ação, implicando que a intensidade da Mediunidade desse indivíduo é representativamente superior àquela encontrada na maioria das criaturas humanas.
É também importante asseverar que a mediunidade basal comum a todos os indivíduos, por um lado, é, de fato, significativa (em função da importância dos fenômenos intuitivos), mas, por outro lado, é tão sutil que faz com que a maioria da humanidade ignore a própria existência da Mediunidade. Se fosse minimamente intensa para todos os indivíduos do planeta, não existiriam tantos materialistas no mundo. Não há como comparar tal Mediunidade com alguém que vê um Espírito ou que psicografa uma mensagem mecanicamente. Trata-se de uma análise incoerente, pois os dois tipos de fenômenos são de intensidades totalmente desproporcionais! E muitos dirigentes espíritas, equivocadamente, utilizam dessa premissa para respaldar um amplo e irrestrito acesso às reuniões mediúnicas, sob o pretexto de que “todos são médiuns”.
Kardec precisou frisar esse fato (“Todos são médiuns”), pois essa “Mediunidade basal”, comum a todas as criaturas, é o que faz com que todos possam ser obsidiados e/ou inspirados por “Espíritos de luz”. Isto ocorre, pois todos nós, em maior ou menor grau, conscientes disto ou não, manifestamos a chamada “telepatia”, que é um pré-requisito basilar do fenômeno mediúnico. Desta forma, Kardec valorizou esse ponto, pois, possivelmente, queria utilizar essa discussão para despertar o nosso senso de responsabilidade espiritual com relação aos próprios pensamentos. Seria uma maneira de ratificar, ilustrar e dar maior dimensão ao “Vigiai e Orai” de Jesus. Ademais, seria reforçar a necessidade de reforma íntima e vigilância de todos os espíritas, médiuns ou não. Afinal, todas as pessoas, sem exceção, podem vir a ser obsidiadas, justamente em função da possibilidade de comunicação telepática com outrem, o que é inerente a todos os seres espirituais, encarnados ou não.
A discussão deste tema nos leva, indiretamente, a analisar a definição de Mediunidade. Entre várias definições coerentes com os postulados Kardequianos encontradas no movimento espírita, é possível que uma definição bem próxima àquela utilizada por Divaldo Pereira Franco em suas palestras favoreça a nossa compreensão inicial do fenômeno mediúnico: “Mediunidade é uma faculdade de intercâmbio espiritual inerente ao Espírito que determinada predisposição orgânica e/ou perispiritual favorece em maior ou menor grau sua manifestação”. Essa definição consegue abranger, por exemplo, os fenômenos mediúnicos que ocorrem no mundo espiritual, já que não restringe o fenômeno mediúnico a um processo puramente físico. Importante adir que tal definição também é respaldada pelos ensinos do Dr. Bezerra de Menezes na obra de Yvonne Pereira “Recordações da Mediunidade”, onde o Benfeitor afirma que os grandes médiuns são preparados para suas tarefas, normalmente, em mais de uma encarnação, denotando que é uma faculdade do Ser Espiritual, muito embora, também dependa de condições perispirituais e orgânicas.
Um adendo relevante diz respeito aos termos vidência e audiência/clarividência e clariaudiência, pois, de fato, existe certa confusão no movimento espírita, e, muitas vezes, só conseguimos decodificar o que o autor está enunciando pelo contexto da frase. No entanto, o emprego dos referidos termos utilizados por Allan Kardec, ainda parece ser o mais conveniente. Para o Codificador do Espiritismo, vidência seria basicamente a Mediunidade de ver Espíritos desencarnados, e clarividência, também chamada Dupla Vista, seria o fenômeno de Emancipação da Alma associado à faculdade de ver algo material além das limitações dos olhos de carne através de um desdobramento perispiritual (Emancipação da Alma). De forma similar, audiência seria fundamentalmente a mediunidade de ouvir os Espíritos desencarnados, enquanto que clariaudiência seria ouvir algo material além do alcance dos ouvidos de carne, ou seja, com os “ouvidos perispirituais”, através de desdobramento perispiritual (Emancipação da Alma).
Obviamente, há casos em que os dois fenômenos acontecem concomitantemente, pois o indivíduo pode desdobrar-se, conversar e ver um Espírito desencarnado em um local físico distante. Contudo, os dois fenômenos poderiam acontecer de forma independente.
O termo “Animismo” foi cunhado por Alexander Aksakof, autor de “Animismo e Espiritismo”. Kardec discute a mesma ideia, mas não utiliza esse termo. Alguns também utilizam o termo “Personismo”, mas essa expressão não foi consagrada pelo uso. De qualquer forma, assim como ocorre com o termo “Passe”, de autoria de Samuel Hahnemann, e com a palavra “Ectoplasma”, criada por Charles Richet, o “Pai da Metapsíquica”, o Movimento Espírita utiliza regularmente tal expressão para designar basicamente a manifestação dita “paranormal”, em que o Espírito atuante é o próprio médium. Vale ressaltar que tal fenômeno de maneira nenhuma pode ser confundido com mistificações conscientes, onde, obviamente, não há a ocorrência de um fenômeno paranormal real.
Com relação à Mediunidade, também é importante fazer uma pequena distinção entre a percepção extrassensorial ou suprassensorial “simples” e a Mediunidade “Completa”. As crianças até a faixa etária dos sete anos, por exemplo, estão vivenciando um processo sob certo aspecto incompleto de encarnação, o que torna o indivíduo nessa fase mais predisposto a um contato de natureza espiritual. Entretanto, essa condição, na maioria das vezes, aumenta um pouco a predisposição mediúnica, o que pode não ser tão decisivo do ponto de vista da ocorrência de fenômenos ostensivos propriamente ditos, se o reencarnado já não apresentar um nível significativo de mediunidade. Chico, Divaldo, Raul e Yvonne já manifestavam intensos fenômenos mediúnicos nessa faixa etária e continuaram durante toda a vida, porque eram “médiuns de ação”. No caso destes notáveis exemplos, inclusive, podemos tranquilamente afirmar que se trata de portadores do chamado “Mediunato”. Em indivíduos que não são médiuns de ação, esses contatos mediúnicos na primeira infância poderiam acontecer, mas em um grau muito menos efetivo. Aliás, nesta mesma obra (Recordações da Mediunidade), Dr. Bezerra de Menezes afirma, através de D. Yvonne Pereira, que os médiuns que manifestam significativa Mediunidade desde a primeira infância, normalmente, são os médiuns mais seguros, pois já foram preparados para essa tarefa em vidas anteriores. Realmente, a vida missionária destes irmãos ilustra a coerência desta afirmação.
Os animais, por exemplo, também poderiam apresentar uma percepção espiritual, o que não deixa de ser um rudimento de mediunidade. Porém, a Mediunidade em sua proposta mais profunda à luz da Doutrina Espírita, implica em uma finalidade de bondade e iluminação intelectual de todos os envolvidos no processo psíquico em questão. Tal diferenciação é discutida pelo Professor Herculano Pires em sua obra intitulada “Mediunidade”.
Aliás, Kardec discute a mediunidade dos animais no capítulo 22 de “O Livro dos Médiuns” (intitulado “Da Mediunidade dos Animais”), mas, de fato, é um texto apenas introdutório sobre tão complexo tema. Inclusive, são dignas de registro as excelentes notas de rodapé do Professor J. Herculano Pires, na versão da LAKE, que muito contribuem para uma melhor compreensão desse capítulo. É possível que o Codificador do Espiritismo, conscientemente, tenha deixado alguns pontos para o futuro, talvez por entender que não tínhamos naquele momento histórico condições para discussões mais profundas sobre o nível de consciência dos animais.
O consolador – Ano 4 – N 164