Autor:Ricardo Baesso de Oliveira
Kardec estabeleceu que a comunhão sexual depende da organização física e, sob este aspecto, a sexualidade é uma expressão da corporeidade.[i] Fisiologistas estudam a Resposta sexual humana (RSH) e as áreas do cérebro, particularmente o hipotálamo, bem como os hormônios e os neurotransmissores relacionados com a experiência sexual.
Joanna de Ângelis, em obra de 2007, corrobora com o pensamento kardequiano, lembrando que o fenômeno sexual tem lugar no diencéfalo (sede do hipotálamo), onde se expressam os variados estados de excitação. Nessa região, os neurotransmissores específicos da função sexual produzem as ânsias do desejo e favorecem com as reações orgânicas indispensáveis à comunhão fisiológica anelada. A autora acrescenta que a Divindade estabeleceu uma área específica no cérebro, para que a reprodução pudesse acontecer através de automatismos, que a evolução qualificou para melhor com a cooperação consciente do sentimento de afetividade.[ii]
Necessário considerar, todavia, que, como toda atividade psicológica se dá na mente e a mente é uma propriedade do espírito, os aspectos cognitivos (pensamentos e sentimentos) da sexualidade se verificam na dimensão do espírito.
Em síntese: os circuitos cerebrais ativados respondem pela função sexual, e o Espírito registra, através de pensamentos e sentimentos, o que se passa no cérebro, como consequência da ativação dos circuitos específicos.
A controvérsia no entendimento da dinâmica sexual se dá a partir do conceito, apresentado por autores desencarnados, de que a sede do sexo estaria no espírito. André Luiz coloca que a sede do sexo não se acha no corpo grosseiro, mas na alma, em sua sublime organização.[iii]
Emmanuel, por sua vez, coloca que […] as sugestões da erótica se entranham na estrutura da alma.[iv]
Tais pensamentos não são encontrados na obra de Kardec, e devemos examiná-los com cuidado. Necessário, para tanto, definir, com precisão, o conceito de sexo. Para a biologia, sexo é qualquer troca de material genético, podendo ser identificado até mesmo em seres unicelulares, como as bactérias. Os dicionários, por sua vez, apresentam para o vocábulo sexo as seguintes definições:
1 – reunião das características distintivas que, presentes nos animais, nas plantas e nos seres humanos, diferenciam o sistema reprodutor; sexo feminino e sexo masculino;
2 – ação ou prática sexual, ou seja, relação amorosa;
3 – Os órgãos sexuais; genitália.
Não nos parece que essas definições (sexo como diferenciação genital, comunhão carnal e órgãos sexuais) possam se identificar com a conceituação proposta por André Luiz. Na Revista Espírita de janeiro de 1866, Kardec bem definiu que os Espíritos não têm sexo, pois os sexos só existem no organismo; os Espíritos não se reproduzindo uns pelos outros, os sexos seriam inúteis no mundo espiritual. Em O Livro dos Espíritos, nos itens 200 a 202, afirma que os Espíritos não têm sexo, pois que os sexos dependem da organização.
Parece-nos mais provável que André Luiz tenha se valido do vocábulo sexo dando-lhe uma conotação diferente da habitual. André talvez tenha empregado o termo sexo no sentido de impulso sexual, impulso criativo, força sexual, libido, termos amplamente empregados por autores espíritas, quando se referem a uma força inerente ao espírito e que o sustenta nas diferentes tarefas da vida.
Voltando ao livro No mundo maior, cap. 11, encontramos observações de André em torno do conceito de impulso criador e talvez esse conceito se reporte a essa definição singular de sexo. Segundo o autor, a individualidade espiritual possui em sua estrutura íntima uma força especial, investida de potentes faculdades criadoras – o impulso criador. Movida por essa força a coletividade humana avança, vagarosamente, para o supremo alvo do divino amor. Desejo, posse, simpatia, carinho, criatividade, devotamento, renúncia e sacrifício constituem aspectos dessa jornada sublimadora, em que a alma vai aprendendo, paulatinamente, a se valer do impulso criador para conquistas mais nobres. Freud identificou esse impulso na libido – a energia erótica. Adler considerou-o no desejo de sucesso (não necessariamente pessoal, mas também coletivo) e Jung viu nele a possibilidade de aspiração superior.
Observamos, a partir do texto, a afinidade que André demonstra com os conceitos da psicanálise, teoria que prevaleceu fortemente em grande parte do século XX, quando André ditou as obras da conhecida Série Nosso Lar.
Uma das maiores contribuições de Freud foi a ideia deque as pessoas são motivadas, primariamente, por impulsos dos quais têm pouca ou nenhuma consciência. O inconsciente contém todos esses impulsos, desejos ou instintos que estão além da consciência, mas que, no entanto, motivam a maioria de nossos sentimentos, ações e palavras. Freud postulou uma dinâmica, ou um princípio motivacional, para explicar a força motora por trás das ações das pessoas. Para Freud as pessoas são motivadas a procurar o prazer e reduzir a tensão e a ansiedade. Essa motivação é derivada da energia psíquica e física que brota de seus impulsos básicos.
Freud usou a palavra alemã Trieb para se referir a esse impulso ou estímulo dentro da pessoa. Esse termo foi traduzido como instinto, impulso ou pulsão. Os impulsos operam como uma força motivacional constante. Os vários impulsos podem ser agrupados sob dois títulos: sexo, ou Eros, e agressividade, destruição, ou Tanatos. Freud usou a palavra libido para o impulso sexual, porém a energia do impulso agressivo permanece sem nome.
O objetivo final do impulso sexual (redução da tensão sexual) não pode ser mudado, mas o caminho pelo qual a finalidade é alcançada pode variar. Como esse caminho é flexível e como o prazer sexual provém de outros órgãos além dos genitais, muitos comportamentos originalmente motivados por Eros são difíceis de reconhecer como comportamento sexual.
Para Freud toda atividade prazerosa é rastreável até o impulso sexual. A maioria das pessoas é capaz de sublimar uma parte da libido, a serviço de valores culturais mais elevados, enquanto, ao mesmo tempo, retém quantidade suficiente de impulso sexual para perseguir o prazer erótico individual.[v]
A obra mediúnica de Chico Xavier e, até certo ponto, a obra de Divaldo Franco sofreram notória influência do pensamento freudiano. Podemos observar a notável similaridade com os fundamentos da psicanálise, nos textos espíritas abaixo.
André Luiz
[…] não podemos afirmar que tudo, nos círculos carnais, constitua sexo, desejo de importância e aspiração superior; no entanto, chegados à compreensão de agora, podemos assegurar que tudo, na vida, é impulso criador. Todos os seres que conhecemos, do verme ao anjo, são herdeiros da Divindade que nos confere a existência e todos somos depositários de faculdades criadoras.[vi]
[…] A energia natural do sexo, inerente à própria vida em si, gera cargas magnéticas em todos os seres, pela função criadora de que se reveste, cargas que se caracterizam com potenciais nítidos de atração no sistema psíquico de cada um e que, em se acumulando, invadem todos os campos sensíveis da alma, como que a lhe obliterar os mecanismos outros de ação, qual se estivéssemos diante de usina reclamando controle adequado […] o instinto sexual não é apenas agente de reprodução entre as formas superiores, mas, acima de tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo qual as criaturas encarnadas ou desencarnadas se alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquico-magnéticos que lhes são necessários ao progresso.[vii]
Emmanuel
A libido ou o instinto sexual na forma de energia psíquica, tendente à conservação da vida, permanece, em muitos casos, na carícia dos pais […][viii]
Agindo assim, por amor, doando o corpo a serviço dos semelhantes, e, por esse modo, amparando os irmãos da Humanidade, através de variadas maneiras, convertem a existência, sem ligações sexuais, em caminho de acesso à sublimação, ambientando-se em climas diferentes de criatividade, porquanto a energia sexual neles não estancou o próprio fluxo; essa energia simplesmente se canaliza para outros objetivos – os de natureza espiritual.[ix]
Joanna de Ângelis
Dando amplitude genésica ao sexo, que é a sua função primeira, encontramo-lo na força de atração mantida pela vida. No homem, ele é também o agente da inspiração e da beleza, da coragem e do amor, devendo ter as suas expressões canalizadas para os ideais de sustentação da cultura, na filosofia, na ciência, na religião, na sociedade de libertação dos seres. Bem conduzida, a força sexual é vida, enquanto que, se deixada ao desrespeito, torna-se veneno e pantanal, que vitima sem piedade quem a execra através do mau uso. [x]
Chico/Emmanuel
Basta que saibamos fazer a transmutação da força sexual em nossas ligações afetivas uns com os outros, mesmo sem contato sexual, para encontrarmos sempre o amor, porque o amor é lei da vida. Mas, se soubermos transmutar a energia sexual em serviço, trabalho, organização, realização, sublimação, encontraremos sempre no amor com base mesmo no sexo não vivido, a força espiritual mais profunda da vida para garantir a nossa euforia orgânica e mental sobre a Terra. [xi]
Concluindo, nos parece adequado, diante no examinado, que o vocábulo sexo seja empregado, conforme aceitava Kardec, como uma função orgânica, própria do espírito encarnado, e vivenciada pelo espírito, que é a sede dos pensamentos e sentimentos. Admitindo, segundo a proposta freudiana, o conceito de impulso criador (validada, em parte, pela obra mediúnica de Chico e Divaldo), seria ele, uma força motivacional, inerente aos seres vivos, que alimenta as suas ações, incluindo a sexualidade.
Referências
[i] O Livro dos Espíritos, item 200, ver também Revista Espírita, janeiro de 1866.
[ii] Encontro com a Paz e a saúde, cap.9.
[iii] No mundo maior, cap. 11 e Evolução em dois mundos, parte I, cap. XVIII.
[iv] Vida e sexo, cap. 1.
[v] Teorias da personalidade, Feist e Roberts.
[vi] André Luiz, No mundo maior, cap. 11.
[vii] André Luiz em Evolução em dois mundos, cap.18 parte I.
[viii] Emmanuel, em Vida e sexo, cap. 15.
[ix] Emmanuel, em Vida e sexo, cap. 23.
[x] Joanna de Ângelis, em Momentos de alegria, cap. 16.
[xi] Chico/Emmanuel, Lições de sabedoria, cap. 33.
Artigo de O consolador