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Errar é humano?

Autor: Rogério Miguez

Observa-se, plenamente difundida na sociedade, a frequente utilização da máxima: Errar é humano, diante dos variados insucessos enfrentados no cotidiano.

Embora haja erros comuns e até esperados, por exemplo, na aprendizagem e no desempenho de um ofício, esse conceito é frequentemente empregado quando se cometem erros morais. Nesse sentido, o seu uso busca, em muitos casos, justificar a fraude, o delito, o crime, o conluio, não importando o tipo de conduta indecorosa, em suma, os diversos atos maldosos, seja quando se consideram os estatutos e leis sociais ou mesmo os ordenamentos divinos.

É considerada uma boa válvula de escape para não se incomodar demais com os próprios deslizes, evitando, dentro do possível, a formação do temido sentimento de culpa, estado consciencial martirizante e provocador de graves mazelas ao infrator.

Funciona razoavelmente bem, embora seja um paliativo para o violador das leis, pois, se há sucesso em aliviar momentaneamente o estado íntimo, impedindo possíveis conflitos existenciais, não possui o poder de anular as consequências do delito aos olhos de Deus, e, mais cedo ou mais tarde, o agente terá de reparar os efeitos danosos do ato, pela dor ou pelo amor, mesmo se o delito estiver fora das vistas da sociedade na qual foi cometido.

Não foi em vão o registro de Allan Kardec:

Desculpar-se de seus erros por fraqueza da carne não passa de sofisma para escapar à responsabilidade. “A carne só é fraca porque o Espírito é fraco,” [..]1

Esse equivocado entendimento sobre o errar é humano só se sustenta em função da ignorância que grassa entre os humanos sobre sua própria natureza e o seu mecanismo de evolução. Com efeito, há mais de 160 anos existe à disposição de todos um manual para se alcançar a perfeita compreensão sobre esta questão, o ainda desconhecido – mesmo entre espíritas: O Livro dos Espíritos.

O sábio de Lyon, ao ter sua atenção voltada para os fenômenos das mesas girantes ocorrendo na Europa, no século XIX, usa as ferramentas que bem desenvolveu – a inteligência e a moralidade -, ao longo de suas muitas existências corporais para interrogar a causa daqueles singulares fenômenos: os Espíritos, que vêm se aperfeiçoando no decorrer do tempo.

Quando esmiuça, na medida do possível, a questão de nossa própria evolução, formula a questão:

Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?

“Pela fieira do mal, não; pela fieira da ignorância.”2

O interesse de Allan Kardec se prendia à questão da prática do mal, atitude comum, caracterizando essa ínfima parcela da Humanidade universal encarnada na Terra. A resposta é clara e objetiva: Não, pois é possível se chegar à perfeição relativa, meta fatal de todos nós, trilhando única e exclusivamente o caminho do bem.

De modo a melhor entender a realidade sobre a nossa ignorância é oportuno lembrar:

Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus?

“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. […]3

Esta informação é fundamental, pois atesta, em meio a todos os atributos da Divindade, a Sua infinita justiça, não privilegiando nenhum de Seus filhos. Todos iniciamos o processo de contínua evolução do mesmo ponto, com os mesmos recursos, absolutamente iguais, sem tendência alguma para o mal, tampouco para o bem.

Sendo assim, podemos concluir que se os Espíritos encarnados neste orbe são, geralmente, praticantes do mal, se deve ao fato de que escolhemos o caminho do mal ao longo das existências passadas e agora, por força da tendência fortemente construída nessa prática, continuamos a viver o mal em suas muitas modalidades, pois ainda nos agrada essa conduta. É o homem velho no comando.

É fato que também possuímos um lado luminoso, embora singelo, discreto, formado pelos atos bondosos que praticamos. Contudo, em menor parte, por isso há tanta maldade.

Se ajuizarmos que fomos criados sem inclinações para essa ou aquela conduta, podemos concluir que, do mesmo modo que muitos escolheram o caminho do mal, outros tomaram o caminho do bem. Natural e razoável que assim pensemos.

Graças a Deus é assim o processo de evolução:

Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por  vontade própria.”4

Por vontade própria…, ou por nossa vontade, estamos imersos nos caminhos do mal e não nos do bem.

E, para confirmar a tese de que Espíritos simples e ignorantes possam seguir as trilhas do bem, desde a sua iniciação no reino hominal temos:

Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois extremos. Não?

“Sim, certamente, e os que se acham nos graus intermediários constituem a grande maioria.”5

Então, é plenamente possível que alguns Espíritos sigam os extremos do bem e outros o do mal. Entretanto, nos dizeres dos Imortais, a maioria caminha entre um limite e outro.

Por essa razão, neste planeta, ainda de provas e expiações, há tantos homens francamente voltados à prática do mal e, por conta desse particular cenário é que a máxima errar é humano foi forjada, pois a maioria não se porta como esperado pelas imutáveis leis de Deus. E mais, para aqui são trazidos regularmente Espíritos necessitados de expiações e, simultaneamente, das necessárias provas comuns a todos, sem exceções.

Podemos chegar também à mesma conclusão de que a máxima errar é humano não se alinha com a verdade, ajuizando que se errar fosse uma necessidade aos Espíritos chegados no reino hominal, todos seríamos obrigados a cometer toda a sorte de atrocidades conhecidas e praticadas pela Humanidade, ao longo do tempo para, através desses crimes aprender o caminho do bem, o que não faz o menor sentido quando se conhece os infinitos atributos de Deus, entre outros, a bondade, amorosidade e misericórdia, características incompatíveis com uma proposta como essa – a de que só se aprende o caminho do bem trilhando o do mal.

Poder-se-ia indagar: Como se pode evoluir sem praticar o mal, sem adquirir a experiência proporcionada pelo cometimento de condutas afastadas das leis divinas?

Pela observação dos erros alheios e pelo estudo atento de obras de cunho moral e ético, a toda prova, particularmente do Evangelho de Jesus, quando nos trouxe a Segunda Grande Revelação. Igualmente, pelos escritos de Allan Kardec ao consolidar as teses da Terceira Revelação.

Como um Espírito opta pelo caminho do bem, desde a sua fase de evolução na simplicidade e na ignorância, visto que ele ainda não construiu o livre-arbítrio, nem possui consciência de si mesmo?

Os imortais respondem!

Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?

“Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Deixa-o, porém, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, senhor de proceder à escolha e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho, por desatender os conselhos dos bons Espíritos. A isso é que se pode chamar a queda do homem.”6

Observando, na resposta dada à indagação de Allan Kardec, é salientado que há Espíritos – bons -, que nos acompanham desde as iniciais etapas de evolução, como também agora nos auxiliam em nosso progresso. São os anjos da guarda, designados por Deus para suprir a falta de conhecimento ou saber nesse particular período de consolidação das primeiras experiências de vida.

Na resposta também há menção a Espíritos que seguem a trilha do bem desde o início. Basta observar o texto só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se. Ora, se é dito muitas vezes, então não há extravio de outros Espíritos em outras vezes, a não ser que houvesse sido dito só então é que sempre lhe acontece extraviar-se, ou frase equivalente.

Pode-se destacar o muitas vezes para refletir sobre essa realidade. Muitas vezes equivale a uma probabilidade de aproximadamente 70% ou 80%. De fato, observando a questão citada, os Espíritos usaram a expressão grande maioria. Esta está associada, igualmente, a algo em torno de 80%, em linha com o muitas vezes mencionado.7 Assim, conclui-se que grande massa de Espíritos não obtém sucesso em completar o seu processo de evolução sem erros ou falhas morais, mas não é impossível.

E, mais uma vez, o Espiritismo ratifica, nessa questão, sem sombra de dúvida, a possibilidade de Espíritos seguirem os extremos do processo de evolução progressiva, ou seja, sempre avançando segundo a vivência no bem ou exclusivamente sob o império do mal. Entretanto, os últimos não se extraviarão, pois nenhuma ovelha do Pai se perderá.

É interessante destacar que a posição atualmente enfrentada por este mundo não é regra absoluta, pois em outros orbes, os Espíritos podem ter tomado outro rumo, experimentando situação diversa desta coletividade de humanos.

É possível que seja esta uma das principais razões do Governador deste planeta ter decidido, junto com outros Luminares, Seus pares, encarnar pessoalmente para oferecer bons exemplos a todos.8

Como sabemos, esta Humanidade não se interessou e ainda não se interessa muito em seguir os modelos morais oferecidos pelo Cristo.

Quem sabe, se houvéssemos seguido, desde o início, as lições deixadas por Ele, hoje a máxima poderia ser: Acertar é humano.

Referências

1 KARDEC, Allan. O céu e o inferno ou A Justiça Divina segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013. pt. 1, cap. VII, item A carne é fraca.

2 _______. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1987. pt. 2, cap. I, q. 120.

3 Op. cit. pt. 2, cap. I, q. 115.

4 Op. cit. pt. 2, cap. I, q. 121.

5 Op. cit. pt. 2, cap. I, q. 124.

6 Op. cit. pt. 2, cap. VI, q. 262.

7 https://www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/portugues-em-dia/2020/10/29/dica-do-dia-no-33-grande-maioria-maioria/ – Acesso em 16/05/2023.

8 XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, 1997. cap. I.

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